Prólogo

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Eu não faço ideia de que horas são, mas sei que estou a horas aqui. O sol já passou do ponto laranja, o céu está em um tom rosado, lindo, aliás, mas ele só faz o papel de fundo.

Meus olhos estão paralisados, encarando a lápide do meu avô, ou melhor, encarando a frase que estava escrita no topo da pedra.

"Para os Reis, o mundo é simples", eu sei que o vovô não batia muito bem das ideias, mas eu também sei que ele não escreveria algo sem sentido em um lugar tão importante. Meu avô era único, não louco.

A frase completa é "Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito mais simples. Todos os homens são súditos."
A parte favorita do velho Choi do livro O pequeno príncipe, escrito por Antoine de Saint-Exupéry.

Soo-Jin está arrancando flores de diferentes cores e tamanhos de outras lápides e colocando em volta da que eu tanto observo, ela faz isso sem mostrar alguma expressão como se praticasse isso a vida toda.

Eu falei que queria vir sozinha, mas ela insistiu em me acompanhar, pois de acordo com ela, eu iria ficar três horas chorando e brigando com o espírito do velho, o que realmente era verdade.

Eu tive que aceitar. Como ela me conhece tão bem?

Meu pai deveria estar aqui, mas é a cara dele arranjar uma desculpa dizendo que precisava estar em uma importante reunião com gente importante, típico de adultos.

— É melhor irmos agora, está escurecendo bem rápido.

A mais velha pegou a minha mão dando leves puxões.

— Finalmente vamos poder estudar no mesmo colégio novamente.

Balancei a cabeça lentamente e sem vontade.

— Hae... Tem algo te incomodando?

Suspirei tentando juntar forças para contar que eu não acreditava que meu avô havia sido levado por uma causa tão simples assim, mas apenas juntar suspiros não era o suficiente para desabafar.

— Não é nada, só sinto saudades dele.

— Ele foi o adulto mais incrível que eu já conheci. Quem diria que um homem com mais de trinta anos que não tem algum tipo de interesse em dinheiro ou que nunca frequentou sequer uma reunião super importante com pessoas importantes respirava nesse planeta? Ele morreu feliz e sem rugas de preocupações. Não é?

Balancei a cabeça concordando, o que deixou um silêncio pouco estranho entre nós e um suspiro da parte dela.

A causa da morte aplicada foi parada cardíaca, mas há três dias atrás, cinco homens armados, vestindo ternos pretos, assim como nos filmes, apareceram na cabana do vovô. Eles o carregaram para dentro de uma van preta com o símbolo do governo.

Eu os vi de longe e corri o mais rápido que pude, pensando que podia impedi-los, mas não consegui nem sequer alcançá-los.

Eu guardei isso para mim e não vou contar para ninguém. Eu vou descobrir o que aconteceu com o vovô e por quê.
Se o pai estiver envolvido com alguma coisa disso, eu juro que vou fazê-lo pagar mesmo que isso atrapalhe no seu cargo de prefeito.

— Quem vai estar no colégio que nós conhecemos? - tentei puxar assunto, quebrando o silêncio entre mim e a mais velha ao meu lado.

— O meu irmão, o Min-Ho, o Sun-Joon-

— Sun-Joon? O famoso Ko Sun-Joon também?

— É...

— Isso quer dizer que o trio dos veteranos boxeadores vai estar estudando na mesma escola que eu? Como isso pode ser possível?

— Maaas — eu odeio esse mas — como felicidade dura pouco, a Kim Hyo-Jina e a cadelinha de apartamento dela vão estar lá também.

Eu bufei. Coloquei o dedo indicador na ponta do nariz e a levantei tentando afastar o estresse. Estava bom demais para ser verdade, por que eu estava tão animada mesmo? Não lembro.

— Se anime, não é como se elas fossem ficar o tempo inteiro grudadas nos nossos pés.

— Você está indiretamente falando "o que pode dar de errado?", e dá sempre errado.

— Tudo bem. Mas não fique estressada, amanhã é o seu primeiro dia no ensino médio, concentre-se nisso e pode ter certeza de que nenhuma cadela de apartamento vai latir para você. Eu mesma já consegui passar pelo primeiro ano.

— E eu me pergunto como.

Recebi um beliscão no braço em troca.

— Te vejo amanhã.

— Te vejo amanhã — confirmei, virando de costas para ir em bora.

Estava muito escuro, meu pai, em vez de fazer um bom trabalho como prefeito e colocar postes com luzes nos bairros, fica fazendo reuniões uma atrás da outra que não resultam em uma mísera utilidade.

Eu atravessei a rua e comecei a ouvir gritos, gemidos de dor e barulhos de luta, ou melhor, barulhos de socos e tapas. Corri em direção de onde vinham os sons. Um beco, que assim como as ruas, estava escuro, escuro demais para conseguir enxergar quem estava ali.

Acendi a lanterna do celular e apontei para o fundo das paredes. A luz refletia em seus olhos castanhos, mas logo ele se contorceu, colocando a mão no rosto para se cobrir, então eu abaixei o celular para seus olhos não doerem. Mesmo assim, eu pude perceber que era um homem e estava sozinho.

Apontei a luz para o seu corpo procurando algum tipo de machucado e percebi que a sua calça estava rasgada na ponta e que o seu tornozelo estava sangrando muito.

Eu conseguia escutar seus pés tremendo no chão e a sua respiração ofegante. Suas roupas eram pretas e ele tinha uma máscara com grades idênticas às que colocam em um cachorro quando ele fica raivoso.

— Você precisa de ajuda?

Ele permaneceu quieto, mas eu não fui embora, fiquei e entreguei minha mão a ele. O homem finalmente havia retirado as mãos trêmulas do rosto, revelando seus olhos novamente, mas dessa vez eles trocavam de cor do marrom ao cinza. Cinza?

— Eu não quis te assustar. — A sua voz era rouca, até demais, parecia que sua garganta estava seca e que não toma água há dias.

— Eu não quis ter me assustado.

E por um momento que pareceu sete, nos encaramos. Parecia que eu podia sentir a sua respiração, parecia que eu podia escutar o seu coração batendo. E por algum motivo, eu sentia que o meu coração e o dele estavam sincronizados, tocando a mesma música, na mesma batida.

De repente, ele grunhiu alto, colocou as mãos na cabeça e começou a se debater. Parecia estar com muita dor, e realmente, as veias que se localizavam no canto da testa começaram a aparecer em uma cor preta.

— O que está acontecendo? Vamos a um hospital.

Ele me jogou no chão, me afastando e os seus gritos se tornaram rosnados, não sei se era porque ele estava rouco ou se ele estava enlouquecendo.

Antes que eu pudesse me levantar, escuto passos atrás de mim e quando me viro vejo um homem de terno com uma arma na mão. Ele bate a ponta da pistola na minha cabeça e tudo fica mais escuro do que já estava, eu havia apagado.

Quando acordei, ainda estava escuro, mas a lanterna iluminou o suficiente para eu enxergar que não mais havia ninguém no beco, olhei para um lado e depois para o outro, nada.

Por um momento, pensei que eu tivesse alucinado, mas piso em algo duro, o objeto felizmente não se quebra, miro a luz no mesmo para enxergar melhor e ele brilha, assim como os olhos do homem de antes, era um anel um pouco enferrujado, a mesma cor dos seus olhos.

Parece um anel de casamento, sem muitos detalhes, com um brilho encardido de semelhança com bronze. Fiquei em dúvida se era feito de ouro e estava sujo ou era de bronze mesmo. Será que ele é casado? Talvez ele tenha terminado e bebeu demais para ficar daquele jeito. Talvez.

Coloquei o objeto no bolso e voltei para casa. Se eu encontrar aquele homem novamente, eu irei devolver, mas até lá ele fica comigo.

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