Capítulo II

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A irmã de Elvira, Alice já tinha comentado que os monarcas haviam regressado no dia 6 de Janeiro pelas sete e quinze da tarde.

Foram recebidos entre duas alas de archotes, que os populares seguravam, e ao som do Hino, tocado pela Filarmónica União.

Para esta visita a Vila Viçosa, o monarca encontrava-se acompanhado pelo conde de Arnoso e o marquês de Faial, Charters de Azevedo, o major Alvim, o pintor Casanova e José Pinto dos Santos, o almoxarife de Vendas Novas, todos eles da amizade de D. Carlos.

Fugiam um pouco aos tormentos que ocorriam na capital.

No dia seguinte o monarca e o príncipe já andavam à caça, enquanto a rainha passeava de break com o infante D. Manuel, D. Vasco Belmonte e D. Isabel da Gama.

Do dia de caçada, regressaram com quarenta e nove coelhos, onze perdizes, dois tordos e cinco aves diversas.

Sempre que chegavam havia grande azáfama em preparar todas as refeições e as ementas que o rei gostava de pintar e desenhar.

Na capital dizia-se que o rei andava caçando em Vila Viçosa, zombando desta descontração quando no país se vivia grande descontentamento do absolutismo que reinava. Ferviam as intrigas e preparavam-se armas e conspirações para a grande revolução.

Mas o rei tinha outras ideias, a estadia na vila ducal, serviria para demonstrar a falta de receios, que aos conspiradores também agradava, pois receavam a possível influência sobre o exército por parte do rei. Assim longe, dava para programarem a revolução.

À já alguns anos que em Portugal se viviam tempos de agitação e revolta.

Em Vila Viçosa, as noticias já chegavam um pouco distorcidas e fora de época, atrasadas no seu tempo. Mas as pessoas mais influentes e os criados do palácio iam desvendado um pouco do que se falava sobre o rei e das agitações que pareciam haver em Lisboa e pelo resto do país.

O rei D. Carlos era muito acarinhado pela população de Vila Viçosa. Viram ainda enquanto príncipe, ser um excelente caçador e possuía uma verdadeira veia artística, não só no desenhar das ementas reais, como os maravilhosos quadros artísticos que representavam as paisagens alentejanas.

Quando foi proclamado rei a 19 de Outubro de 1889, em Lisboa, houve também uma certa celebração espontânea na terra que o acolhia de tempos a tempos.

Sendo um homem viajado, cosmopolita, tratava todos com respeito e consideração, desde os seus conselheiros aos criados que tratavam das suas roupas e aposentos.

Mas em Vila Viçosa, era reconhecido pelas caçadas e desde que casara com a rainha D. Amélia, em 22 de Maio de 1886, era com grande satisfação que eram recebidos no palácio real.

O rei D. Carlos I era um bom pintor, e um fotógrafo de qualidade. Deixou estudos sobre as aves portuguesas e os seus trabalhos oceanográficos marcaram o início da oceanografia moderna portuguesa.

Nasceu no Palácio da Ajuda, a 28 de Setembro de 1863, recebendo o nome de Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão. Era filho do rei Luís I e de D. Maria Pia de Sabóia.

Após a morte do seu pai, foi proclamado rei em 1889 e o seu reinado foi todo ele vivido num ambiente efervescente e marcado por uma série de acontecimentos dramáticos. Pouco tempo depois de ter iniciado o seu reinado foi confrontado com o chamado Ultimato inglês, motivado pelo célebre mapa cor-de-rosa.

Seguiu-se a revolução republicana de 31 de Janeiro; as lutas políticas entre republicanos, que aumentavam continuamente que fragilizavam cada vez mais os monárquicos, a ditadura de João Franco; as revoltas por todo o ultramar, desde a Guiné a Timor, uma nova tentativa revolucionária gorada, em 21 de Janeiro de 1908.

Do seu casamento com D. Amélia, nasceram três filhos: Luís Filipe Maria Carlos Amélio Francisco Vítor Manuel António Lourenço Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Bento e usava os títulos reais de príncipe da Beira e duque de Bragança e da Saxónia, nascido no Palácio de Belém em 1887; seguiu-se D. Maria Ana nascida no Paço Ducal de Vila Viçosa, de parto prematuro, a 14 de Dezembro de 1887, mas morreu com poucas horas de vida e finalmente D. Manuel II, que nasceu no Palácio de Belém, a 19 de Março de 1889; recebendo o nome de Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luís Miguel Rafael Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio.

D. Carlos quando visitava a vila ducal, gostava de passear e caçar na tapada real junto com o seu primogénito, fumando no seu cachimbo o tabaco louro, ou detendo-se a tirar fotografias.

O príncipe Manuel, partiu mais cedo, no dia 20 de Janeiro, e o restante clã permaneceu.

Os boatos publicados pelos jornais e após assinado o decreto, não pôde mais deter o Rei. Ele não queira que o julgassem amedrontado e mandou telegrafar para Lisboa, a dizer que partia.

A Rainha queria permanecer mais uns dias, o príncipe partilhava dos mesmos ideais da mãe, mas D. Carlos não cedeu.

A família Real partira de Vila Viçosa no comboio às onze horas da manhã. O atraso em Casa Branca fez com que apenas chegassem a Lisboa mais tarde. Tinha ido pouca gente ao encontro dos reis.

Os políticos arremetiam mais, bradavam contra o decreto de 31 de Janeiro. Por isso para além dos membros do Governo e da Corte, só alguns amigos seguros e fiéis apareceram no Terreiro do Paço, onde a morte já estava próxima.

Quando o barco atracara, a rainha avançou trajada de escuro, seguida do rei que envergava um capote de gola vermelha, o boné agaloado de ouro, cabeça baixa, a mão na algibeira até a estender a João Franco, enquanto a soberana falava ao seu filho D. Manuel que veio receber os pais.

Fora entregue por uma menina à rainha, um ramo de camélias e rosas para lhe dar as boas-vindas. Instalados na carruagem descoberta, primeiro subiu a rainha, que ficou ao lado do rei e em frente do filho mais novo, o primogénito colocara-se diante do pai.

Quando o ataque se iniciou, Buiça, Alfredo Costa e João sabino partiram para a investida contra os monarcas. Costa, galgara até junto do landau, alcançara a traseira da carruagem e disparara a sua arma contra a nuca do Rei, e a real cabeça pendeu para o lado direito descaindo sobre o largo peito. Buiça fazia fogo sobre o príncipe, o qual se encontrava de pé, apontando a sua pistola e a descarregava bravamente.

Buiça atingiu o príncipe por detrás, à traição, receoso da sua pontaria. Dom Luís Filipe baqueou sobre as almofadas.

No meio desta confusão, via-se um vulto o da rainha que batia com o ramo oferecido contra outro homem que lhe alvejara o seu filho mais novo, que fora também ele ferido. Buiça ainda reaparecera com a sua carabina, mas foi alcançado por um soldado que se lançou sobre ele, disparara e o ferira também. Os polícias saíram no encalço dos regicidas e foram todos eles mortos.

No Terreiro do Paço apenas ecoavam vozes "Mataram o Rei! Mataram o Rei"...Encheu-se o Chiado de gente que ia correndo, nervosos, agitados e a notícia espalhava-se como pólvora, nacional e internacionalmente.

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