Prólogo

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"Todos os homens que foram valiosos em alguma coisa puseram a ênfase na sua própria educação."

Walter Scott

Estava envolto a leitura fazia-se horas, as letras saltitavam sem qualquer sentido a sua frente, no entanto, não podia parar, precisava terminar o planejamento daquele ano. Sabia que dessa vez, com quase cem por cento de certeza, estaria ministrando aula no litoral, pelo menos era o que o homem esperava após semanas pedindo para o reitor não lhe enfiar em uma pesquisa básica.

Amaury não simpatizava com qualquer indício de areia, água do mar e principalmente de sol, o ar de alegria que teria que enfrentar todos os dias, também lhe causava asco. Mas ele não tinha para onde fugir, era isso ou mais um bando de artigos sem alma sobre europeus e seus dramas brancos.

Claro que ele sempre fora aclamado por tais escritas, mesmo que odiando, ele não faria um trabalho tão porco, porém isso o consumia, não queria mais uma vez ser comparado a Hobsbawm, Le Goff e outros nomes da pesquisa europeia. Ainda mais com o peso de vanglória na voz do reitor "temos um professor negro que gosta dos assuntos europeus".

Que fiasco, principalmente porque seu primeiro objeto de estudo quando entrou na universidade, com o sonho de ser historiador, era referente a guerra dos canudos e toda a resistência negra contida ali. E esse era o caminho que queria seguir, sobre resistência não branca, independentemente de serem negros, asiáticos ou indígenas. Não sabia em que momento havia se perdido, ou melhor, sabia.

Pesquisas assim não chamavam atenção, já diria o grande Aimé Cesaire "O holocausto só tem grande impacto, porque foram brancos matando brancos", de fato, assim como ele, Amaury não tirava a importância do ocorrido, mas era algo a se pensar em meio a tantos massacres permitidos por anos que não tiveram a metade da comoção ali contidas.

Quando percebeu, os papeis não faziam mais sentido, levantou-se e foi até a geladeira pegar um gole d'água e ver se existia algum resquício de comida, já que fazia uma semana que não comparecia ao mercado, viu que tinha alguns molhos e ao fundo da geladeira um pedaço triste de tomate. Riu! A que ponto a sua decadência havia chegado.

Pegou as chaves do carro para fazer compras, quando chegou a garagem percebeu que já era meia-noite, quem em seu perfeito estado mental faria compras àquela hora? Entrou no carro mesmo assim, e dirigiu sem rumo, até se deparar que estava à frente da universidade e em meio a uma festa que promovia o trote do ano.

Desceu do carro, cumprimentou alguns alunos e ex alunos e pensou "eles não cansam daqui não?", foi até a mesa de bebidas e pediu uma cerveja, já estava ali mesmo. Observou em volta os resquícios da juventude, música alta, roupas curtas, risadas, flertes, refletiu em que momento aquilo parou de deixá-lo feliz.

Seus olhos caminhavam em busca de alguém que lhe podia interessar para uma conversa, foi quando pousaram em um menino ruivo, baixinho e de barba quase cheia, dançando como se não houvesse amanhã. Estava junto de duas amigas e parecia não se importar muito com o que as pessoas achavam em volta.

- Oi, meu nome é Amaury. – Estendeu a mão junto a um largo sorriso.

- Prazer, Mart...

Ele estava encantado, nem prestou muita atenção no que o garoto dizia após se apresentar, apenas observava de uma forma inconsciente como dançava e era provocativo, ofereceu um gole da sua cerveja como cortesia e viu as amigas dele se afastando, o que deu mais coragem para soltar um "na sua casa ou na minha?".

Ao que prontamente foi respondido "onde o ****** aguentar", seguido de um riso malicioso.

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