2. A turma do fundão

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ALFONSO


Então era mesmo ela.

Quando passei pelo Fiat 500 branco para garantir aquela vaga, eu jurava ter visto de relance seu perfil, os cabelos loiros e sedosos caindo como uma cascata sobre seus ombros. Só a possibilidade de encontrá-la de novo após tantos anos me deixara mexido—num misto de antecipação, ansiedade e alegria.

Anahí Puente. Any. Ou Anajaya como às vezes eu a chamava, zombando de uma possível pronúncia do seu nome em inglês. Ana-hi.

"Ana, hi." Eu falei alto, tropeçando nas palavras.

Eu quis me matar por dentro.

Anahí me olhou meio zombeteira, um sorriso quase perverso brotando em seus lábios. "Você roubou a minha vaga, caipira, ou melhor, Zé do Caixão."

"Wow. Você não muda mesmo. Nenhum oi, amigo, quanto tempo! ou um como vai, que bom te ver!" eu retruquei, imitando uma voz fininha de mulher.

Anahí revirou os olhos.

"Vai a um velório de mafioso após a reunião, Ponchito?" Ela lançou seu veneno, arqueando uma sobrancelha.

Antes que eu pudesse dar uma resposta igualmente mal-criada fui interrompido pelo pigarro proposital da professora. Só aí me toquei que ainda estávamos parados em meio ao largo corredor da escola, minha filha ainda estava no meu colo e eu sentia que o olhar de todos os outros pais que passavam pairavam sobre nós.

"Papai, a professora chamou..." Olívia me informou, virando meu rosto para olhá-la. "Ela vai te por de castigo se não obedecer."

Anahí e eu nos entreolhamos, ambos morrendo de vergonha. Seguimos a professora sala de aula adentro em completo silêncio. Coloquei Olívia no chão e meu braço agradeceu.

"Que linda fada você é!" Anahí elogiou, fazendo Olívia dar uma voltinha para exibir suas asas e saia de tule cor-de-rosa e cheia de brilhos. Olívia sorriu, amando ser o centro das atenções.

"Atenção por favor!" A professora falou, levantando o tom de voz à frente da sala. "Peço aos pais que tomem assento cada um em uma mesinha. Elas são pequenas, mas não se preocupem, aguentam seu peso. Crianças ao fundo da sala para o tapete, por favor, a monitora os levará para conhecer o parquinho logo, logo."

A Floribella parece que tinha o dom da autoridade. Pais e crianças fizeram o que foi pedido e então ela pôde se recostar contra sua enorme mesa enfeitada. Escolhi sentar-me mais ao fundo, não querendo chamar mais atenção do que já havia feito. Parece que Anahí teve a mesma ideia, pois sentou a apenas uma mini-cadeira de distância de mim.

E então a reunião começou. A professora, Miss Elena, se apresentou rapidamente e em seguida começou a dar orientações variadas, mas eu não conseguia absorver nada do que ela dizia. Do canto do olho eu observava Anahí, meu cérebro focado em descobrir as várias maneiras em que ela havia mudado nos últimos dezoito anos, ao mesmo tempo em que eu me esforçava para ninguém perceber, principalmente ela.

"Pobre dos ricos que tanto têm..." Eu cantarolei baixinho, num momento em que a professora virou de costas, distraída e escutei Anahí soltar uma risadinha ao meu lado. Nossos olhos se encontraram e os dela brilhavam feito duas água-marinhas, o riso enrugando de leve o canto dos olhos dela.

"Você também percebeu?" Ela perguntou achando graça, se inclinando para sussurrar em meu ouvido.

"Pfft, como não?"

Quizás (AyA)Onde histórias criam vida. Descubra agora