A viagem pela floresta era calma. Eu gostava do barulho das folhas, dos sons dos primeiros pássaros que cantavam pela manhã e das folhas secas sendo esmagadas pelos nossos passos, exceto pelos de Anne, suas bufadas raivosas espantando os insetos e seus passos duros faziam um barulho extremamente irritante a ponto de até mesmo Suzanne revirar seus olhos algumas vezes do meu lado. Anne estava irritada, obviamente, e talvez fosse com razão, já que antes de irmãos embora, voltamos aonde ocorreu aquele assassinato cometido pelas minhas mãos e o corpo havia sumido.
— Tem certeza que matou ele...? — Indagou ela, o tom de voz levemente rude.
— Quatro tiros na cabeça é meio difícil de não ter certeza, não acha? Ele era um espião soberano, ou foi arrastado por animais, ou os soberanos decidiram que ele merecia uma cremação digna. — Retruquei naquele mesmo tom que ela teve ao perguntar.
— Você não sonhou com nada na noite passada..., mas estava sonâmbulo, ficou parado na porta. - Anne parou de andar, Suzanne quase esbarrou em seu corpo pela parada brusca que ela nem sequer entendeu o motivo.
— Eu não dormi. Não estava sonâmbulo, estava acordado. — Respondi, ajeitando a mochila em meu ombro.
— Devia ter dormido, poderíamos ao menos saber se os soberanos estão atrás de nós. - Anne estava uma pilha de nervos, embora sua cabeça estivesse melhor com o curativo de sua mãe, ela não havia pregado os olhos a noite, assim como eu.
— Eu não sou a porra de um oráculo, meus sonhos já erraram, não fique contando com isso.
— Já chega! Vocês dois mesmo sendo adultos ficam discutindo como crianças! Estou velha! Já está chegando ao meio-dia e quero achar ao menos uma gruta sem goteira sobre a minha cabeça, então a não ser que vocês queiram discutir comigo nas costas de alguém, é melhor continuarmos andando.
— Desculpe, Suzanne... — Dissemos em uníssono.
Anne passou a andar do meu lado e Suzanne ao lado dela. Hora ou outra ela me empurrava com o ombro em tom de brincadeira, até que Suzanne avistou fumaça acima das árvores na linha do horizonte. Nós paramos, a beirada de uma montanha que coincidentemente havia uma caverna, mais como um buraco não muito fundo que cabia três pessoas deitadas.
— Pode ser outra vila. - Disse Suzanne.
— Melhor não pararmos lá. Vamos seguir até achar uma cidade grande onde podemos nos misturar. Alguma residência de um dos pilares já ia ajudar. - Eu soltei a mochila na caverna, sentindo alívio do peso nas minhas costas. Anne fez o mesmo, suspirando enquanto ajudava Suzanne a se sentar em uma pedra.
— Pela fumaça pode ser uma cidade grande. Ouvi na vila que aqui perto pode ser a residência do pilar do general soberano. Ele deve morar ali, devemos ter cuidado. - Anne tirou a faca da cintura, a cortando um pedaço de carne desidratada e colocando na boca.
— General soberano... O mais tirano e insano da linhagem Krav... mais um motivo pra ficarmos por pouco tempo ali e escondermos nossas marcas muito bem. - Suzanne apontou o braço de Anne, vendo a tatuagem de triângulo idêntica à minha. - Ele não deve gostar de soldados desertores...
— Que se dane o que ele gosta. Vamos ficar seguros se nos tornarmos mercadores, podemos caçar e vender peles, ouvi grunhidos enquanto andávamos, lobos talvez? Vendem bem. — Eu sorri levemente esperançoso, mas sabia bem que aquela esperança seria apagada por uma das duas, ou talvez só pelos acontecimentos dali em diante.
Anne sorriu também, tocando o meu rosto como se tivesse acabado de ouvir uma ideia tola de uma criança, o que me deixava furioso, mas não demonstrei. Recolhemos nossas coisas ali, me aprontei a pegar lenha, Anne a fazer um arco improvisado, abatendo pássaros para nosso almoço atrasado as luzes estrelares e as nossas duas lindas luas que brilhavam azuladas no céu da tarde. A atmosfera não era tão densa no nosso planeta, podíamos ver claramente as constelações a luz do dia e a olho nu, e as luas estavam sempre lá, embora toda essa beleza resultou em uma vasta lista de doenças respiratórias que os humanos ainda não haviam se acostumado.
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Trono de Morfeu
RomanceNessa distópica história, Aleksander descobre fragmentos de seu passado que o fazem questionar suas próprias origens em uma jornada de amor, ódio e vingança. Sua sobrevivência está nas mãos de seus próprios sonhos e de pessoas capazes de fazer qualq...