Capítulo 6 - Sombras Esquecidas

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O silêncio envolvia meu apartamento após a saída de Isabella e Kael. Sozinha, senti a necessidade de encarar uma parte de mim que permanecia nas sombras: uma caixa de recordações que guardava há muitos anos. A curiosidade e, ao mesmo tempo, o temor de relembrar eram como fios invisíveis, guiando-me em direção a um passado que eu havia enterrado profundamente.

Ao abrir a caixa, deparo-me com fotografias amareladas, cartas amassadas e pequenos objetos que, de alguma forma, desencadeiam memórias empoeiradas. Cada item é um elo com uma versão de mim que, por muito tempo, preferi esquecer. É como reviver uma história em fragmentos, onde as lacunas são tão intrigantes quanto as lembranças vívidas.

Entre as fotografias, reconheço rostos que, por um breve instante, habitaram meu mundo. Contudo, a névoa do esquecimento obscureceu detalhes cruciais, como nomes e circunstâncias. Quem eram essas pessoas? O que compartilhamos e por que suas imagens permanecem em minha caixa de memórias?

À medida que folheio as cartas, percebo palavras escritas com uma sinceridade que me é estranha. Expressões de amor, amizade e até mesmo desculpas que, ao longo do tempo, se transformaram em cinzas. As lacunas em minha memória se expandem, formando um abismo de perguntas sem respostas.

Pequenos objetos ganham significados perdidos, como se estivessem esperando por este momento para contar suas histórias. Uma pulseira que não recordo ter recebido, um bilhete de um evento que parece familiar, mas cuja lembrança se esvai como areia entre os dedos.

Em meio às recordações, surgem flashes de noites regadas a excessos, decisões impensadas que se revelam como cicatrizes na minha jornada. Arrependimentos amargos ecoam em meus pensamentos, lembrando-me de escolhas que preferiria não ter feito.

Ao segurar uma fotografia desbotada, a maquiagem borrada no rosto desperta uma lembrança que repousava nas profundezas do meu ser. A imagem capturou um momento de fragilidade, uma noite em que as escolhas se desdobraram como cartas embaralhadas. Eu não me recordava do fotógrafo, mas as lembranças de uma fuga desesperada e encontros inquietantes surgiram como sombras.

A foto foi tirada em uma época em que eu estava perdida em meio a festas e desconhecidos. A sensação de mal-estar me levou a abandonar o ambiente, mas, ao escapar, encontrei-me em uma encruzilhada sombria. Homens desconhecidos se aproximaram, seus rostos sem nome ecoando um medo que eu tentava suprimir.

Entre os flashes de memória, surge um rosto familiar: um rapaz magro de cabelos longos e um sorriso que, de alguma forma, carregava a promessa de segurança. Lembro-me de seus olhos, compreensivos e gentis, como se a escuridão da noite não pudesse tocá-lo. Ele foi minha luz naquele momento sombrio.

A tentativa de lembrar mais detalhes desse encontro me consome. Será que vi esse rapaz novamente? As peças do quebra-cabeça parecem soltas, desafiando minha mente a reconstruir uma narrativa coesa. A busca por respostas me consome até que o cansaço vence, e adormeço no meio de minhas reflexões.

***

Acordei com um desconforto passageiro pela posição inusitada em que adormeci no meio da busca por respostas em minhas recordações. O sol filtrava através das cortinas, iluminando a sala de uma forma acolhedora, mas os vestígios das sombras esquecidas ainda perduravam na minha mente.

Ao me olhar no espelho, a imagem refletida parecia ser uma extensão da busca interna que iniciara na noite anterior. Decidi que era hora de cuidar de mim de uma maneira diferente, começando pela minha aparência. Uma vontade súbita de me sentir bonita tomou conta de mim, como se o ato de cuidar do exterior pudesse, de alguma forma, iluminar os cantos escuros do meu interior.

Com esse pensamento, segui minha rotina matinal e dirigi-me ao trabalho. Ao chegar, encontrei Kael, imerso em seus próprios pensamentos. Sua expressão inquieta não passou despercebida.

— Bom dia, Kael! Alguma novidade? — cumprimentei, percebendo imediatamente que algo o perturbava.

Ele desviou o olhar por um momento antes de responder.

— Sofia, você acredita em destino? — indagou, seus olhos buscando os meus.

Surpresa pela pergunta, eu ri levemente.

— Não sei se acredito em destino, mas acredito em escolhas que moldam nosso caminho. Por quê?

Kael hesitou por um instante antes de revelar o motivo de sua agitação.

— Estou procurando uma casa, um lugar que possa chamar de lar. Sabe, algo que vá além das paredes, algo que faça sentido. E, bem, estava pensando se você poderia me ajudar a encontrar algo especial.

A proposta de Kael ecoou em minha mente, e um sorriso involuntário se formou em meus lábios.

— Claro, Kael! Será um prazer ajudar. Vamos procurar juntos algo que faça sentido para você.

Ao aceitar a proposta de Kael de ajudá-lo a encontrar um lar, uma pergunta curiosa surgiu em minha mente.

— Kael, o que procurar uma casa tem a ver com destino? — questionei, enquanto começávamos a caminhar em direção aos nossos postos de trabalho.

Ele lançou um olhar pensativo para o horizonte antes de responder.

— Às vezes, acredito que o destino nos conduz a lugares específicos, nos coloca diante de pessoas que têm papéis importantes em nossas vidas. E essa busca por um lar, por um espaço significativo, faz parte desse caminho. Talvez, ao encontrar o lugar certo, eu possa me conectar com algo maior, algo que vá além das simples paredes.

A resposta de Kael ecoou em minha mente, provocando reflexões sobre as interseções entre escolhas e destino. Enquanto seguíamos nosso trajeto, a ideia de que as buscas por um lar e por respostas em minhas memórias estavam entrelaçadas começava a ganhar forma.

No escritório, continuamos nossas atividades, mas a semente da curiosidade germinou. Eu me via imersa não apenas na busca por um lar para Kael, mas também numa jornada pessoal em busca de significados mais profundos. O destino, com seus fios invisíveis, tecia uma narrativa que começava a se desdobrar diante de mim, revelando conexões inesperadas e lições a serem aprendidas.

Enquanto pesquisava, acabei me deparando com várias casas que combinam com as descrições que Kael fez. E resolvo agendar as visitas para que possamos ver pessoalmente cada uma delas. Tenho certeza que vamos encontrar um lar para ele e que finalmente ele vai ter a privacidade que tanto busca.

Quebrada: Silêncios que gritamOnde histórias criam vida. Descubra agora