Cap. 12 - No Algodoeiro

4 1 0
                                    


A produção de algodão era o pilar da economia do nosso estado, criando uma miríade de empregos que iam desde simples carrinhos de mão até os movimentados aeroportos da grande metrópole. Linópolis, era reverenciada como uma comunidade rica e florescente, graças ao vigoroso comércio de importação e exportação do valioso produto.

A excelente qualidade do algodão era amplamente reconhecida, tornando-o uma escolha preferencial para uso no setor hospitalar em nosso país devido à sua superioridade e ao custo acessível para o governo. Além disso, o algodão local dominava o mercado da indústria têxtil, consolidando ainda mais a reputação de Linópolis como um centro de excelência na produção algodoeira.

Nos vastos campos que se estendiam além do horizonte, moravam diversos trabalhadores, alojados em chalés que variavam de tamanho conforme o número de membros da família. Na nossa residência, havia uma pequena sala que se integrava à cozinha e ao quarto, onde eu compartilhava o espaço com meus pais, dormindo próximo a eles.

A supervisão nos campos estabelecia que, quando o filho de um casal atingisse a idade de sete anos, a família deveria transferir-se para um chalé maior, que incluísse um quarto para a criança e, potencialmente, para futuros irmãos do mesmo sexo. Já estavam organizando isso para minha família quando ocorreu a tragédia.

Morando ali, descobrimos que a felicidade não requeria muita coisa. A paz que permeava o ambiente já nos trazia uma alegria constante. Meus pais se conheceram naquele lugar, brincando pelas terras aradas pelos tratores em preparação para o plantio.

As noites dos fins de semana eram sempre animadas. Festas com danças, comidas típicas e mulheres rodopiando com suas saias amplas, cercadas por seus parceiros que batiam palmas ao ritmo da música que fluía da vitrola.

Às 22h em ponto, a energia era cortada abruptamente. O motor só conseguia gerar eletricidade até aquele horário, deixando a área rural mergulhada na escuridão noturna.

Quando a safra superava as expectativas dos produtores de algodão, as celebrações se tornavam ainda mais grandiosas. As festividades começavam mais cedo e a população envolvida na produção era agraciada com vinhos, aves e cabritos para enriquecer a festa.

Nessas ocasiões especiais, meu pai sempre presenteava minha mãe e eu com uma generosa quantidade de tecido para confeccionarmos vestidos novos. Era uma tradição que nos enchia de alegria e nos permitia celebrar o sucesso da safra em grande estilo. Nossos vestidos eram meticulosamente confeccionados, sob medida, longos até os pés, e meu vestido sempre seguia o mesmo padrão de cor e modelo que o da minha mãe. Essa harmonia visual refletia não apenas nossa ligação familiar, mas também a tradição e a união que permeavam nossa comunidade. Minha mãe, com seus longos cabelos lisos e negros, que caíam pelas costas, ou às vezes em uma grande trança lateral, era uma visão de beleza enquanto dançava, segurando a barra de sua saia. Sua apresentação na festa atraía a atenção de todos os presentes, inclusive da diretoria da tecelagem. Minha mãe já era naturalmente bela. Mesmo trabalhando incansavelmente de verão a verão, usando aquele imenso chapéu mexicano para se proteger do sol, ela mantinha uma aparência simples e encantadora que atraía os olhares dos homens. Alguns não tinham conhecimento de seu estado civil, mas havia até mesmo um sujeito desavergonhado que ignorava sua situação, como o Sr. Nicolau Müller.

Meu pai só teve a oportunidade de estudar até o colegial. Ele sonhava em se formar em Artes Plásticas, porém, não conseguiu ingressar em nenhuma universidade. Ele nunca teve interesse em trabalhar com algodão; sua verdadeira paixão sempre foi a pintura. Todas as suas obras em grandes telas eram voltadas para aquele algodoeiro.

O lugar onde encontrava sua maior inspiração para pintar era perto das plantações e sonhava em ver suas obras vendidas pelo mundo afora, mas a maioria delas acabou confinada em um único lugar, onde permaneceu escondida pelas teias de aranha. A outra parte, eu não sei para onde foi. O que sei é que um número muito grande delas desapareceu.

Cada vez que vendia suas pinturas, papai nos presenteava. Entre os presentes, o que mais marcou minha vida foi uma boneca de pano. Depois de comprá-la, ele a batizou de Ariel. Era uma boneca simples, com olhos grandes e pintados, que ele sempre retocava quando perdiam a cor.

Tinha também um par de patins, acompanhados de joelheiras. Nos finais de tarde quentes, ele me levava até a quadra das sementes, onde o piso era perfeito e livre de trepidações, para que eu pudesse patinar. Nas suas voltas para casa, nunca se esquecia de trazer minha guloseima favorita, uma barra de geleia colorida, dividida em duas cores.

No algodoeiro, no meio da nossa comunidade, mamãe era muito conhecida. No entanto, fazia algum tempo que ela enfrentava dificuldades com os rumores que surgiam sobre seu comportamento inadequado como mulher casada, era o que comentavam alguns moradores daquela região. As más línguas espalhavam boatos de que ela se encontrava com um homem da tecelagem quando dizia ir para a igreja nas manhãs de domingo na cidade. Porém, ela era apaixonada pelo papai.

Todo final de tarde, papai me treinava dando a entender que era uma brincadeira de pique-esconde. Eu sempre me escondia no lugar secreto que ele havia criado para mim. Eu retirava a tábua solta do soalho debaixo da minha cama e passava pelo buraco, que era a entrada. Na sala, o lobo, segurando uma lupa, avaliava cuidadosamente uma pintura. Papai me procurava dentro do chalé, ciente de onde eu estava escondida, no lugar secreto, conhecido apenas por ele e mamãe. No final, ele parava no meio do quarto, observando-me através das fendas da madeira. Ao me avistar, seguro de que eu já sabia me virar, ele parecia pressentir que uma tragédia em sua vida estava prestes a acontecer.

Foi muito querido pela comunidade algodoeira. Todos lá se revoltaram com a forma como ele foi morto. Mamãe teria sido apedrejada se os guardas não a levassem presa naquela noite. Ela não teve direito a defesa nem tinha um álibi, pois estava presente no local durante todo o tempo. Sozinha e à distância, no escuro, escondida atrás de um arbusto, fiquei observando o movimento.

As roupas e os lençóis, que haviam sido estendidos ao sol durante o dia, agora estavam encharcados de sangue embolados no chão, junto ao corpo do papai, próximo à entrada do chalé. Ele estava terrivelmente mutilado, com a cabeça dilacerada e o rosto irreconhecível. Mamãe, trêmula, permanecia ajoelhada ao lado dele, em silêncio, segurando o cabo do machado, cujas farpas ainda escorriam sangue. Ela não questionou sua prisão. Saiu algemada e foi jogada, feito um animal selvagem, na traseira daquele carro estranho, repleto de grades.

Antes de levá-la, andaram por todo o quintal e entraram no chalé. Em algum momento, eu saí e fiz valer tudo o que o papai havia me ensinado. Através das pequenas frestas do soalho, os observava andando por cima de mim sobre as tábuas de madeiras, demoraram muito para irem embora.

Quando saí dali, bem fraca, e não consegui levantar bem a tábua que estava bem na direção da minha cabeça. Acabei soltando-a e ela acertou minha testa, causando um corte. O sangue descia pelo meu rosto. Devagar, fui me arrastando com as mãos no chão até conseguir ficar de pé. Então, me deitei em minha cama naquela madrugada de terror e medo. O dia começou a amanhecer e, mesmo muito cansada, não conseguia dormir. Foi então que o Sr. Müller chegou com dona Hemengarda para me levar para a nova morada, que ficava a umas duas ou três horas de distância dali, a casa na rua dos Pinheiros.

Depois de alguns dias, dentro da biblioteca, um homem desconhecido junto de um advogado entregava uma documentação para o Sr. Nicolau Müller assinar. Em voz baixa, um deles disse:

O nome dela não será mais Judith Louise Balthero.

E, olhando para mim, o lobo falou:

- De hoje em diante, seu nome será Judith Louise Müller.

Depois de um tempo, consegui entender o que havia acontecido com a troca do meu sobrenome, pois tinha ocorrido um processo de adoção.

A CASA DO LADO DE LAOnde histórias criam vida. Descubra agora