Capítulo I - A Caçadora

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A mulher-lobo tinha uma besta preparada com um virote há dias, esperando por aquele exato momento. E quatro frascos de óleo inflamável amarrados entre si por cordas de barbante — bastava lançar e atirar uma flecha flamejante. Carregava o suficiente para incinerar uma caravana inteira em minutos.

Segundo as informações que havia custado os olhos da cara para conseguir, uma caravana de cinco escravistas passaria pela fronteira luzo-súdica ao pôr do sol do último dia de setembro. Chegara ali com três dias de antecedência para preparar todas as armadilhas da emboscada.

Cordas recônditas pela neve e estiradas entre troncos pela estrada, prontas para derrubar as carroças e torcer os tornozelos dos cavalos. Aquele era o único caminho que atravessava aquela densa e extensa floresta de coníferas.

Ela se esgueirava por trás dos arbustos, camuflada pela neblina das nevascas recentes. A queda de neve se acumulava em seus cabelos negros, sobre suas orelhas acuminadas e nos pelos de sua cauda felpuda. Ela recostava-se no casco de um tronco ao lado de sua loba.

Amora era uma espécie de lobo-vizir que lhe acompanhava desde que ambas eram pequenas filhotas. Uma pelagem preta e volumosa, blindada contra os ventos gélidos e a brisa cortante da nevasca.

Amarrado a um dos troncos, também descansava um cavalo negro de guerra, alto e robusto. Mirtilo foi um presente de seu finado mestre — um equino forte o suficiente para trilhar pela mais insólita das terras.

— Eles devem chegar em uma hora — murmurava ela, tirando um conta-horas de seu bolso. — Desculpa fazer vocês passarem este frio, prometo que depois compenso de alguma forma, tá?

Amora apoiava a cabeça em seu colo, aconchegando-se sob os cafunés de sua mestra, enquanto Mirtilo deitava-se sobre a neve fofa. Nenhum dos dois ousava contra sua cuidadora. Não por medo, nem apenas por respeito. A serenidade em seus olhares não se comprava com nenhuma autoridade.

Os ponteiros revolviam no conta-horas, os dedos já dormentes e os calafrios desciam pelos ombros. Um formigamento no calcanhar. A mulher-lobo esperava de tocaia com uma glaive atrás de suas costas, afiada e pronta para lacerar aquela corja de facínoras.

O mais difícil do combate era sempre não machucar os reféns sequestrados por aquela quadrilha de escravistas. A estratégia mais comum desses mercenários era utilizar dos reféns como escudos humanos, a fim de provocar a hesitação de possíveis justiceiros. Apenas aqueles especializados em caçá-los eram que tinham a coragem e a habilidade suficiente para lidar com aqueles vermes.

Dizem que lobos conseguem farejar uma presa ferida até cinco quilômetros de distância e escutar até mesmo o som das folhas caindo no outono. As orelhas dela contraíram quando, ao descansar do sol no horizonte, os estalidos de galopes distantes ecoaram pela floresta.

Os cascos dos cavalos na estrada de cascalho avisavam a qualquer que estivesse dentro daquele raio. Sua loba companheira começou a rosnar, esperando a iminência do conflito.

— Silêncio e calma, Amora — sussurrou ela, chiando e colocando o dedo sobre os lábios. — Eles estão quase chegando, não podemos estragar essa emboscada de forma alguma.

E a loba obedeceu, como se falassem a mesma língua. Calou-se sem hesitar, silente como a brisa morna das Terras Altas.

Escondida entre as árvores e os arbustos, ela acendeu a ponta da seta em sua besta e preparou-se para atirar os frascos de óleo na caravana. Os passos soavam cada vez mais alto, próximos e iminentes. Seu coração palpitava e o suor frio descia pela sua testa.

No momento em que os mercenários cruzaram seu campo de visão, os cavalos tropeçaram nas cordas armadas e arrastaram-se pelo chão. Num piscar de olhos, ela contou todos os inimigos e reféns — um total de seis mercenários, duas carroças e nenhum refém.

A Megera de MonteprataOnde histórias criam vida. Descubra agora