Quizás (AyA)

3. A noite das Garotas

ANAHÍ

Fechei a tela do meu Macbook exatamente às 19h. Ainda sentada na minha cadeira, alonguei as costas e os braços, girando o pescoço devagar para liberar um pouco de tensão. O terceiro capítulo da minissérie na qual trabalhava estava praticamente pronto, faltando apenas revisar e polir alguns diálogos, mas isso ficaria para amanhã. Era do tipo de narrativa que dava gosto de escrever, que fazia um equilíbrio perfeito entre personagens carismáticos e sexy—embora nem de longe perfeitos—num cenário de intrigas, crimes e corrupção. Era a minha primeira vez trabalhando com o gênero de drama e estava sendo um desafio, mas do tipo muito, mas muito bem-vindo.

Quando escrevo, mantenho o hábito de silenciar meu telefone e guardá-lo dentro de uma caixinha na minha estante de livros. Dessa forma, me distraio menos e as palavras fluem com maior facilidade. Me levantei finalmente, morrendo de preguiça, e libertei meu celular de sua prisão. Quando desbloqueei a tela, o aparelho vibrou repetidas vezes e logo vi umas treze notificações do whatsapp—e já até sabia a razão. Hoje era a primeira terça-feira do mês, logo, eu e minhas amigas teríamos nossa tradicional noite das garotas.

Abri nosso grupo no Whatsapp denominado pavorosamente de 'As Branquelas' e escrolei, até chegar na primeira mensagem do dia para me situar. Tratava-se de uma foto que Aleja havia nos enviado de um homem alto, todo bombado e sem camisa, exalando uma energia surfista australiano sexy. Cabelos castanhos claros compridos, meio loiros nas pontas, um abdômen de deus grego e uns olhos verdes penetrantes. Aliás, vendo a foto logo a seguir, diria que não tinha só os olhos de penetrantes. Alejandra estava muito bem servida.

Gabriela respondeu com três emojis de fogo antes de mandar um áudio berrando "É photoshop, carajo, só pode ser photoshop!"

Soltei uma risada e sacudi a cabeça. A partir daí as mensagens entre as meninas se resumiam em avaliar os dotes físicos do surfista sexy, cujo nome era Raul. Juro que esperava por um nome mais marcante, másculo... Gringo, talvez? Achei um pouco anticlimático esse nome. Como ter um cara desse em cima de você, te fodendo bem gostoso sobre a areia quente da praia e gemer 'Raul?!' Desculpe, Aleja, te amo pacas, mas eu não conseguiria! Se fosse Lorenzo ou León ou sei lá, bem australiano surfista tipo Chase, Owen ou Nate... Aí sim.

Mas esse era só mais um tique maluco dessa contadora de histórias aqui, uma pessoinha que ganha a vida e paga as contas criando personagens, diálogos e todo tipo de trama e cenários—alguém neurada e detalhista o suficiente para se preocupar se um nome combina com uma pessoa ou não.

Deixei para lá essa do surfista. Aposto que Alejandra teria o prazer de nos contar suas histórias de aventuras sexuais mirabolantes com Raul mais tarde, assim que chegássemos ao apartamento da Maria essa noite.

Fechei o nosso grupo e abri o chat com meus pais. Hoje foi o último dia de férias do Lipe, que passou a tarde com o avô, sem dúvidas jogando futebol de botão e depois indo dar uma voltinha pelo parque para brincar e tomar sorvete. Minha mãe com certeza daria seu jeito de intervir no dia dos garotos, trazendo presentinhos e mimos para o meu filho, só para ter a satisfação de estar ganhando do meu pai numa competição de melhor avô ou avó que, sinceramente, só existia na cabeça dela.

Dito e feito!

Mamãe postou uma selfie dela e do Lipe, ostentando uma mochila de rodinhas super enfeitada que nada mais era que a nave espacial do Buzz Lightyear. Pelo menos dessa vez ela havia feito o dever de casa e escolhido um personagem que Lipe genuinamente gostava. Só Deus sabe como havia sido no ano passado com a mochila do Sonic. Lipe odiava Sonic.

Meu filho havia se recusado a pisar na escola enquanto não trocava de mochila, e eu passando por esse estresse absolutamente desnecessário tendo que entregar o roteiro pronto de uma comédia romântica para a Netflix em menos de 24 horas. E mamãe, para variar, fazendo aquele dramalhão porque o menino era ingrato, mimado e não gostava do presente que ela deu. Só de lembrar eu já sentia aquela raiva toda de novo.