Capítulo 2

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Marlon

Estacionei o carro na garagem e aproveitei para visualizar as últimas mensagens enquanto aguardava o elevador. Passava das oito da noite e eu só queria um bom banho e cama. O dia tinha sido uma merda estressante, e eu nem podia reclamar, já que o resultado finalmente viera: uma entrevista com um dos nomes mais disputados do momento na área de saúde. Enfim, teríamos um convidado com mais do que curtidas e comentários vazios em um blog qualquer.

Apertei o botão que me levaria ao décimo andar e digitei meia dúzia de respostas, nenhuma importante o bastante para me fazer sentir culpado por não retornar antes. Ok, talvez uma. A de Beatriz oferecendo-se para me fazer companhia esta noite. Agradeci e dispensei-a com gentileza e um tanto de sinceridade. Eu precisava de uma boa noite de sono após algumas de farra, nem todas com ela.

Desci do elevador e ouvi o farejar debaixo da porta do meu apartamento indicando que meu amigo já sabia da minha presença e me aguardava ansioso.

Tirei as chaves do bolso e ele rosnou baixinho, antecipando a recepção calorosa tão logo abri a porta.

— Ei, amigão! — Acariciei sua cabeça e ele pulou, as patas alcançando meu peito antes de tentar lamber meu queixo. Gesticulei para que descesse e, como sempre, obedeceu-me prontamente, seguindo-me enquanto eu largava meus pertences sobre o móvel de madeira escura logo ao lado, onde havia uma pequena caixa de papelão devidamente lacrada. — O que temos aqui? — perguntei, conferindo a etiqueta de remessa enquanto ele abaixava ligeiramente a cabeça.

Não reconheci o remetente, tampouco o nome do destinatário, já que a etiqueta havia sido parcialmente rasgada. E, a contar pelo olhar de culpa de Zeus, eu desconfiava quem era o responsável.

— Eu me atraso alguns minutos e é isso que você faz? — Encarei-o sério, observando-o se abaixar até praticamente se deitar aos meus pés, em um claro pedido de desculpas.

A encomenda não era para mim. Não só porque eu não havia comprado nada pela internet, mas porque os dados relativos ao endereço eram parcialmente legíveis e indicavam o apartamento 1069.

Sorri!

Ótima dezena!

Não era a primeira vez que isso acontecia. No meu antigo apartamento, era comum Cora receber correspondências sem se atentar se eram mesmo para mim. Nada realmente grave, mas incômodo muitas vezes, ainda que eu deixasse passar por ela ser uma excelente faxineira e, agora, também uma espécie de babá de Zeus, levando-o para passear todo final de tarde.

— Fique aqui — ordenei e saí para o corredor para entregar a encomenda a quem devido era.

Dispensei a campainha e bati de leve à porta do apartamento ao lado. Eu ainda não conhecia ninguém do condomínio além do síndico e dos porteiros, então não fazia ideia do tipo de pessoa que morava ali, mas sabia que era uma mulher, porque o perfume, o qual senti mais de uma vez na última semana, que exalava da porta era inconfundível.

Bati novamente e aguardei alguns segundos antes de me render a tocar a campainha. Foi quando ouvi o latido baixo e fino.

Ah, sim, minha vizinha também tinha um amigo de quatro patas!

Um detalhe nada surpreendente. Na verdade, um fator determinante para que eu adquirisse a unidade, depois de muito procurar por algo que atendesse às minhas necessidades: um condomínio que aceitasse animais e que ficasse localizado próximo a algum parque, facilitando o passeio obrigatório com Zeus duas vezes ao dia. Este, no caso, era perto de um dos mais conhecidos da cidade.

O apartamento foi um achado e valeu pagar um pouco a mais, mesmo sendo um empreendimento de quase dez anos. Era bem arejado e contava com dois bons dormitórios, além de ter sido praticamente todo reformado após o inquilino anterior quase tê-lo destruído, segundo a antiga proprietária.

Sem resposta da minha vizinha, abaixei-me para largar a encomenda no chão, junto à porta, mas, considerando que outra pessoa poderia dar fim ao pacote, voltei para o meu apartamento decidido a deixar-lhe um bilhete informando que estava com algo seu.

Escrevi algumas palavras e coloquei por debaixo da porta, só depois me dando conta de que o papel poderia ser comido pelo seu cachorro.

Tarde demais!

Dei meia volta e retornei para o conforto do meu canto.

— Só espero que você e a Cora não tenham me colocado em uma sinuca de bico, amigo.

Como fizeram outras vezes. A última no meu antigo endereço, dando-me um motivo a mais para buscar outro lugar para morar.

Balancei a cabeça, enquanto ia em direção à cozinha para pegar uma cerveja, não querendo pensar na vizinha que colou em mim feito chiclete, daqueles bem grudentos mesmo que você demora a conseguir se livrar. Tudo porque se encantou com o meu cachorro, cuja braveza não condiz em nada com o tamanho ou a raça. Também porque minha faxineira fala mais do que a própria língua e praticamente se tornou amiga da loira que morava no apartamento em frente ao meu, dando-lhe detalhes desnecessários da minha vida.

Uma mulher gostosa, porque claro que precisei provar o que me ofereceu sem pensar duas vezes. Ela só não conseguiu entender e aceitar que isto era tudo o que eu podia e queria lhe dar: sexo. Então, tive que enfrentar um período estressante de perseguição e cobranças que culminaram em uma tentativa frustrada sua de querer me dar o golpe da barriga.

Zeus rosnou baixinho e me seguiu até o quarto, acompanhando minha movimentação antes de se deitar à porta do banheiro, que fechei para poder tomar meu tão esperado banho.

Um tempo depois, eu estava confortavelmente acomodado em meu sofá com um prato de macarrão – porque era tudo o que eu estava disposto a preparar para comer –, diante da TV, para o que eu poderia considerar ainda um trabalho: assistir ao programa gravado, do qual eu era diretor de produção.

Por mais que tentasse não fazer isso, era automático conferir as entrevistas e buscar por detalhes que poderiam ser ajustados, o que geralmente se referia à pessoa à qual seriam dirigidas as perguntas. Eu só queria um pouco mais de qualidade nesse sentido, agregando um tanto de conhecimento ao telespectador, e não a baboseira de sempre.

Quando o programa terminou, ainda não tinha ouvido movimentação no apartamento ao lado. Olhei para o pacote mais uma vez, perguntando-me se era algo urgente. Talvez o deixasse na portaria na manhã seguinte, mesmo perdendo a oportunidade de conhecer minha vizinha. 

Um Antigo Amor de VizinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora