prólogo;

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— Amigos! Vocês se lembram daquela televisão enorme que estávamos falando há semanas!?

Esta sou eu, com um enorme sorriso no rosto ao abrir uma fresta da porta do apartamento que divido com meus melhores amigos. Esgueirei o pescoço para dentro, para que eles pudessem enxergar apenas o meu rosto animado.

É um grande dia, sem dúvidas. Tive ainda mais certeza quando Hinata se engasgou com a sua xícara de café, Sai me observou de olhos arregalados, e Ino pulou do sofá com o mesmo sorriso que o meu.  Os três atraídos pela felicidade genuína que eu ofereço.

E olha que eu não ofereço muitas coisas.

— Foi por isso que você demorou tanto? — murmurou Ino. — Não me diga que...

— Exatamente! — Sem conseguir controlar minha própria ansiedade, agarrei a maçaneta da porta e a empurrei com toda a minha força, enfim revelando a novidade nos meus braços para os olhares curiosos. — EU ADOTEI UMA GALINHA!

Nem sempre a gente consegue agradar. Por exemplo, por alguma razão, Ino não estava mais sorrindo ao observar a ave nos meus braços. Muito pelo contrário, ela parecia quase horrorizada; Sai tinha uma confusão palpável nos olhos escurecidos — mas parecia extremamente cético, como se já esperasse isso de mim —, e Hinata feições brutas que variavam entre raiva e decepção. A pior parte foi quando ela finalmente se desengasgou com o café e cruzou os braços, me encarando.

Um pouco da minha felicidade se foi ali.

— Não consigo ficar surpreso. — murmurou o único homem ali. — Como pode eu sequer conseguir ficar surpreso?

Talvez nem homem ele seja.

— Não! — Hinata ergueu as mãos para o alto de repente, atraindo toda a atenção para si. — Eu me nego. Me nego a acreditar nisso. Você não está aqui e essa galinha não existe.

— Existe sim! — coloquei os dedos ao redor da cabeça da ave, como se estivesse tampando os ouvidos dela. — E tome cuidado com o que fala, ela pode se ofender.

— Você tapou os ouvidos dela? — Sai murmurou num tom decepcionado, como se aquela situação fosse o suficiente para ele.

— Galinhas têm ouvido? — um vínculo se formou no meio das sobrancelhas loiras da Yamanaka. — Elas escutam, não?

— Creio eu que sim.

— Você adota uma galinha e não sabe se ela tem ouvido ou não!? — voltei a tapar o que quer que fosse os dois buraquinhos na cabeça da ave assim que a Hyuuga tornou a falar. — Será que podemos focar no fato de que a Sakura sumiu por 8 horas e voltou com uma galinha? 

— Alguém está surpreso? — apesar de isso dizer muito sobre o meu caráter, eu perguntei sem um pingo de ironia. Uma parte de mim morreu quando Ino e Sai acenaram negativamente com a cabeça, mesmo que meu ponto tivesse sido provado — Está feito. 

— Pois desfaça. — Hinata abriu os braços, exasperada. — Onde é que essa galinha vai... dormir? — os olhos da Hyuuga finalmente pareceram dobrar de tamanho, à medida que ela absorvia todos os detalhes da história e focava num ponto cego no meu rosto — Sakura, minha amiga, mana. Onde você planeja... criar essa galinha, mesmo? 

Agora, todos os três pares de olhos me encaravam com atenção.

Que momento agonizante. A notícia de que o novo membro da família é uma galinha deveria ser motivo de felicidade. Imagina o quão emocionante seria ter uma ave de estimação para uma família de lobos, por exemplo. 

Seria a felicidade deles.

Seria o jantar também. Esse que é o triste. Mas Dona Gisele jamais será feita na panela com manteiga e batatinhas sob a minha guarda.

Ela será amada.

— Amiga, essa galinha...

— Gisele. — sorri na direção de Ino. 

Os três permaneceram em silêncio.

— Eu estou com raiva de você. — Sai cruzou os braços, parecendo inconformado. — Você deu um nome pra galinha?

— Sim. — a trouxe para um pouco mais perto do meu rosto, esfregando minha bochecha nas penas amarronzadas. 

Sou uma mãe orgulhosa da filha que tenho.

— E ela se chama Gisele?

— Sim.

— Por quê?

— Por causa da modelo brasileira. — expliquei, a tempo de ver Ino abrir a boca embasbacada; Hinata apertar a ponte do próprio nariz e Sai finalmente expressar alguma reação. 

De raiva.

— Deveriam proibir gente como você de sair por aí!

— Não precisa pegar tão pesado, Sai. — Comentei por cima, secretamente apertando Gisele entre os meus braços, demonstrando o quão amada ela é. — Eu estou bem e sã.

— Você trouxe uma galinha para o nosso apartamento, Sakura — murmurou a Hyuuga.

— Que também está bem e sã, Hinata. — Dei de ombros, caminhando o suficiente para me sentar no encosto do sofá. 

Porém, neste exato momento, Gisele pareceu se assustar com a movimentação –ou com as energias negativas– e tentou voar para fora do meu colo. Por ser uma galinha, um animal meio burro, ela não soube bater as asas e acabou caindo de cara no chão, se esgoelando a ponto de assustar Sai e Ino, que deram alguns passos para trás e gritaram mais alto que a própria galinha.

Hinata apenas permaneceu petrificada, fitando a Dona Gisele com ódio no olhar.

Assim que a galinha finalmente se recompôs, ambos ficamos em silêncio. Um silêncio constrangedor que me fez perceber todos os olhares julgadores direcionados a mim e a minha filha. 

Estalei a língua no céu da boca, sorrindo amarelo.

— Querem saber? Eu não quero que a galinha se sinta constrangida. Vamos todos cair no chão.

— Você enlouqueceu de vez, Sakura!?

— Todo. Mundo. Caindo. No. Chão. — murmurei num tom ameaçador — AGORA.

Cruzei os braços, esperando que todos se juntassem a Gisele no chão. O que não aconteceu; na verdade, quase fui agredida no momento que Hinata passou por mim como um furacão indo direto para a cozinha. Engoli em seco, percebendo como Ino e Sai não pareciam nada diferentes da Hyuuga. 

Aposto que eles planejam comer a penosa.

— Você não respondeu a minha pergunta! — Hinata apontou acusatoriamente para mim, enquanto praticamente esvaziava uma garrafa de Coca-Cola em segundos. É a maneira dela de se acalmar.

Apenas rolei os olhos.

— Você devia parar com essa mania estranha. 

— Não ouse questionar os meus métodos. — ela se apoiou na divisa da sala com a cozinha. — Principalmente quando estou rodeada de problemas. 

Ergui uma sobrancelha, a encarando de soslaio.

— Problemas? Hinata Hyuuga não tem problemas. — ofereci um sorriso confiante e uma frase de efeito para que, talvez, ela se esquecesse do fato de que tem uma galinha na casa e simplesmente se acostumasse com a ideia. Dona Gisele precisa de um lar. Ela já tem. 

Mas Hinata não precisa saber disso. 

— Sua galinha é um dos problemas, Sakura. 

Droga.

— Mas afinal, por que você está de tão mal humor? — cruzei os braços na altura dos seios. — A galinha não vai ser um incômodo. 

— Você pretende assar ela? — Sai questionou com os olhos brilhando em expectativa e um sorriso sarcástico pintado nos lábios. — Adotou para não ter que gastar dinheiro no mercado. Que perspicácia! 

Muda. Eu permaneci muda diante de tanta violência.

Antes que ele pudesse fazer algo contra a propriedade física da penosa, corri até ela e a peguei de forma protetora — contra os olhos assassinos de Sai. O sorriso dele apenas pareceu aumentar diante do meu desespero, como um lobo que assiste o veado tropeçar na floresta querendo não ser devorado. 
 
Engoli em seco, semicerrando o olhar na direção dele e empunhando ameaçadoramente a colher que estava no balcão que Hinata estava apoiada — Fique longe dela! 
 
— Claro que eu não vou chegar perto dessa nojenta. — ele deu de ombros ao se sentar no sofá. — Ela ainda está muito magrinha. 

— Concordo. — escutamos a Yamanaka dizer. 

A olhei com os olhos arregalados.

— Você concorda com isso?

— Com a violência animal? Não. Mas é um jeito de economizar dinheiro. Prometer amor e carinho para a galinha, e apresentar a faca assim que ninguém estiver vendo. — Ela deu de ombros, como se não estivesse comentando um crime. — Fique de olho sempre, Sakura.

— Vocês são perversos. — murmurei, estando na linha tênue entre a passividade e a histeria. — A galinha fica! 

— A galinha não fica! — eles retrucaram em uníssono, desviando o olhar da televisão apenas para poderem me encarar com raiva. 

Quero ver quem vai me impedir de viver com essa galinha.

— O único jeito dessa galinha viver aqui é sabendo que ela vai virar canja quando eu estiver gripada. — murmurou a Hyuuga, exibindo um sorriso assustador no final da sua sentença. 

Enquanto isso, a galinha pacificamente nos assistia.

Ela é tão pura.

— Você não era assim, sabia? — comecei receosa, caminhando em passos largos até o sofá. Assim que eu me sentei, a Hyuuga se virou para me encarar. — Eu tenho fotos de você sendo voluntária no abrigo para animais. 

— Nenhum deles eram galinhas.

— Independente. — sorri convencida. — A galinha continua sendo um animal. 

— E minha comida se continuar no apartamento. — outro sorriso brotou nos lábios naturalmente rosas dela.
 
Esse um pouco mais maldoso que o anterior. Eu temo pela vida da minha galinha.

Uma galinha sempre é demais!Onde histórias criam vida. Descubra agora