A Camisa Florida

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Desde que me mudei para cá, ser chamado para uma festa era um grande avanço, Nem tanto, já que todos foram convidados. Provavelmente não haveria sexo, já que era contra as regras do campus, mas com certeza haveria algum jogo de atração. A única peça de roupa que diferenciava as roupas do dia a dia era uma camisa florida que meu pai me deu e disse que pegava muitas garotas na época em que ele estudava, creio que seja verdade, até porque a moda é uma coisa estranha; algo pode se tornar extremamente bizarro de uma época para outra. Bom, talvez eu devesse arriscar ou pedir para meu colega Duncan emprestar alguma camisa. Só que ele não é muito de falar comigo. Na verdade, ele nem falou comigo ainda. E sim, já conheci meu colega de quarto, além dos posters de ursos, mulheres seminuas e motocross. Ele é bem avesso ao seu estilo; sempre o vejo lendo revistas em quadrinhos, o que me surpreende. Sei lá, ele tem cara de bad boy. Talvez, se eu parecer um bad boy, eu teria chance de socializar com ele ou com algum outro grupo. Mas como não tenho muitas opções além de ser esfaqueado por um possível colega de quarto sociopata e sair parecendo um campo de flores, é o que me resta. Eu e minha camisa florida. Espero que chame a atenção de uma forma positiva.

Visto minha camisa, uma calça jeans, um tênis All Star e coloco uma pulseira. Tento deixar meu cabelo menos bagunçado, mas acho que ele já nasceu assim, feito para ser totalmente maluco, meu jeito Albert Einstein de ser. Meu colega de quarto entra com uma cara mal-humorada; talvez essa seja a cara dele bem-humorada, só vi essa mesmo. pela primeira vez, ele fala comigo: "Tá indo à festa de boas-vindas?" Eu respondo que sim. Ele diz: "Não vai conseguir pegar ninguém com essa camisa." Ele volta para o seu hábito, abrindo um quadrinho e começando a ler. Me pergunto quantos quadrinhos esse cara tem ou se já leu todos mais de uma vez. Mas já estava decidido. Sinceramente, se fosse o caso de pegar alguém, acho que não conseguiria nem com outras roupas que possuo. Então espero, no mínimo, socializar. Mas, de alguma certa forma, sinto que ele estava querendo dizer que tanto pegar quanto socializar estavam fora de cogitação para mim.

Assim que cheguei na festa, comecei a caçar Brian com os meus olhos. Não que meus olhos estivessem com um arco e flecha esperando algum sinal de Brian, era só... Vocês entenderam. É um hábito meu explicar esse tipo de coisas, pois Brian entendia tudo ao pé da letra, e como passei mais tempo falando com ele do que com qualquer pessoa no mundo, ainda que o tenha conhecido bem depois de ter convivido a vida inteira com meus pais, dá para se dizer que minha personalidade é moldada à sua e talvez a dele à minha. Muita coisa poderia ter mudado nesse ano que passou, mas para mim não era diferente. Pessoas com vestidos elegantes... poha, isso é um baile ou uma festa de boas-vindas? Mas, para me deixar menos frustrado, até cheguei a ver pessoas de chinelo. Embora o clima não fosse praiano, estava mais para "Lost" porque tinha muita grama e árvores, eu acho.

"Oi, e aí, mano," disse uma voz encostando no meu ombro. Na realidade, eu sabia que era o Brian, mas acho que é assim que os narradores descrevem coisas que aparecem de repente, então vou seguir essa linha. Me virei, fingindo surpresa, e falei: "Brian, há quanto tempo!" Ele me abraçou, dizendo: "Pois é, faz tempo que não te vejo." Essa é a parte mais constrangedora dos reencontros; ambas as partes sabem que faz tempo que não se veem e, mesmo assim, insistem em comentar esse fator. Mas não há por que quebrar a tradição. No entanto, se dependesse de mim, eu falaria: "Há quanto tempo, desde a época em que você sumiu tão de repente, me deixando sozinho em um ninho de puberdade e valentões." Mas o que eu disse foi mais ou menos assim: "Que saudade, cara." Ele diz também ter sentido minha falta enquanto finalmente encerrava o abraço. Mais um pouco e eu pensaria que a saudade dele foi diferente da minha.

- Então, há quanto tempo tá aqui? - questiona ele. - Cheguei ontem," respondo. - Por que você não me disse que viria? - rebate. "Assim como você não me avisou que viria," pensei.

- Quis fazer surpresa. - digo.

- E que surpresa! - diz ele de forma empolgada. - Cara, você vai amar esse lugar. As aulas só começam na semana que vem. A primeira semana é só para todo mundo se encontrar, se acostumando com a rotina. Ou seja, por enquanto está liberado dar uma volta por aí, mas só até 6 horas da tarde."

- Com 'por aí' você quer dizer fora do campus, né? - questiono.

- Sim, não temos permissão durante toda a época do ano de sair do campus para seja lá o que for, porque atrapalha os estudos. Mas em datas como essa, é totalmente permitido - encerra ele.

Não sei por que está todo empolgado. Tecnicamente, a gente já estava do lado de fora, comento.

- Você não entenderia mesmo, mas para quem já tá aqui, sabe que essa é a oportunidade perfeita de conseguir bebidas, comidas e algumas coisas ilícitas. - termina ele. eu acho que ele tá querendo dizer drogas, mas eu não tenho certeza. Não, na real, eu sei que é droga sim, só que eu queria deixar a dúvida, e agora eu deixei a certeza.

- Bom, eu não costumo me envolver com nada disso. - digo.

- Cara, se você quer conhecer pessoas, falar com pessoas, vai por mim, o melhor é comprando bebidas e cigarros. - diz ele. Na realidade, no fundo eu sabia que ele não estava certo. Uma vez, meu pai disse que o melhor caminho para se tornar amigo de alguém é dizendo que tem algo que a pessoa quer. Mesmo que não seja verdade, dá uma sensação de que você faz parte do mundo dela. Não importa o que seja.

- Se quiser, leve o tempo conhecendo uma galera. Amanhã compramos bebidas e, assim, eles serão seus amigos.

- E se eles não beberem ou fumarem?

- Vai por mim, todo mundo daqui bebe ou fuma. É a única diversão. - conclui ele.

Para mim, a única diversão seria me afundar no videogame. Mas, se era isso que as pessoas queriam, eu vim aqui com esse objetivo, não tinha por que eu não entrar nesse jogo. Mas o que me intrigava mesmo era por que Brian havia entrado nesse jogo. Embora eu e ele já tenhamos passado por algumas missões para socializar, no fundo havia limites que ele não cruzava. E esse era um deles. Assim como não ir a festas. Creio que, se uma pessoa já entrou nesse hábito, ir a uma festa não seja um problema. Tá aí uma das mudanças notáveis por ora.

Sem Tempo Para MudançasOnde histórias criam vida. Descubra agora