Assim que ela chegou à mansão, ouvi-a sussurrando pelos cantos diversas características visuais sobre a Mansão Amberfield. Ela tinha olhos claros, cabelo meio desleixado e loiro, vestia roupas curtas que eu nunca havia visto, e nas costas carregava uma bolsa de duas alças. Fiz questão de dar-lhe as boas-vindas, mas parece que ela não deu muita importância. Ao abrir os portões de ferro já envelhecidos e enferrujados pelas fortes tempestades, ela olhou ao redor antes de entrar, como se estivesse procurando quem permitira sua entrada no jardim principal. Parece que não me viu! Estávamos no escuro, e talvez eu tenha passado despercebido aos seus olhos. Acendi as velas no saguão principal para que ela pudesse encontrar o caminho até o quarto. Um semblante de susto percorria seu rosto, seus olhos claros fixavam-se no lustre cintilante, investigando cada canto como se esperasse encontrar um observador oculto.
Enquanto subia as escadas, ela anotava incessantemente em um bloco de notas, como se precisasse escrever antes que os pensamentos escapassem. A cada degrau que ela subia, as tábuas rangiam, e o vento, penetrando pelas enormes janelas de vidro, gerava um murmúrio, dando à mansão uma sensação de vida própria. Nunca fui muito de conversar, já que não recebo muitas visitas, mas ela despertou em mim a vontade de convidá-la para um café enquanto eu tocava "Für Elise", de Beethoven, no órgão de tubos ao lado da sala de jantar. A acompanhei até um dos quartos, e ela, sempre silenciosa, não notou minha presença ao deixar sua bolsa no chão antes de andar pelos enormes corredores da mansão. Ofereci-lhe café, mas ela parecia tímida e não respondeu. Em momento algum me olhou nos olhos, como se estivesse me ignorando de propósito. Deixei-a em paz e fui para meus aposentos.
Subi as escadas e abri a porta do meu quarto, 212. Sentei-me à mesa próxima à janela e acendi uma vela para clarear o ambiente. Gostava muito de escrever, então busquei minha caneta tinteiro em uma das gavetas, que sempre emperrava e fazia muito barulho ao abrir. Sempre esquecia de consertá-la. Assim que ia me sentar novamente, a visitante abriu a porta do meu quarto à força, dando-me um pequeno susto. Encarei-a, esperando que se pronunciasse sobre seu ato, mas ela apenas olhou ao redor e fechou a porta novamente. Seu comportamento era um tanto estranho, não acha?
Enquanto escrevia, escutei diversos barulhos pela mansão, mas como as únicas pessoas na casa éramos eu e ela, não me incomodei em verificar o que acontecia do lado de fora do meu quarto. Acabei pegando no sono e, ao acordar, resolvi verificar se ela estava com fome para preparar o café da manhã. Ao bater à porta do quarto dela, ela se abriu rapidamente, e a "hóspede" (devo chamá-la assim? Minha casa deve parecer um mero hotel aos olhos dela) olhou assustada para os lados. Parecia ter medo de interações sociais; sempre que eu me aproximava, parecia tentar me ignorar ou se afastar. Desisti de fazer contato pessoalmente, mas deixei um bilhete à sua porta, informando sobre as maçãs frescas na cozinha. Em seguida, fui ao jardim podar alguns galhos e folhas, já que o jardineiro não aparecia há algumas semanas. Acabei me distraindo com a atividade, mas retornei à realidade quando ouvi a hóspede falando sozinha pelos corredores. A vi passando pelas janelas diversas vezes, carregando algo próximo ao rosto, enquanto dizia coisas como "só olhei alguns quartos ontem, pois estava muito cansada. Hoje termino de ver mais alguns, mas acho que vou precisar de reforços. Aqui não me parece muito seguro."
Ora, minha casa é a mais segura da região! Nunca foi invadida, e a localização é pouco conhecida. O maior perigo que você pode encontrar por aqui são alguns animais ao redor da mansão, mas nada muito assustador. E... Reforços? O que ela quis dizer com isso? Será que está planejando roubar algo? Tenho certeza de que é isso. Por sorte, sempre deixo o último quarto trancado, o 515, onde minha filha Lore costuma dormir. Ela está fazendo uma viagem ao exterior, mas deve estar de volta em breve. Passei a tarde podando folhas até que vi a visitante vindo em minha direção. Fiquei contente, achando que finalmente ela queria conversar, mas estava enganado. Passou direto, indo até o jardim dos fundos. Fiquei um pouco envergonhado, pois cuidava pouco do jardim dos fundos, e a fonte vivia desativada. A mesa de café também estava desorganizada, uma verdadeira vergonha para o anfitrião da mansão, ou seja, eu. Ela não parecia ligar e andava frequentemente com seu bloco de papel nas mãos, fazendo mais e mais anotações. Até que começou a ter um comportamento estranho (não era a primeira vez que agia de forma esquisita) e começou a mexer nas minhas roseiras. Ah, minhas roseiras! Odeio que mexam nelas. Cuido delas com muito carinho, e aquelas em específico são as que Lore costumava usar para guardar as chaves de seu quarto. Fiquei observando seu comportamento quando encontrou as chaves. Passou a ponta dos dedos para tirar a terra, e novamente pegou aquele retângulo fino, aproximando-o do rosto, voltando a falar sozinha. O que ela tanto dizia para aquela caixinha estranha? Parecia que elas se comunicavam secretamente...
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A Mansão Amberfield
Historical FictionNuma mansão isolada, a chegada misteriosa de uma visitante intrigante desencadeia uma série de eventos peculiares. Ao dar-lhe as boas-vindas, o anfitrião observa a estranheza nos detalhes: olhos claros que investigam cada canto, roupas peculiares e...