Refúgio

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Camisa rasgada, calça suja, tênis sem cadarço, cabelos negros e bagunçados e a pele era branca como o brilho do sol, jamais poderei comparar como a neve, pois esta é delicada, mas ela sentada olhando para o outro lado do lago deixava o vento levar toda sua inocência, a fumaça do cigarro saía sem um toque de delicadeza, ela assoprava cada vez mais rápido quando imaginava que não deveria ter nascido, tira o esqueiro do bolso e ligeiramente ascende todos os cigarros dentro da caixa, abre a carteira tirando todo o dinheiro que havia recebido uns minutos atrás, olhando para as pontas do cigarro e ao mesmo tempo sorrindo, mas aquele sorriso era diferente, não era simples, muito mais complexo que qualquer linguagem, encontra os cigarros com as notas que estavam em suas mãos, as fumaças surgem, o cheiro lhe satisfaz, ela não conseguia entender o por quê de valorizar uma nota de papel pintada, ela queria apenas viver sem ter que arranjar dois filhos e um cachorro, ela queria acordar todas as manhãs e sair sem destino de volta, ela queria fazer uma tatuagem no pulso, mas sem lhe chamarem de puta, ela queria trocar de emprego todos os dias sem ter que seguir uma rotina, ela queria ter pais honestos e amigos filhos de uma puta, suas lágrimas começam a cair sobre as notas, ela já não aguenta, empurra todos os cigarros contra a outra mão até sentir arder e cada vez mais forte, ela queria dor, depois de estar tudo apagado, joga algumas cinzas e o dinheiro queimado que já não é mais nada sobre o chão, levantando e olhando para o lago queria apenas chegar ao outro lado, queria saber se o olhar de lá era mais belo, o sangue da queimadura escorre envolvendo suas unhas pintadas de branco até pingar sobre as águas em que atravessava dando um toque de loucura e ao mesmo tempo de refúgio, seus passos ficam cada vez mais lentos ao envolver-se nas areias, a água cobre seu corpo e ao tocar sua boca naquele lago gelado seus olhos se fecham e então ela encontra a liberdade, seu cabelo amarrado se desmancha, a sujeira de sua calça espalha, o sapato solta, a camisa abandona-lhe para ir as profundezas, tudo que ela queria tinha encontrado, sorrindo loucamente como se nada estivesse acontecido e ao mesmo tempo estivesse descoberto a razão do tudo e todo, ela ouve pessoas pedindo para que parasse e ficasse quieta, mas são apenas múrmuros de fracassados, seus olhos fixam ao sol fazendo-lhe fechar, lá está ela exatamente onde queria estar, isolada de toda imundice, escárnio, mentiras e manipulações, longe do sistema de controle de vidas, as paredes de cimento e grades enferrujadas lhe deixavam mais feliz, assim ela poderia saber que estava livre de tudo e todos.

Conto das 3Onde histórias criam vida. Descubra agora