Purgatório, Castelo Nightshade
O eco do chute que dei na escultura preencheu o salão vazio. Cada pedaço quebrado parecia ser um reflexo da minha paciência se esgotando.
— Droga! — gritei, encostando na mesa de mármore e tentando controlar a raiva.
A caça estava se tornando insuportável. Cada vez que me aproximava dela, algo me impedia. Era como se o universo inteiro estivesse conspirando para que eu falhasse. Peguei o cigarro no bolso, mas antes que o isqueiro acendesse a chama, um raio passou raspando por mim.
— Já falei pra você parar com isso, Astra! — rosnei, girando para encarar minha irmã mais nova, que agora segurava o cigarro com um sorriso malicioso.
— Sabe que está de castigo, não sabe? Isso inclui os cigarros, irmãozinho — provocou ela, dando um trago antes de apagar o cigarro com um estalar de dedos.
Suspirei, apoiando as mãos na mesa.
— O que foi agora? — perguntou ela, cruzando os braços. — Você só fuma quando está prestes a fazer merda.
Ela tinha razão. Sempre tinha.
— Aceitei uma caça.
O sorriso dela desapareceu, substituído por um olhar sério que eu raramente via.
— Você enlouqueceu?
— Talvez.
— Demian, isso não é um jogo. Você sabe o que significa aceitar uma caça.
— Sei, Astra. Ou eu mato, ou morro.
Ela balançou a cabeça, incrédula.
— Quem é o alvo?
— Você sabe que não posso dizer.
— Então pelo menos me diz por que está sendo tão difícil assim.
Parei por um momento, ponderando.
— Acho que ela tem alguma proteção. Talvez um anjo.
Astra revirou os olhos e deu uma risada amarga.
— Claro que tem. E você está indo direto para uma armadilha.
— Não se preocupe, eu tenho um plano.
Ela arqueou uma sobrancelha, desconfiada.
— Ah, é? E qual seria?
— Vou entrar no mundo dela como um humano qualquer. Ninguém vai perceber minha presença.
Ela suspirou, jogando as mãos para o alto.
— Demian, às vezes eu me pergunto se você quer morrer.
— E às vezes me pergunto por que ainda deixo você falar tanto — rebati, esboçando um sorriso enquanto ela desaparecia num raio.
---
No dia seguinte, Escola de Morgan
A sala de aula era barulhenta, cheia de vozes adolescentes falando de tudo, menos da matéria. Entrei e percebi que minha chegada silenciou brevemente o ambiente.
O professor levantou os olhos de sua mesa.
— Ah, aluno novo. Sente-se ao lado da senhorita Davis, por favor.
Procurei pelo lugar indicado. Lá estava ela: Morgan Davis. Cabelos castanhos, olhos que pareciam enxergar além, fones de ouvido ignorando o mundo. Minha presa.
Caminhei até o fundo da sala, sentando-me ao lado dela.
— Oi, sou Demian — disse, casualmente.
Ela sequer olhou para mim, apenas aumentou o volume da música nos fones.
Pensei em insistir, mas decidi observar. Não era o momento de chamar muita atenção.
A aula começou, e o professor iniciou uma explicação sobre entidades e ceifadores. Meus olhos fixaram-se na garota ao meu lado quando ela levantou a mão para responder a uma pergunta.
— Ceifadores são intermediários entre a vida e a morte. Eles guiam almas perdidas ao destino final.
Sua voz era firme, sem hesitação. Eu quase admirei a confiança nela. Quase.
"Concentre-se, Demian. Ela é apenas um alvo", lembrei a mim mesmo.
---
Intervalo, Refeitório
No intervalo, vi Morgan sentada em uma mesa com um garoto ruivo. Ele ria de algo que ela dizia, enquanto ela parecia ignorar tudo ao redor. Resolvi me aproximar.
— Posso me sentar aqui? — perguntei, puxando uma cadeira sem esperar resposta.
Morgan levantou os olhos e me encarou como se eu fosse o maior incômodo da Terra.
— Dá pra não? — disse ela, seca.
Antes que eu pudesse responder, o ruivo estendeu a mão.
— Anthony. E você deve ser o aluno novo.
— Demian.
Morgan revirou os olhos, largando o garfo com força.
— Sério? Vocês dois acham que isso aqui é um episódio de boas-vindas?
Anthony apenas riu.
— Relaxa, Morgan. Ele só está tentando ser educado.
— Claro, porque é exatamente isso que falta nesse mundo. Educação. — Ela se levantou, pegando sua bandeja. — Boa sorte com o novato, Anthony.
Ela saiu antes que eu pudesse dizer algo.
Anthony deu de ombros, terminando seu lanche.
— Não leva para o lado pessoal. Morgan é... complicada.
Eu apenas assenti, mas não pude evitar sentir um incômodo crescente. Morgan era mais difícil de alcançar do que eu imaginava.
---
Campo Wedsay, 17:00
Depois da escola, caminhei pelo campo tentando organizar meus pensamentos. A presença dela era quase sufocante, mesmo à distância.
Meu telefone vibrou, quebrando o silêncio.
— O que foi agora?
— O Conselho marcou uma reunião hoje à noite — disse Astra do outro lado da linha. — É sobre seu lugar no trono da Morte.
— Não posso ir.
— Demian...
— Hoje à noite é minha chance.
— Tudo bem. Mas cuidado. Não quero ter que explicar para o pai como você morreu.
— Relaxa. Não vou morrer tão cedo.
Desliguei, guardando o telefone. Olhei para o céu, que começava a se tingir de laranja.
A noite prometia ser longa.
---
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre a Vida e a Morte
Romance"seus olhos são tão vermelhos quanto-o sangue que escorre de minha mãos". . .