2.1. Abaixo à tirania

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Segunda parte de abaixo à tirania!
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No dia seguinte a rainha Saad em verdade podia dizer que acordara muito mais bem disposta. Seu braço já não doia tanto, a dor em sua maioria já havia passado. Lembrava de ter sido acordada no meio da noite para tomar um chá indicado por seu Josepe e após isso dormiu sem mais dores. Testou sentar-se sozinha na cama e ficou satisfeita em conseguir tal feito. Olhou em volta e viu sua capa preta pendurada em um cabide atrás da porta estreita de madeira. Levantou-se da cama com cuidado e dirigiu-se até à janela, abrindo a cortina e se deixando iluminar pelo sol e vento fraco que banhava seu rosto. Salvatore estava ali, tão quieto e confortável como se estivesse no castelo. Pensar no castelo a fez lembrar que precisava urgentemente voltar. Não era a primeira vez que passava a noite fora, mas desta vez o motivo em nada correspondia ao que estava acostumada. Precisava retornar e tratar de negócios. Tinha sido alvo de um atentado e precisava tratar da sua segurança e da segurança das pessoas à sua volta. Embora não parecesse, a rainha tinha pessoas com as quais se importava. 

Caminhou até à porta e alcançou a sua capa ajustando-a no corpo exatamente como havia feito no dia anterior. A casa estava silenciosa e não havia sinal das duas irmãs que moravam ali. Saiu do quarto e caminhou lentamente ao redor parando próxima a uma pequena estante. Um porta-retrato jazia ali em cima com uma foto preta e branca desbotada. Era capaz de reconhecer as figuras das irmãs Montibeller mais novas, com dois grandes sorrisos banguelas no rosto ao lado de um homem e uma mulher com sorrisos igualmente grandes. Anne tinha um peixe de tamanho médio em mãos e parecia alegre e assustada com a velocidade que ele se movia. Admitia que era uma imagem muito bonita e alegre.

“Vossa Majestade faltou às aulas de boas maneiras?”, a rainha foi tomada pelo susto com a voz baixa e próxima repleta de ironia da mulher de olhos verdes. Distraiu-se com a imagem e não percebera a outra se aproximar. 

“Perdoe-me pela indiscrição”, a rainha pediu desconcertada coçando a nuca em um gesto nervoso. Sentia como se estivesse fazendo a pior das coisas. A mulher pegou grosseiramente a foto de suas mãos e colocou-a de volta em seu lugar, olhando para a rainha com uma expressão nada agradável. “Eu já me sinto melhor. Preciso retornar.”

“O seu ombro ainda não está curado”, apontou para o ombro enfaixado que começava a acumular uma quantidade pequena de sangue.

“Poderei cuidar melhor no castelo”, a rainha falou e viu a mulher erguer uma de suas sobrancelhas em questionamento. “Oh, não quis dizer nesse sentido. O que eu quis dizer foi que lá também poderei cuidar. Não posso adiar meu retorno”, explicou. 

“A rainha não precisa se explicar, menos ainda ainda para mim”, a mulher afirmou dando de ombros de forma despreocupada. “Irei acompanhá-la.”

“Acompanhar-me? Não precisa. Posso retornar sozinha”, assegurou a rainha. 

“Vossa Digníssima Majestade não acha que vai retornar rápido ao castelo com o ombro machucado desse jeito, não é?”, perguntou com ironia e a rainha revirou os olhos. 

“Posso usar o outro braço. Foi isso que fiz no outro dia e parece-me que funcionou”,  a rainha inclinou a cabeça e olhou diretamente em seus olhos com um traço de deboche em um sorriso crescente.

A mulher respirou fundo fechando os olhos e buscando paciência ante à teimosia da rainha.  Será que não conseguia compreender que não a deixaria retornar sozinha? De alguma forma estranha, naquele momento sentia-se responsável pela sua segurança. 

“Não deve forçar a musculatura. Pode sangrar, doer e dificultar ainda mais o processo de cicatrização”, abrira os olhos outra vez e explicou lentamente como se falasse com uma criança de cinco anos. “Está decidido. Se não for eu, encontrarei outra pessoa para acompanhá-la”, sentenciou e agora a rainha quem alçou as sobrancelhas em surpresa com a determinação da mulher. “Posso chamar a Anne, se preferir.”

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