Capítulo 00. Nas ruas.

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Quando minha mãe descobriu que estava grávida, testemunhamos o despertar de uma expectativa familiar para a chegada de um filho. Contudo, um sonho visionário de Dadi, envolvendo a intervenção divina da Deusa Kali, anunciou a vinda de uma filha. Assim, fui entregue a ela como a portadora das bênçãos da deusa, destinada a moldar o destino de nossa família.

Apesar de Dadi compartilhar suas visões, minha mãe continuou ansiando por um filho, enquanto Dadi afirmava que a verdadeira bênção residiria na filha que eu me tornaria. Meu nascimento foi celebrado calorosamente por Dadi, embora meus pais estivessem cientes dos desafios financeiros que uma filha poderia trazer, especialmente em relação ao dote que teriam que providenciar, representando um fardo considerável.

Recordo-me das palavras sábias de Dadi, profetizando que eu realizaria feitos grandiosos. Ela parecia possuir uma compreensão mais profunda da vida do que eu, e esses momentos de conversa com ela eram preciosos para mim, trazendo-me alegria e sabedoria.

Como a filha mais nova, eu já pressentia que meu destino seria marcado por desafios, sendo a única mulher mais jovens entre cinco irmãs e apenas um homem. Desde cedo, reconheci a difícil realidade de meus pais, incapazes de arcar com os custos de meu dote. Enquanto meu irmão desfrutava da educação formal, minhas irmãs e eu éramos privadas dessa oportunidade, forçadas a ingressar precocemente no mundo do trabalho.

Em uma fase da minha vida, sentia uma profundo ressentimento pela minha situação. Como Shudras, nossa sociedade nos destinava ao trabalho de limpeza e servidão. No entanto, mesmo diante dessas limitações, busquei aprendizado por conta própria, dominando a escrita de forma modesta e explorando as páginas de um único livro várias vezes.

Mesmo sendo de origem tão humilde, havia algo diferente em mim, minha aparência se destacava em meio das minhas irmãs, as pessoas da nossa vizinhança diziam que eu era a encarnação da Deusa Lakshmi, mesmo Dadi costumava dizer isso. As propostas de casamento começaram a chegar quando tinha apenas 14 anos porém a prioridade sempre foi casamento das minhas irmãs mais velha.

Meus pais, orientados pelos sábios, aguardavam o momento propício, indicado pelos astros no Festival de Holi, quando o escolhido surgiria para iluminar minha vida e trazer bênçãos abundantes. Dispensamos até mesmo o filho de um renomado comerciante, apesar de sua gentileza e sorrisos constantes. Mesmo após cinco anos desde a predição astrológica, o homem destinado a transformar minha existência ainda não havia cruzado meu caminho.

Minha irmã Aisha terminava de se arrumar, ela tinha um sorriso no canto dos lábios e eu sentia um aperto no peito, pensei que os Deuses haviam me esquecido e os astros estavam errados, eu não sabia ao certo quando esse homem ia aparecer mais estava cansada de esperar, ainda mais depois dos meus pais acabarem recusando o pedido de casamento para mim de Kabir, ele era o homem lindo e gentil comigo.

Aisha chorou e esperneou para Indra que resolveu pagar o dote para ela se casar com ele, mesmo sabendo dos meus sentimentos ela aceitou.

— Chegamos a mais um Festival de Holi. —Minha irmã mais velha, Aisha disse, provocando como de costume, — e você continua solteira, à espera do homem misterioso.

— Deixe-a em paz. — Durga interveio enquanto eu estava concentrada em pentear meus cabelos. — Você sabe que, se os astros falaram, ele aparecerá.

— Já se passaram cinco anos; Acho que os astros erraram no seu caso. — Aisha saiu saltitante, claramente animada, parecia feliz com a desgraça que cercava minha vida.

Aisha sempre foi a favorita de Indra, e por algum motivo inexplicável, ela simplesmente não simpatizava comigo. Entre todas as minhas irmãs, eu me sentia rejeitada.

Saniya se casou com um homem que originalmente pedira para casar comigo, garantido pelo meu pai, que afirmava que éramos todas bonitas. No entanto, quando o noivo se casou com Saniya, ficou decepcionado, e isso bastou para que ela me odiasse. Saniya e Aisha sempre se encontravam e, provavelmente, falavam mal de mim, mas isso não me importava. Eu tinha Durga ao meu lado, éramos unidas como se fôssemos parte uma da outra, com menos de um ano de diferença de idade.

— Não dê importância a ela; é invejosa, assim como Saniya, só porque você é a mais bonita.

— Não gosto quando falam assim, me sinto como um produto — reclamei, sentindo-me como um simples pedaço de carne, apesar dos constantes comentários de que herdei toda a beleza da família. Dada costumava dizer que eu parecia com ela.

— Você sabe que, assim como o noivo de Saniya, quando os casamenteiros os viram, queriam casar você com Kabir e não com Aisha — disse Durga. — Ela é tão rancorosa quanto Saniya. Não percebe que Indra sempre manda você ficar no quarto quando o noivo vem?

— Não gostaria de me casar com ele. — Menti. — Sem contar o dote tão alto.

— É, Indra está gastando muito com esse casamento. — Durga sorriu para mim. — Vamos nos arrumar; você deve estar linda para o dia de Holi. Vamos andar muito para que seu futuro noivo possa te ver.

Subimos para o quarto, e Durga me entregou uma caixa de presente. Dentro dela, um belo Salwar Kameez amarelo, leve e com detalhes bordados por ela. Durga era habilidosa na costura e sempre conseguia fazer peças de roupas lindas para nós.

O festival de Holi era apenas cores e felicidade, mas, por algum motivo este ano, estava triste. Não conseguia explicar. Enquanto minha irmã Durga pulava e jogava tinta em todos, eu apenas observava. Será que, em algum momento, as coisas dariam certo?

Andar por todos os cantos não faria sentido, a menos que, em algum momento, ele me visse. Talvez os astros tenham errado comigo, como Aisha disse. Eu apenas vagava por todos os lugares, aguardando o momento em que poderia ser escolhida.

Eleita pelo ImperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora