Não sei como posso chamar atenção com essa história. Quando o autor quer surpreender, causar, fazer o leitor se interessar pelo enredo ao ponto de ler além dos primeiros parágrafos, ele tenta várias técnicas distintas, como dizer algo impactante ou uma cena futura. Vou tentar fisgar o público fazendo uma metalinguagem, e admitindo que essas linhas estão sendo lidas.
Vamos contar uma história curiosa, que poucas pessoas conhecem. Mas isso não é hiperbólico, são pouquíssimas as almas que desfrutaram dessa desventura, sem nenhum tipo de exagero linguístico. É como um evento extremamente específico que gerou uma piada muito direta em um grupo fechado de seis amigos. Nesse caso, não sei se vai fazer rir, mas com certeza é um assunto chamativo.
Uma das cidades que mais se destacou nos últimos anos, por vários motivos, foi Boa Patrícia, em Minas Gerais, e desde então são muitos os que se mudaram para seus condomínios, ou casarões pomposos, ou mesmo só vieram a passeio. Não é relevante nos atrelarmos a isso. Vamos direto ao ponto. Havia um rapazinho chamado Hiêgo.
Ele não tinha muito de especial, assim como qualquer jovem de quatorze anos que ainda está descobrindo o mundo como ele realmente é, e moldando sua personalidade com base em terceiros. Não podemos julgá-los, afinal, muitos são os adultos que ainda o fazem até depois de velhos. Mas esse era realmente um garoto genérico, desinteressado e desinteressante, que não fedia nem cheirava, não ia bem nem mal na escola, não tinha uma boa nem má relação com a família, não gostava e nem detestava ninguém na cidade.
Hiêgo não tinha amigos e não fazia questão de ter, mas só uma pessoa o conhecia bem: Alefe, o fantasma.
Não se sabe se era mesmo um espectro, mas a verdade é que Alefe provavelmente era menos ou mais que isso. Menos, porque talvez o fato de Hiêgo sempre o encontrar desde a tenra infância pode ser indicativo de que Alefe era só um amigo imaginário (e de fato, quem achasse ao garoto não acharia ao dito-cujo; Alefe não parecia ter forma); mais porque Boa Patrícia já foi palco de vários eventos no mínimo inconvenientes, e no máximo sobrenaturais, que iam além de rangidos de portas e ladrões com máscaras esdrúxulas: Boa Patrícia tinha um dos menores índices de violência do país. E pensar em Alefe como um braço desses eventos não era de todo uma bobagem.
Alefe era quem sempre acompanhava Hiêgo em suas caminhadas para a floresta, mas nunca pressionava o garoto nem fazia perguntas invasivas: pelo contrário, ele era muito na dele, quase como se não estivesse ali. O jeito como se conheceram é um nebuloso mistério, mas de algum jeito, eles se aproximaram, e o garoto apático sempre ia dizer suas dores a ele, e vice-versa.
Os problemas de Hiêgo envolviam sempre os seus animais de estimação: o cachorro, os coelhos, o tigre d’água e o papagaio, e como ele poderia cuidar melhor deles e lhes fazer mais felizes, mesmo longe da natureza e sem outros de suas espécies. Hiêgo tinha como único serviço fixo cuidar de bichos que estivessem tristes ou machucados. Era como um hobby que executava melhor que um veterinário.
Os problemas de Alefe, no entanto, eram sempre de caráter ambiguo e indireto; ele dizia que estava fugindo, que a floresta não era mais segura, que ele precisava ir mais longe. Que Hiêgo era o único confiável, e que não precisavam de mais ninguém.
E mesmo sem saber o que era exatamente, Hiêgo compartilhava as dores, e ambos seguiam seus diálogos. Até que o passado de Alefe chegou em Boa Patrícia, fazendo-o surtar.
— Não posso mais ficar aqui! – disse ele, uma tarde.
— O que é que você tanto esconde, que precisa sempre se esconder? – Hiêgo exigiu saber. Alefe, como sempre, se calou como resposta a questão.
— Eu só preciso saber se vai vir comigo ou não. Mas se você ficar, e eu já estou te avisando, não ficará livre do terror que se achega!
— Do que você está falando? Eu não posso largar tudo pra trás!
— Aqui você não tem nada! – bradou Alefe, e só então se deu conta que estava gritando. Hiêgo se sentiu amedrontado depois de muito tempo sem saber a sensação de não ter uma zona de conforto.
Hiêgo não queria forçar Alefe a falar, mesmo muito intrigado, e deixou estar. Além disso, ele pediu um tempo para pensar na proposta de fuga. Lhe foram concedidos dois dias.
Não se sabe também tudo que Hiêgo fez durante esses dois dias, pois se trancou no quarto e foi ainda mais seco e distante com os outros do que o comum. Mas ao cabo do prazo, ele se achegou à borda da floresta, onde sempre se achava com Alefe, e o chamou.
— Estou aqui. – disse o dito-cujo. — Pronto?
— Sim. – assegurou o rapazinho. Os dois olharam em direção ao arvoredo.
— Foi a melhor decisão que tomou em sua vida.
Hiêgo Vidal nunca mais foi visto em Boa Patrícia. No começo muitos se mobilizaram a procurá-lo. Mas com o passar dos dias e semanas, e quinzenas e meses, e bimestres, e anos e décadas, o interesse por seu paradeiro foi sendo deixado de lado, até que tornou-se uma perfeita lenda urbana.
Ele não deixou pista alguma. Talvez, anagramas em algum de seus últimos textos? Talvez algum bilhete num canto escuro de seu quarto? Ninguém achou nada. Sua mãe não o abraçou uma última vez, seu pai não o levou a um último passeio. Ninguém mais sentiu nem o cheiro dele. Mesmo se sentissem, ninguém iria reconhecer. Afinal, era Hiêgo.
Isso foi noticiado nos jornais, claro, com exceção do detalhe sobre Alefe e os encontros na borda da mata. Depois disso, foi constatado que as buscas seriam encerradas, já que nada levava a nada. Era tudo um grande vazio.
Um dos livros do Pentateuco relata o episódio em que três revoltosos e suas famílias foram tragados até as profundezas do abismo com tudo o que possuíam, e nada restou deles. Era como se Hiêgo tivesse sido tragado, e suas roupas, seu sapato, seus pensamentos mais profundos fossem lançados no esquecimento. Hiêgo estava no submundo.
Talvez realmente estivesse, afinal, muitos meses se passaram, e um corpo carbonizado foi achado nos meandros do renomado Acampamento Etrom, que pertencia a alguém bem jovem, mas cuja identidade não foi descoberta.
Tudo de essencial foi consumado, e não haviam pertences junto ao cadáver: estava nu. O que restou do corpo foi enterrado por seis testemunhas que fizeram ali um tratado de jamais revelar o que tinham visto.
Aqui eu poderia parar. Mas é justo dizer que um dos presentes era o responsável pelo assassinato, e fingiu não saber o que tinha ocorrido, agindo de maneira dissimulada quanto ao homicídio cometido. E nada ocorreu a ele.
Depois de anos, esse mistério não foi solucionado, e a mídia não chegou até as duas desventuras, pois rapidamente pensaria em conectá-las como um só caso. Talvez fosse, afinal, o sumiço de Hiêgo Vidal e o achamento do corpo eram acontecimentos próximos em data, local e circunstâncias.
Assim como o destino do garoto é desconhecido, a origem do corpo também o é. Mas a realidade é que talvez não sejam conectados. Talvez os restos sejam de outro alguém. Talvez Hiêgo tenha sido tragado pela terra mesmo.
Tudo é um eterno talvez.
Agora eu quero que saibam, que caso isso vaze, um nome deve ser lembrado:
Wesley Freuer.

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Acampamento Etrom
ParanormalO acampamento mais famoso do estado, para onde vão os jovens em férias e até feriados, nunca deu sinais de ser perigoso, e nunca foi envolvido em polêmicas, mantendo por décadas sua excelência. Ainda assim, uma nuvem negra de sentimentos acobertam a...