os olhos falam⚘

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Certa manhã, Gabi não compareceu para dar aula. Aquilo me pareceu muito estranho!

Passei todo o dia muito cabisbaixa. Recordo de ter levado bolo para ela, de chocolate com morango, — seu favorito — e ter comido o meu pedaço e o dela porque, além do bolo estar muito bom, eu estava triste. Na hora, minha versão mais nova não pensou que aquilo poderia me causar dor de barriga.

Na hora em que minha mãe chegou para me buscar, logo percebeu minha chateação. Me pegou no colo como sempre fazia e beijou meu rosto, afastando minha franja dos olhos. Estavam meio vermelhos.

— O que aconteceu, querida?

Eu cocei meus olhos, emburrada.

— Querida, se você não falar, eu não poderei entender o que aconteceu.

— A professora Gabi não veio hoje. Muito estranho.

Eu queria ter sido mais firme com minhas palavras, mas na verdade minha voz saiu chorosa.

— Ah, meu bem. - mamãe sorriu.- Imprevistos acontecem. Ela pode ter adoecido ou, sei lá, problemas pessoais.

— Eu trouxe bolo pra ela, mas comi os dois pedaços. Me sinto enjoada, mamãe.

Ainda posso ouvir o som da leve risada da minha mãe. Aquela risada sempre vinha acompanhada de um ensinamento.

— Querida, eu sei que a ausência da professora Gabrielle deixou você chateada e entendo que você ainda está aprendendo a lidar com essas novas emoções. Mas aqui vai uma nova lição: não podemos descontar nossas frustrações na comida, pois nos faz mal. Veja você, está enjoada agora. E agora a Gabi ficará sem o bolo dela.

— Desculpa.

— Não precisa pedir desculpas. Acontece. Apenas respire quando acontecer, tudo bem? E quanto ao bolo, você pode trazer outro pra ela.

— Eu queria muito vê-la, mamãe.

— Ah, querida…

— Por favor!

Mamãe não entendia muito bem esse vínculo que estava sendo formado entre eu e essa professora recém chegada na cidade.

Mas um palpite, minha insistência em estar perto de Gabrielle foi um dos motivos pela união dessas duas.

Concluindo, ela me levou até a casa de Gabrielle. E nós levamos seu pedaço de bolo. Ela estava resfriada e sua voz sempre doce e alegre estava rouca.

Quando tocamos a campainha, a surpresa em seus olhos foi visível. Mamãe parecia levemente tímida — eu disse! Apenas minha mãe Gabi tem essa capacidade.

— Desculpa aparecer sem avisar, Gabrielle. - mamãe começou as explicações, enquanto eu esperava quietinha com o depósito do bolo em mãos. - Mas Eve insistiu em vê-la.

— Sem problemas.

Sempre tão gentil essa minha mãe.

Ela se abaixou para ficar da minha altura e sorriu ao me ver agarrada no jeans da calça da mamãe.

— O que é isso? - questionou apontando para o depósito.

— Minha mãe fez bolo!

Elas se olharam. Eu acompanhei o olhar.

Enquanto relembro esse ocorrido, juro que posso sentir a energia que fluía entre elas.

Antecipação?

Sorrisos bobos querendo dançar em seus lábios?

Bochechas coradas?

Estava tudo lá!

No fim da tarde, quando já havíamos tirado muito do tempo de Gabi, mamãe me colocou na cadeirinha e voltou para falar com ela. Da janela do carro, eu observei a rápida troca de palavras entre elas.

Foi rápida. Sucinta. Mas não menos intensa.

Hoje eu percebi o quão rápido a chama entre elas se alastrou. O que era apenas uma fagulha em seu primeiro encontro em meio a chuva, pareceu ter tomado uma proporção gigantesca em questão de semanas.

Elas trocaram um aperto de mãos. Demoraram a soltar. Seus olhos observaram o momento. Talvez nem elas entendessem a intensidade do que estava acontecendo.

Posso jurar ter visto eletricidade percorrer suas mãos ao se afastarem sem pressa.

Mamãe caminhou até o carro com um sorriso nos lábios e antes de entrar no veículo olhou por cima do ombro para Gabi.

Despediram-se em silêncio. Conversaram numa linguagem que eu não compreendi.

Havia uma promessa naqueles olhares.

É verdade quando dizem que os olhos falam.

𝒎𝒐𝒎𝒔 ⚘ 𝒙𝒆𝒏𝒂&𝒈𝒂𝒃𝒊Onde histórias criam vida. Descubra agora