CAPÍTULO 9: Amelie

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   Há cinco dias encontramos um grupo de mercadores de peles. Estavam perto de um poço no bosque Unseelie, onde compartilharam recentíssimas notícias sobre a corte.
   O Duque Jas está morto.
   O mesmo homem com quem Adrien conversara na Acrópole foi assassinado um dia após nossa saída da cidade. Encontramo-lo jogado em uma poça de sangue no chão do próprio quarto. Ainda não se sabe nada sobre o executor ou suas motivações.
   As minhas engrenagens mentais trabalham procurando um padrão. Considero todos os fatos recentes e os envolvidos. Posso estar redondamente errada, entretanto, arrisco dizer que isso pode ter conexão com o esquema para Scarborough.
   Não acredito em coincidências.

                                         ⚖️

   Mantenho um passo alongado com a Opala enquanto seguimos pela estrada. Árvores altas e verdes inclinam-se ao longo do caminho. Está um dia fresco e arejado.
   Sasha cavalga ao meu lado, as mechas escuras oscilando ao vento, os irmãos de olhos verdes conversam um pouco à frente. Sebastian sempre procura algo para achar graça e hoje não é diferente, ele ri divertindo-se.
   — Com aquela cara carrancuda e séria, certamente a moça achou que fosse ser assaltada quando ele se aproximou! – ele rir mais alto. Logan não diz nada, mas vejo que também acha graça.
   O caminho deixa para trás os arvoredos e se abre em uma área aberta sem aglomeração de árvores. O sol fere meus olhos com seu brilho, fazendo-me colocar uma mão acima dos olhos.   Vejo quando Victoria puxa as rédeas de seu cavalo em comando de parada, o animal branco obedece e sem pressa ela desce da cela. A bainha do vestido marrom-terra arrasta pelo chão à medida que ela sai da estrada e vai em direção à baixa vegetação amarela esbranquiçada.
   — O que ela tá fazendo? – pergunto para ninguém, a voz baixa e confusa.
   Adrien e Sasha trocam um olhar que confirma que tanto eles quanto eu gostariam de saber a resposta.
   Ela para quando se afasta uns 10 metros. Abaixa-se pegando algo branco um tanto espetado, contempla por um instante e estende-o à nossa direção para que possamos ver. Um felpudo dente-de-leão está entre seus dedos. Olho em volta tendo um momento de entendimento.
   Estamos em um campo de dentes-de-leão.
   A feiticeira esbanja um olhar que promete apreciação e encantamento. Ela então assopra a pequena flor, desfazendo o chumaço de pelos branco. As leves e sensíveis sementes voadoras flutuam ao vento.
   Seus braços cobertos por camadas de tule começam a fazer movimentos no ar, uma coreografia que só a bruxa entende. Fico atenta esperando algo mágico acontecer, mas, aparentemente nada muda... até que, uma nuvem branca de pequeninos dentes-de-leão sobe aos céus. Não, não algodões, mas sim, dentes-de-leão.
   Como um passe de mágica, eles se rompem em inúmeras partes. Tremulam e dançam fixos no ar com os raios de sol reluzindo neles. Sobem às alturas e lentamente descem em castanhas formando ondas aveludadas. Por fim, se dispersam quando chegam ao solo. Foi a coisa mais linda que vi em toda minha vida.
   Victoria caminha graciosamente de volta ao grupo.
   — O que desejou? – Sasha pergunta, referindo-se ao dente-de-leão assoprado inicialmente.
   Sem responder à pergunta, a feiticeira volta a montar no cavalo branco, se endireita na cela e passa a cavalgar ao lado de sua recente amizade próxima, Jack. Ele a olha com atenção calculada, o sorriso de canto lentamente se espalha pelo rosto e ilumina os olhos. Ela retribui com uma virada de olhos divertida.
   Algumas coisas não precisam ser ditas com palavras.
   Pressiono os flancos do animal com os calcanhares. Opala se lança em um passo tranquilo, e voltamos a seguir o percurso planejado.

                                        ⚖️

   Ao meio-dia, entramos em um pequeno vilarejo. Casas de pedras escuras gastas estão por toda parte, dando uma ideia do quanto este lugar pode ser antigo. Estando longe das cidades grandes e da corte, os habitantes levam uma vida pacata e mansa.
   Programamos uma parada de uma hora apenas, e depois seguiremos em direção ao Vale do Melta.
   Todos desmontam dos cavalos e vão realizar suas tarefas separadas anteriormente. Adrien, Logan e Victoria devem ir à marcenaria comprar suprimentos frescos, Jack e Sasha ficaram responsáveis por levar os animais para refrescarem-se e comerem, e por último, eu e Sebastian vamos em busca de mapas ou algo para ajudar-nos na passagem para a Floresta Negra.
   Meus pés se arrastam pelas ruelas kativanas. Hoje uso uma capa preta com véu na cabeça, de forma que seja difícil identificarem quem está a perguntar sobre as terras mágicas.
   — Nunca estive tão longe de casa – comenta Bash ao meu lado.
   Ele também é do Norte, igual a mim. Já tinha ouvido falar de sua cidade natal, Craco, mas, com suas descrições, posso vê-la nitidamente: uma cidade pequena com áreas de floresta com rios, cachoeiras e animais selvagens.
   Assim que vemos o modesto centro comercial, nos separamos em duas equipes, ele indo para direita e eu para a esquerda. Minha experiência me diz para procurar em lojas de artefatos antigos ou bibliotecas, porém, aposto que um lugar como esse não possui tais coisas. O melhor plano são as bancas de uma pequena feira artesanal rua acima.
   Placas expõem a natureza dos produtos: "objetos élficos verdadeiros!", "ervas silvestres", "couros da melhor qualidade", "amuletos de pedras Sabá", "poções mágicas", "guloseimas D's" e "livros diversos". A última ganha minha atenção e sigo em direção à pequena mesa com vários livros entulhados.
   Perco os próximos dez minutos tentando achar algo útil, a poeira mancha minhas palmas devido à sujeira dos livros velhos. O máximo que encontrei foi uma história infantil sobre feéricos e fadas.
   — O que procura, minha jovem? – ergo os olhos e vejo uma senhora com olhar alheio para mim.
   — Ahn, algo sobre... sobre as Terras Ocultas e a Floresta Negra – respondo — Sempre adorei as histórias fantásticas.
   Faço um sorriso gentil, incorporando uma personalidade apenas curiosa.
   Ela me estuda por um momento, então se baixa em direção a uma caixa que estava oculta debaixo da mesa. Revira o conteúdo de dentro, e em seguida ergue um livro médio. À primeira vista, parece ser azul quase preto, ela assopra-o e passa uma flanela limpando em volta de modo que é revelado um azul-orgulho-marcial com detalhes prateados.
   — Este é um exemplar muito raro – diz a mulher — Datado da mesma época da queda de Morrigan – prossegue ela.
   Parece que achei ouro invés de cobre.
   — Custa 47 denários.
   O que?! Com 30 denários é possível comprar um boi! A mulher é uma ladra sem vergonha.
   Entrego as moedas de ouro na mão da comerciante e pego o livro colocando-o embaixo do braço.
   Sigo de volta ao local de encontro comendo um churros da banca de guloseimas. "Datado da mesma época da queda de Morrigan", não Terras Ocultas ou Terras mágicas... a vendedora conhece a verdadeira história, a que fala sobre os Reis Gêmeos. Viro em uma rua estreita sem comércio. Será que o livro também conta a ruína do reino antigo? Ou talvez ela seja mestiça assim como Victoria? Possuindo sangue mortal e élfico.
   Percebo que estou sendo seguida. Meus reflexos de ceifadora podem estar enferrujados, mas não extintos.
   Pelos barulhos dos passos, conto duas pessoas com distância de dez metros. Adoro parecer uma garota comum, doce e amável... essas pessoas cometeram um grande erro. Não consigo segurar o sorriso cruel que ergue os cantos da minha boca, pois, sou um pesadelo vestido como um sonho.
   Não vou usar as familiares adagas, invés delas, minha mão desliza para o cabo da espada sob a capa, uma das muitas de Bash. Arremesso com cuidado o livro em alguns caixotes deixados ali na rua, se isso é um jogo, vou jogar da maneira mais implacável possível.
   Viro de frente para os meus adversários sacando a arma. Encaro um homem e uma mulher, são jovens, parecem ter entre vinte e vinte e cinco anos, cada um carrega duas longas adagas. Três apreciadores de facas, então.
   Sou um borrão de movimentos atacando várias vezes, sem parar, o homem nem tem chance quando derrubo-o com um golpe na jugular. Ele coloca a mão no ferimento sangrento numa tentativa de estancamento, e simples assim, fica imóvel com os olhos vazios olhando para o nada.
   Sebastian deve estar se perguntando onde me meti, porém, não posso esperar por sua ajuda para sair dessa. Olho para a comparsa do patife no chão.
   Observo que suas facas estão inertes caídas perto dela. A mulher tem uma expressão eufórica com fogo nos olhos. Eram um casal criminoso, penso achando graça. Ela corre em minha direção, e se joga contra mim fazendo com que a espada caía da minha mão. Me empurra com força contra o chão, tento me soltar, mas a gatuna segura meu pescoço e aperta com força suficiente para cortar o fluxo de ar.
   Faço outro lembrete mental:  treinar combate corpo-a-corpo.
   Não tenho dúvida de que ela pretende ir até o fim, seu olhar é de alguém que não tem nada a perder. Ofegante, pego a pequena faca do bolso-falso da calça e enfio na lateral do corpo dela. Bem entre as costelas. Ela arregala os olhos em choque e afrouxa o aperto. Não é um golpe fatal, talvez sobreviva.
   Retiro a faca da pele dela, então saio para pegar o caríssimo livro nos caixotes. Enfio a lâmina ensanguentada no bolso. Minhas botas estalam no piso de pedra quando caminho rumo aos outros.
   — Onde raios você estava? – pergunta Sebastian, escorado em uma carroça perto de onde nos separamos do grupo. Por sorte, os outros ainda não chegaram.
   Rapidamente, o espanto transforma seu rosto de tédio para preocupação quando me aproximo o bastante para que me veja melhor. Logo, ele está na minha frente.
   — O que aconteceu?! – a voz alarmada — Seu pescoço está vermelho e seus braços e mãos estão ralados – observa, virando minha mão para examinar.
   — Queriam tentar a boa comigo – explico — Eu ganhei – digo tentando tranquilizar Bash, e a mim também.
   Ele pega um cantil e derrama água em minha pele. Passa os dedos lavando a terra e o sangue seco, depois espalha uma bebida com álcool que tinha consigo. Arde um pouco, mas já passei por situações piores.
   Mostro o tesouro que encontrei na feira. Ele pisca quando ver o livro antigo e estranho.
   — Lá se foi o dinheiro que me restava – digo, fazendo beicinho com ar de lamentação e brincadeira.
   — Isso não é problema, nós dividimos o custo – afirma, sua boca se curvando para cima.
   Nós dois sorrimos felizes com o achado.

Sussurros das Sombras: A Maldição do Reino Sem EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora