5. Dublê

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“Ação!”

Ela ouviu ressoar no set.

Era apenas mais um dia corriqueiro de gravação para Caroline Gattaz, a mais recém-formada em artes cênicas, e com corriqueiro ela queria dizer corrido, estressante e cansativo. 

Nada fora do esperado.

Veja bem, não a entenda mal. Ela amava o que fazia. Era apaixonada pela atuação. Adorava dar vida a personagens e viver histórias incríveis de serem contadas e lidas por outros olhos, mas isso não significava que precisava mentir sobre um lado daquilo tudo. Era muito bom, mas era difícil na mesma proporção, essa era a verdade. Além disso, ainda tinha os conflitos internos que perpassavam as gravações e, consequentemente, o seu fazer profissional inflamando mais ainda os seus dias.

“Corta! Não estou gostando disso”, Priscila Daroit, a diretora, afirmou alto pela enésima vez no dia para todos os presentes não mais escondendo o estresse que começava a ocupar a sua feição.

Era sobre aquele lado que ela se referia.

“Mas, Priscila…”

“Agora, não, Maria”, a diretora interrompeu Maria Montibeller, a renomada atriz com quem protagonizava. Levantou-se de sua cadeira e se aproximou das atrizes em cena. “Vejam bem. Eu estou tentando ser profissional aqui e o mínimo que posso exigir de vocês é o mesmo”, falou séria, batendo com a ponta da caneta sobre a prancheta que possuía em mãos. “Pouco me importa como se comportam fora do set de filmagem, contanto que isso não interfira no nosso trabalho.”

“Sinto muito, Priscila. Não vai mais se repetir”, Caroline assegurou. Sentia-se constrangida o suficiente por ter a atenção chamada. Tudo bem que aquele era seu primeiro grande trabalho, mas ela era profissional. Sabia o porquê de estar ali e detestava ser disciplinada na frente de outras pessoas. Não culpava a diretora porque compreendia e concordava que alertava com fundamento. 

Aquela cena estava uma droga. 

Nada parecia encaixar. As atrizes principais não estavam em sintonia com o roteiro e aquilo estava acabando com a paciência da diretora. 

“Sem desculpas, por favor”, a diretora falou com a voz dura, fazendo um gesto em descaso com a mão livre. “Apenas sejam profissionais”, finalizou dando as costas para as atrizes e refazendo os passos até estar mais uma vez sentada em sua cadeira. “Ação!”

A cena foi retomada poucos segundos após o ocorrido e Caroline precisava admitir que a advertência havia sido eficiente, pois a gravação seguiu sem muitas interrupções depois disso, exceto por alguma intervenção mais sugestiva da diretora ou dos demais profissionais presentes. Apesar de parecer, situações como essa não eram comuns de acontecer. Para o seu bem, aquele era um limite raramente alcançado. A verdade era que possuía um leve desentendimento com a atriz com quem protagonizava a série e aquilo também estava começando a incomodar os demais.

Uma grande ironia da vida, pensava. Descobririam o amor na ficção quando, na realidade, não se suportavam. 

“Bom, pessoal. Já temos algumas tomadas e vamos trabalhar em cima disso”, Priscila falou após beber o pouco do líquido que havia sobrado em sua garrafa. “Por ora, é isso. Estão liberados.”

Caroline precisou dar alguns passos apressados em uma leve corrida para alcançar a mulher que se afastava. “Priscila, espere”, pediu.

“Algum problema, Caroline?”, a diretora perguntou, sem diminuir os passos, ajeitando os óculos de grau que escorregava pela ponte de seu nariz. 

Caroline a olhou séria. Havia conhecido a mulher ainda em seus anos de graduação, em uma ação extracurricular que havia participado. Com o seu interesse genuíno, foi fácil se aproximar da mulher que, muito solícita, a auxiliou com suas dúvidas e com dicas que certamente a atriz levaria para toda a vida. Não acreditava que fossem amigas, mas também estavam longe de possuir apenas uma relação formal de trabalho. 

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