"Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo"
Paulo Coelho
Havia andado horas a fio por São Paulo, queria gravar todos os pedaços da cidade que crescerá, era notável como mesmo que caótica a terra da garoa podia ser encantadora. Seu lugar preferido, a Pinacoteca, tinha lhe dado outro significado naquele dia, o da saudade.
As paredes altas repletas de memória lhe davam a sensação de que a partir daquele momento os seus próprios tijolos seriam construídos, um por um em um mundo de pesquisas que Diego não pretendia que tivesse fim.
Mudar de cidade lhe causava muito medo, mesmo que Santos não fosse tão longe da capital, seus dias não seriam repletos de bobeiras ditas por Biancca e Larissa, o colo de sua mãe não poderia ser requisitado em um piscar de olhos e o simples silêncio de ser e estar no apartamento que conseguirá com muito esforço não poderia ser contemplado.
Mesmo assim ele estava feliz, experiências novas faziam o sentir vivo, foi assim quando descobriu a história, quando fez a primeira viagem com suas amigas para o interior e suas calmarias, quando descobriu as noitadas de São Paulo e o mundo drag ao seu dispor.
Parou à frente da sua obra predileta, ele observava agora cada detalhe. A delicadeza de como o homem estava sentado de certa forma confortável, mas disposto a qualquer momento em se levantar, os músculos mostrando uma virilidade quase exagerada, porém terna... Raphael Galvez realmente sabia o que estava fazendo.
Uma melancolia surgiu de repente, seus shows como A Diego teriam que dar uma pausa, seria difícil conciliar o tempo necessário para a pesquisa e seu lazer disfarçado de trabalho. Pensou por um momento se toda essa loucura valeria a pena e usou a analogia "ele está disposto a se levantar".
***
- Pega lá outro gim – dizia em tom de ordem.
- Agora pronto, vê se pode Larissa, ele vai se mudar e acha que vamos nos ajoelhar para ele – Biancca ria enquanto se levantava.
- Ele está muito abusado para o meu gosto, até parece que a gente vai sentir falta desse mandão.
- Aí, dá um tempo vocês duas, eu só pedi mais um pouco de gim! – disse um pouco irritado.
- Ei, é só uma brincadeira, até parece que não vamos sentir falta de você, estamos na verdade, nos corroendo por dentro, vai trocar a gente por macho... – um tom de provocação veio junto na voz de Larissa.
- Pelo menos o MACHO vai me trazer gim quando eu pedir – seus olhos agora encaravam Larissa.
- E como você tem tanta certeza em bonitão? Anda conversando com ele é? – Biancca provocava.
- Não, mas naquele dia ele me deu um gole da cerveja dele, tá bom para você? – Agora seus olhos encaravam Biancca.
- E ele lembra disso? Porque parece que ele entrou em uma caverna do dragão e não vai mais sair de lá – Larissa riu – nem ao menos uma resposta à noite "boa" você teve.
- Foi boa, sim, ok?
- Toma aqui sua majestade, seu gim, não sou um homem gostoso, mas estou lhe servindo – Biancca caiu na gargalhada seguida por Larissa.
- Eu realmente vou sentir falta de vocês, prometem que vão me visitar? Por favor, por favor...
- Não sei se você está merecendo – falaram em coro.
- Vocês são péssimas, mas eu amo – Diego chamava para um abraço coletivo.
- Te amamos também amigo e vamos te visitar sim, é uma promessa – Larissa começava a chorar.
- Uma promessa – Biancca repetia.
- É nessa madrugada né?
- É, faltam três horas e eu nem terminei de arrumar minhas coisas, vocês me ajudam?
- Claro amigo, o que pretende levar? – perguntava Larissa após secar as lagrimas.
- Ah, acho que o básico né, roupas de dia-a-dia e produtos de higiene, sei lá.
- E as perucas? Os figurinos? – Larissa estava com cara de dúvida.
- Acho que não vou levar, não terei tempo para isso...
-Ah, mas vai levar sim, sempre existe tempo para ser uma grande GOSTOSA – Biancca soltava com ênfase.
***
"Cuidado, meu corpo e minha alma, cuidado acima de tudo de cruzar os braços e assumindo a atitude estéril do espectador, pois a vida não é um espetáculo, um mar de tristeza não é um proscênio, e um homem que lamenta não é um urso de dança."
Aimé Cesairé
As poesias de Cesairé lhe renovavam, ainda mais quando se sentia perdido em suas emoções e decisões. Faltavam poucas horas para se ver em uma cidade desconhecida... não que nunca tivesse ido a Santos e se esforçado para deixar seus amigos felizes em um lugar que não lhe apetecia, de fato visitar era diferente de pertencer.
Amaury mal sabia se pertencia a São Paulo, a movimentação frenética da cidade constantemente o deixava exausto, como se seu corpo estivesse abaixo de diversos cavalos de competição. As cobranças frequentes de entregas a universidade de algo plausível para publicações, atrás de um suposto mérito profissional, também o assombravam.
Ele não se sentia um gênio como todos diariamente o diziam ser, na verdade, ele se sentia inútil, um fracassado que em alguns momentos se dava bem, apenas para não cair no limbo infinito da solidão. Falando em solidão, esse era o sentimento que ele mais possuía, as paredes extremamente brancas e sem um pingo de informação de seu minúsculo apartamento lembravam o moreno de que sozinho ele havia nascido e que sozinho morreria.
Havia apenas uma companhia que não o deixava esquecer de estar vivo, seu gato laranja, que agora subia sem nenhuma preocupação na mesa de jantar e miava pedindo comida. Prontamente o homem se levantou e ofereceu calmamente a ração que já estava no pote do Sr. Miau, sabendo que dali poderia acontecer uma arranhada, o que de fato aconteceu. "Você realmente não me ajuda, né", dizia após fingir que havia colocado ração nova.
Jogando-se no sofá e se aninhando a coberta, Amaury dava um riso sem graça ao pegar o celular e ler "está pronto?", era uma mensagem de Diego. Pronto era uma palavra muito forte para se dizer, mas a resposta foi "sim, e você?"...
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AMPULHETA
Hayran KurguAmaury é um historiador bem sucedido no campo da pesquisa, porém já perdeu as motivações de quando era jovem e entende que tudo deve ser baseada no cético, nutrindo nem um pingo de uma vida feliz e plena. Diego é um jovem historiador regado de sonho...