O Edifício Central era a maior construção da cidade. Com seus imponentes dez andares, era comandado pelo representante de Alathea.
Todas as cidades tinham seus representantes e cada um de acordo com a Linhagem pertencente. Quer dizer, menos Alathea. Apesar de ser a cidade oficial dos Receptores, jamais colocariam um no poder. Então, quem comandava, no momento, era um Sussurrador, Samuel.
Kayla estava logo em frente ao Edifício acompanhada do pai e da mãe. Misael usava mais casacos do que o normal para a temperatura que fazia, mas era necessário. Não havia se recuperado e não queria piorar seu caso. Chamavam essa condição de febre glacial, muito semelhante a uma gripe. Raramente contagiosa, mas quando acometida, a pessoa ficava gelada, passava a sentir muito frio e uma enorme fraqueza.
Kayla viu que sua família não era a única ali e sabia que todos eram Receptores porque o silêncio reinava por todo o lugar.
Estava prestes a entrar quando escutou o pai começar a tossir. Voltou imediatamente para ampará-lo.
Como não podia falar, Misael direcionou um olhar de que estava tudo bem.
— Não está tudo bem! — Iridia mexeu a boca sem proferir som. — Vamos entrar para acabar logo com isso...
Iridia segurou a mão do marido assim que entraram no Edifício. Kayla ficou um pouco para trás tentando esconder sua preocupação.
Kayla não se lembrava da última vez que esteve ali dentro. Nem tinha como, afinal isso aconteceu quando era um bebê.
As Linhagens viviam misturadas, apesar de cada uma ter sua cidade de origem. Como já mencionado, Alathea era a cidade oficial dos Receptores e se algum nascesse em Mírade, por exemplo, teria que vir para ser registrado em Alathea. Era tipo uma forma de controle. Uma forma controladora e desgastante.
— Todos os Receptores convocados me acompanhem. — Um homem alto ordenou, tirando Kayla de seus pensamentos. Assim de vista, Kayla não conseguiu identificar a qual Linhagem ele pertencia, apesar de certamente não ser um Receptor.
— Vocês serão levados ao segundo andar, onde deixarão uma ficha com o nome e a foto que tirarão.
Kayla praticamente pôde sentir a pergunta que pairava sobre todos ali e que não poderia ser proferida em voz alta: para que a Família Real iria querer isso?
Ao chegarem no segundo andar, mais algumas pessoas apareceram. Uma mulher utilizando um uniforme do Edifício começou a falar:
— Quero que formem cinco filas. Quando a pessoa que estiver na sua frente sair de dentro da cabine, será sua vez de entrar. Nada de sorrir para a câmera.
E por que iríamos sorrir? Kayla questionou internamente.
Ficou em uma fila atrás da mãe enquanto o pai fora direcionado para a fila ao lado.
Iridia olhou para o marido e sorriu, mas foi impedida de continuar quando um guarda passou ao seu lado.
— Não está pensando em falar alguma coisa, não é, Receptora? — Era palpável o sarcasmo na voz dele. Infelizmente, Iridia só pôde responder de uma forma: acenando que não com a cabeça.
Kayla cerrou os punhos, sentindo uma raiva absurda subir por todo seu ser. Não queria deixar aquele homem falar assim com sua mãe.
Sentiu uma mão afagar seu braço e deu de cara com o sorriso da mãe em sua direção, claramente dizendo que estava tudo bem. Kayla piscou algumas vezes e respirou fundo tentando se acalmar.
A fila foi andando de forma vagarosa. Kayla girou no lugar algumas vezes tentando ler as expressões de quem estava por ali, mas era sempre a mesma coisa: todos pareciam confusos e ansiosos.
Quase não percebeu quando chegou sua vez, mas a claridade que caiu sobre seu rosto quando alguém abriu a porta da cabine chamou sua atenção. Entrou se sentindo tensa. Havia uma mulher que não aparentava ter mais do que trinta anos atrás de um tripé com uma câmera e mal expressava alguma emoção.
— Olhe diretamente para a lente. — A mulher ordenou de forma ríspida.
Kayla mal teve tempo de respirar fundo antes de um flash cegante ir de encontro ao seu rosto.
— Coloque seu nome completo e destaque o sobrenome da sua família.
Kayla teve que piscar algumas vezes para retomar o foco de sua visão e realizar o que foi ordenado. Pegou a caneta que estava por cima de alguns papéis e preencheu onde a mulher mandou.
Quando saiu da cabine, não encontrou nem a mãe e nem o pai. Devem tê-los mandado ir para fora, pensou. E, realmente, os encontrou do lado de fora, ambos com os braços cruzados e expressões preocupadas.
Tomaram o caminho de volta em um silêncio que parecia querer dizer tudo. Assim que colocaram os pés dentro de casa, Iridia foi a primeira a se manifestar:
— O que foi aquilo? Tiraram nossas fotos assim sem mais nem menos. A gente tinha direto de, pelo menos, uma explicação!
— Você leu na carta. É ordem da Família Real. Eles nunca dão satisfação de nada. — Misael disse. — Vamos ficar tranquilos. Não deve ser nada demais. — Apesar das palavras tranquilas, o rosto de Misael não acompanhava o mesmo.
— Vocês demoraram. — Derek falou ao vê-los. — Aconteceu alguma coisa?
— Só a demora de sempre quando nos atendem naquele Edifício. — Iridia tentou fazer pouco caso em frente ao filho. — Onde está sua irmã?
— Ainda dormindo. Ela acordou com um pouco de tosse e estava gelada. — Derek respondeu. — Eu queria ir chamar vocês, mas duvido que iriam me deixar entrar no Edifício.
Iridia e Kayla largaram a bolsa e foram rapidamente para o quarto. Kianne estava tampada até a cabeça.
— Ei... — Kayla cutucou a irmã quando se aproximou e se sentou na cama.
Kianne descobriu a cabeça e olhou para a irmã. Kayla colocou a mão em sua testa e constatou o que temia. A pele da Kianne estava fria como gelo. O primeiro sintoma de uma febre glacial.
De um modo geral, essa febre não é contagiosa, mas há exceções. Normalmente, esse tipo passava para pessoas com o organismo fraco, entre outras complicações. Não tinham um médico decente para diagnosticar isso em qualquer um deles ali, mas faria sentido se alguém da família estivesse com a imunidade baixa... Raramente tinham uma boa alimentação.
— Derek, pode me alcançar o remédio do papai? — Kayla pediu.
Derek assentiu com a cabeça e correu para o quarto dos pais buscar o que a irmã pedira.
— Oi, minha princesa... — Iridia se sentou na cama. — Logo você vai ficar bem, ok? — Prometeu enquanto tentava acalmar a crise de tosse que se abatera sobre Kianne.
Infelizmente, essa promessa não foi reforçada, até porque o pai estava tossindo da mesma forma na sala e pôde ser ouvido ali do quarto. Mesmo assim, Iridia se manteve firme com o que dissera.
Depois de tomar o remédio, Kayla, Derek e Iridia deixaram Kianne descansar.
Ao ficar sozinha com a mãe na cozinha, Kayla disse:
— Agora não dá para continuar evitando... Precisamos urgente de antibióticos.
— Eu sei, minha flor... Mas o que podemos fazer? Não temos dinheiro. — Iridia retrucou com pesar.
— A culpa é minha... — Ouviram Misael dizer. — Eu não deveria ter ficado em contato com nenhum de vocês.
— Claro que você não tem culpa. — Kayla repreendeu. — E jamais deixaríamos o senhor na rua ou em qualquer outro lugar. Eu vou procurar alguma coisa amanhã. Deve ter alguém precisando de Receptor em Alathea.
— Kayla... — o pai tentou opinar.
— Pai, por favor! — Kayla praticamente implorou. — Vocês precisam disso e eu vou conseguir. Não é problema nenhum para mim.
Misael suspirou, logo em seguida recebendo um sorriso carinhoso de Kayla.
Sabia da dificuldade que seria arrumar alguma coisa por ali, mas Kayla havia decidido que faria isso. Precisou fazer um teste de imunidade antes do último trabalho, então sabia que era a única que se veria livre disso. Não podia deixar nada de ruim acontecer com sua família se pudesse evitar.
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Linhagens da Lua
FantasyEm um mundo distópico, quatro linhagens ocupam as terras de Camellia: Historiadores, Transformadores, Sussurradores e Receptores. Através das gerações, os Historiadores ocuparam o trono justamente por terem forte poder e influência sobre a história...