Horácio era locutor de rádio e apresentador de um programa no mínimo inusitado. Os ouvintes ligavam para contar ao vivo suas histórias ou experiências com o sobrenatural. Claro que não havia veracidade em tais fatos. Mesmo assim a audiência era grande.
Certa noite de muita chuva, de domingo para segunda-feira, uma ligação aparentemente normal como as demais se faz ouvir no estúdio. Horácio atende fora do ar. A voz é de um adolescente:
- Eu tenho uma ótima história para contar!
- Aguarde na linha e depois do intervalo você poderá conta-la no ar!
- Não! Você precisa vir até a minha casa para ouvir o que eu tenho a contar!
- Mas o programa não funciona assim! Até mais!
Horácio desliga o telefone. Alguns segundos depois outra chamada:
- Ouça bem! Ou você vem até minha casa ou irei atormenta-lo o resto da sua vida.
- Ouça bem você! Eu não tenho tempo para este tipo de jogo!
Outra vez o telefone vai para o gancho e outra vez toca:
- Muito bem! Foi você que pediu!
No instante em que a voz no outro lado da linha o ameaçou, toda a energia do estúdio é cortada. Lá fora constantes relâmpagos anunciam a vinda de uma tempestade. Horácio pega a lanterna de emergência na gaveta da mesa de equalização. Ilumina o caminho até a porta principal. Mas não consegue abri-la. Uma voz surge no canto escuro da pequena sala do estúdio, um tipo de sussurro cujo volume aumenta a cada repetição da frase:
- Ouça-me! Ouça-me! Ouça-me!
Uma silhueta enegrecida parece se desprender da parede a partir de uma sombra. Vagarosamente se desloca em direção ao locutor da rádio. A voz sussurrante se torna um gemido para em seguida assumir um tom de conversa entre duas pessoas. Horácio se assusta com aquela aparição. Tenta de novo abrir a porta do estúdio, mas sem êxito. De repente tudo silencia. Olha para trás. O vulto que saíra das sombras estava imóvel e silencioso e parecia observar Horácio. As luzes voltam a iluminar a sala. Os raios que se faziam ouvir cessaram de vez. A tal sombra se foi como se nunca tivesse existido. O locutor, nessa altura banhado de suor frio, lembra-se das palavras ditas pelo ouvinte. Outra vez o telefone toca. Imediatamente Horácio toma papel e caneta e anota as instruções do misterioso contador de histórias. No dia seguinte ele está a caminho do endereço. A casa de dois pavimentos é feita de madeira com cerca branca ao seu redor também de madeira. Horácio observa pelo vitrô da porta o interior da casa. foi quando uma velha senhora aparece empunhando uma espingarda.
- Afaste-se de minha propriedade, moço! Não há nada para você neste lugar!
Horácio cautelosamente se vira com os braços erguidos e tenta se explicar:
- Calma, senhora! Eu só vim aqui para conversar com... – Horácio interrompe a frase e, muito nervoso, pega o papel que trouxera no bolso de sua camisa que continha o nome do rapaz e o endereço e continua a conversa - ... Jean!
- O que você quer com ele?
- Meu nome é Horácio e trabalho como locutor de rádio. Jean me ligou pedindo para que eu viesse até aqui para ouvir sua história.
A mulher mudou sua expressão facial de desconfiada para tranquila enquanto ouvia atentamente as palavras de Horácio. Baixou a arma e se apresentou:
- Meu nome é Meredith! Desculpe o transtorno. Ultimamente tem aparecido muitos curiosos querendo saber sobre Jean, mas eu procurei preservar sua imagem.
Horácio respondeu em tom de despedida:
- Tudo bem, senhora! Eu posso voltar outro dia, dona Meredith!
Ele dá as costas e caminha com a intenção de não voltar. Com voz amigável e suplicante, bem diferente do primeiro momento em que Horácio a conheceu, Meredith o chama:
- Por favor, entre! Eu acabei de preparar o café. E pode me chamar de Meredith!
- Obrigado!
Horácio percebe que as paredes internas da casa estão exaustivamente decoradas com molduras nas quais se pode ver fotografias antigas. Tentando estabelecer diálogo, o locutor pergunta:
- Jean está em casa?
- Está dormindo em seu quarto lá em cima. Tome seu café que eu irei chama-lo em seguida.
- Obrigado, Meredith!
Horácio aguarda o momento em que conhecerá Jean. Observa que por sobre a estante próxima à lareira há um retrato de um jovem. Na certa deve ser Jean. Na parte inferior da fotografia uma única inscrição: "meu amado Jean 1972-1981". Antes que ele pudesse pensar em algo, Meredith entra na sala de estar, justamente quando Horácio segura o retrato de Jean:
- Oh, então você já descobriu o que aconteceu!
Horácio, impressionado com a revelação, põe o retrato no mesmo lugar e pergunta:
- E como ele morreu?
- "Morreu"? Não use esta palavra!
- Então, como foi que ele...
Meredith percebe que o visitante não vai terminar a frase sem utilizar outra expressão relativa à morte e interrompe:
- Jean gostava de inventar histórias. Mas ninguém lhe dava atenção, além de mim. Isso foi um golpe duro para ele. Trancou-se no quarto e só eu podia entrar. Desenvolveu uma depressão, definhou até...
- Entendo!
Meredith se recompõe da repentina emoção e olha para Horácio:
- Você quer conhecer o quarto dele agora?
Ele reluta por um breve instante e depois diz:
- Sim, quero!
Meredith aponta para a esquerda:
- Você pode subir por aquela escada. É o segundo quarto.
Horácio sobe degrau por degrau apoiando a mão direita no corrimão. Chegou a imaginar quantas vezes Jean passou por aqueles degraus. Cuidadosamente destrava a porta, entra no quarto e logo distingue um pequeno diário deixado no criado mudo ao lado de uma cama de solteiro, onde provavelmente Jean dormia e, durante seus últimos dias de vida, enfrentou o estágio final da depressão. Senta-se na cadeira próxima à janela e se concentra na leitura do diário. As primeiras páginas o impressionam. Nada se parece com o estilo de Jean. Ele arrisca um comentário em voz alta:
- Você tinha futuro como escritor! Não entendo por que não foi reconhecido! Mas eu posso falar com amigos editores e mostrar seu trabalho! Tenho certeza será um sucesso de publicação!
Uma brisa invade o quarto na certeza de que agora Jean pode descansar sua alma inquieta. Atravessando a janela, ela se perde na atmosfera.
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Frequência Fantasma
Cerita PendekHorácio apresenta um programa noturno na rádio local que relata histórias de mistério.