Melhoras

31 5 7
                                    

Só naquela primeira noite, as sombras se aproximaram mais do que nunca.  Sem a risada e a amizade de Anthony e Henri para manter os pensamentos afastados, Gal sentiu-se completamente consumido pelo desespero. Ele se encolheu, pressionando as mãos sobre os ouvidos para bloquear os ecos fantasmas da raiva do padre Ronaldo e dos abusos passados.

Quando finalmente amanheceu, a exaustão e a tristeza drenaram todas as lágrimas de Gal. Ele ficou olhando fixamente para as paredes de pedra cinzenta, notando pela primeira vez marcas tênues gravadas na superfície.

Este pequeno quarto também se tornaria sua tumba, com o espírito quebrado além do reparo? As reflexões sombrias de Gal foram interrompidas pela chamada para a missa matinal. Por pura força do hábito, ele se levantou e se vestiu, o corpo movendo-se no piloto automático enquanto sua mente permanecia presa no pesadelo.

Na capela, Gal examinou os bancos desesperadamente em busca de rostos familiares.  Quando finalmente avistou Anthony e Henri, seus olhos se encontrando através da sala cavernosa ofereceram um breve conforto. Mas a chegada do Padre Ronaldo apagou até mesmo aquela pequena chama de esperança. Gal abaixou a cabeça, resignando-se a mais horas de agonia.

À medida que a massa se arrastava, um leve farfalhar vinha dos bancos.  Gal ousou olhar e congelou. Com cautela, Anthony estava passando um bilhete de papel dobrado para ele, com uma expressão fechada, mas determinada. Com as mãos trêmulas, Gal pegou-o e enfiou-o apressadamente na manga para ler mais tarde.

Uma pequena faísca foi reacendida. Talvez, com a ajuda dos amigos, ainda houvesse um caminho através da escuridão.

Naquela noite, enquanto o sol se punha, pintando o céu em tons de laranja e rosa, Gal desdobrou o bilhete que havia recebido.  Em uma caligrafia familiar e rabiscada estavam as palavras:

Garota,

Nós vamos tirar você daí. Encontre a gente depois que as luzes se apagarem em nosso canto da biblioteca.

- Henri

Novas lágrimas brotaram dos olhos de Gal, mas desta vez eram lágrimas de gratidão e não de desespero. Afinal, seus amigos não o abandonaram.

Agarrando o bilhete, Gal percorreu as horas solitárias até o anoitecer. Quando a última vela se apagou, ele saiu da cela e se arrastou pelos corredores sombrios.

Ao chegar ao recanto, Anthony e Henri saltaram de onde estavam amontoados juntamente de Gaspar.

— Você veio! _ exclamou Anthony.

— C-claro que vim _ disse Gal, emocionado.

— Isso é inaceitável. Padre Ronaldo não tem o direito de tratá-lo desta forma! _ Exclamou Henri enquanto franzia a testa

Gaspar assentiu solenemente e disse.

— Nós vamos tirar você daqui, mesmo que seja só por um tempinho. Você não deveria ter que aguentar esse lugar sozinho.

Enquanto os meninos discutiam planos em sussurros, Gal ficou profundamente comovido com sua lealdade e cuidado. Com amigos como esses ao seu lado, ele sabia em seu coração que um dia a escuridão não o derrotaria. A sua luz guiaria o caminho para a liberdade e aceitação, com o tempo.  Por enquanto, a companhia deles lhe trouxe mais esperança e força do que ele jamais imaginou ser possível.

— É isso!_ exclamou Anthony _ Vamos ligar para o senhor Arnaldo. Ele tem influência aqui, talvez consiga tirar Gal daqui.

Os outros assentiram ansiosamente.  O senhor Arnaldo, um rico benfeitor que financiou grande parte do orfanato, era um dos poucos adultos ali com autoridade sobre o padre Ronaldo.

Naquela noite, enquanto os padres estavam ocupados, Anthony correu para o telefone da recepção.  Com as mãos trêmulas discou o número do senhor Arnaldo.

— Por favor, você tem que vir _ Anthony implorou assim que o homem rude respondeu. _ É uma emergência... Giulia precisa de ajuda.

Em poucos minutos, faróis brilhantes apareceram na garagem.  Quando o senhor Arnaldo entrou, observando a cena com a testa franzida, o padre Ronaldo empalideceu.

A expressão do senhor Arnaldo suavizou-se ao ver Gal e os meninos.

— Agora, me diga o que está incomodando todos vocês.

  Enquanto Anthony contava a situação evitando cuidadosamente detalhes sobre a identidade de Gal e a angústia pelo tratamento recebido, a compreensão surgiu nos olhos do Sr. Arnaldo.

— Venha, criança _ ele disse gentilmente para Gal. _ Vamos conversar.

Em seu antigo quarto, Gal encontrou coragem para compartilhar tudo em meio às lágrimas – seu nome, seu verdadeiro eu, o abuso e o isolamento recente.  Para sua surpresa, o senhor Arnaldo ouviu com empatia, nunca com julgamento.

— Você já suportou muito, mas não mais _ disse o senhor Arnaldo com firmeza quando Gal terminou.

Chamou o padre Ronaldo, exigindo respostas. O horror tomou conta do rosto do padre enquanto o senhor Arnaldo deduzia a verdade.

Seguiu-se uma forte discussão, que os meninos só podiam imaginar, envolvendo ameaças de desfinanciamento do orfanato. Quando o senhor Arnaldo apareceu com Gal, o triunfo brilhou em seu olhar.

— Venha, meu garoto. Você ficará comigo de agora em diante, onde estará seguro e aceito.

Gal virou-se para sorrir para seus amigos com olhos lacrimejantes. Finalmente, o amanhecer de um novo futuro estava surgindo para afugentar a escuridão do seu passado.

  Enquanto Gal dobrava suas roupas extras e lembranças em uma sacola, seu coração se encheu de gratidão e tristeza.  Ele ficou muito feliz por escapar deste lugar opressivo para algum lugar onde pudesse realmente ser ele mesmo. Mas a ideia de deixar Anthony, Henri e Gaspar para trás, depois de se terem tornado a sua única fonte de luz em tempos mais sombrios, trouxe-lhe lágrimas agridoces aos olhos.

Os amigos ajudaram-no a levar as coisas até ao portão da frente, onde o carro do senhor Arnaldo o aguardava.

— Sentiremos sua falta _ disse Henri, abraçando-o com força segurando o choro e falhando totalmente.

— Não será a mesma coisa sem você _ acrescentou Anthony que ja havia chorado um pouco.

Nesse momento, o senhor Arnaldo aproximou-se com uma notícia inesperada.

— Eu providenciei para que todas as crianças daqui frequentassem a mesma escola que Gal a partir de agora _ anunciou ele. _ Desta forma, suas amizades podem continuar a florescer sem limites.

Suspiros e gritos aumentaram por toda parte.  Tomado de alegria, Gal abraçou seus amigos, compreendendo finalmente que o vínculo entre eles era muito mais forte do que qualquer parede de tijolos poderia conter. Embora novos desafios aguardassem no horizonte, eles os enfrentariam lado a lado.

Enquanto o carro se afastava com Gal acenando ansiosamente pela janela, a esperança brilhava mais forte que o amanhecer. Sua nova vida prometia tudo o que ele poderia sonhar: aceitação, segurança e, acima de tudo, o amor incondicional de verdadeiros companheiros que estiveram ao seu lado nas noites mais sombrias. O futuro estava repleto de possibilidades.

࿙‌֒࿚࿙‌֒࿚ ⠀୨  ✿  ୧⠀࿙‌֒࿚࿙‌֒࿚

3/3

Finalmente um fim, último capítulo é maior e revisado melhor, qualquer erro passado despercebido peço desculpas

Palavras: 1121

ConfusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora