"Chi lascia la strada vecchia per quella nuova, sa quel che perde ma non sa quel che trova" - Quando se deixa algo conhecido por algo novo, vai-se para o incerto.
Uma fatia de luz pálida vazava pela fresta na cortina blackout que revestia a janela do quarto, apenas o suficiente para que os olhos de Alessia, acostumados com a escuridão, identificassem todos os objetos no pequeno cômodo. Do lado de fora, o amanhecer parcialmente obscurecido pela névoa densa que embaçava o vidro anunciava, com uma nota de melancolia, os prelúdios de um dia chuvoso.
As fotografias em preto e branco de paisagens urbanas nas paredes tingidas de azul ciano não passavam de borrões indistintos na baixa luminosidade, algumas tão escurecidas que deixavam de fazer sentido, enquanto outras assumiam formas bizarras, mais semelhantes a criaturas repletas de olhos e dentes do que com prédios parcialmente escondidos atrás de oliveiras açoitadas pelo vento.
Uma estante de madeira rústica ocupava o canto oposto a cama de solteiro, repleta de livros de arte, alguns clássicos que Alessia poderia apostar que nunca foram lidos — não existia a menor chance de Elise Albero ler qualquer coisa que não estivesse em braille, e nenhum dos seus netos olharia duas vezes para A Divina Comédia, O Príncipe ou, ainda, Zibaldone di Pensieri — e muitos guias de viagem, com um velho toca-discos e uma coleção de vinis dos anos 60 ao lado, que pertencia a sua avó desde seus tempos de menina.
Os lençóis de linho branco e a colcha azul celeste revestindo o colchão combinavam com as paredes e o teto, e um vaso com gerânios frescos acrescentava um singelo salpicar de cores quentes sobre a mesa de cabeceira. O guarda-roupa ao lado estava vazio, visto que as malas de Alessia permaneciam intocadas desde sua chegada.
Tudo quase perfeitamente visível, apesar da escuridão que a abertura na cortina não era capaz de afugentar por completo e, mesmo assim, a figura que espreitava do outro lado da porta entreaberta permanecia incógnita enquanto observava, imóvel, cada respiração de Alessia.
— Nonna? — ela chamou, tentando encontrar alguma semelhança com sua avó naquela figura.
Mas a estranha silhueta lembrava mais a sombra disforme de algo deformado, além de ser alta e esguia demais para pertencer a uma idosa roliça de 1,50 metros de altura. Alessia recuou um passo para trás.
A coisa a observava pela fresta com um olho arregalado que ela demorou para distinguir, segmentos de veias vermelhas se espalhando no globo ocular como se não piscasse a horas. A íris marrom estava trêmula como se mal fosse capaz de conter seu ódio, e a pupila contraída parecia prestes a desaparecer. Todo o restante de seu corpo era apenas uma sombra, escuro e indefinido.
Alessia permaneceu imóvel por um longo momento, tentando discernir se estava realmente vendo algo ou se era apenas sua mente brincando com ela. Mas a figura não se moveu, apenas observava com aquele único olho raivoso.
Àquela altura, o coração de Alessia batia rápido contra as costelas, a respiração acelerando fora do controle. Alguém teria invadido a casa? Se fosse o caso, por que não fazia nada quando era óbvio que ela podia vê-lo? Onde estava sua avó? Ela estava prestes a gritar quando a porta rangeu suavemente, se abrindo sozinha como se empurrada por uma brisa leve.
Alessia deu um pulinho amedrontado, do qual se envergonharia mais tarde, e piscou. O corredor escuro diante dela parecia totalmente vazio, nenhum sinal do olho ou de alguma sombra suspeita. Seus dedos tremeram mais do que ela teria admitido a qualquer um quando se aproximou do interruptor ao lado da porta.
A lâmpada acendeu obedientemente, iluminando o quarto de visitas de Elisa Albero e afugentando uma boa parcela dos tremores de Alessia. As fotografias nos quadros pareciam exatamente o que deveriam parecer, sem olhos distorcidos e incisivos afiados se precipitando através deles. O corredor adiante, no entanto, não passava de um arco estreito, envolto em uma escuridão completa e paralisante.
— Nonna? Está aí? — Ela tentou outra vez, sua voz soando mais corajosa do que se sentia.
Não houve resposta.
Alessia engoliu em seco e deu um passo para fora do quarto, hesitante.
O breu do corredor envolveu-a como uma névoa densa, quase compacta. Seus olhos não conseguiam ver nada enquanto avançava no escuro, os pés descalços contra o piso de madeira fria e as mãos cuidadosas tateando a parede ao seu lado. Alessia só percebeu que prendia a respiração quando o ar lhe fez falta nos pulmões.
Ela se perguntou se deveria chamar outra vez por sua avó, gritar seu nome até que ela ouvisse e viesse em seu socorro. Mas não queria preocupá-la caso fosse apenas sua imaginação correndo solta, talvez a noite mal dormida e o pesadelo com a igreja lhe pregando uma peça.
Foi então que um movimento no final do corredor chamou sua atenção. Uma das portas laterais se abriu em um solavanco, emitindo um brilho suave que vazou para o corredor. Não muito, mas o suficiente para que a sombra, se deslocando lenta e cuidadosamente para dentro do cômodo, se fizesse parcialmente visível.
Com o coração na garganta, Alessia seguiu cautelosamente a figura, seu medo misturado com a esperança de ser ninguém mais que Elisa tateando os armários em busca de cobertores extra para aquela manhã fria.
Ela parou em frente a porta entreaberta, respirando fundo antes de empurrá-la suavemente, tentando fazer o mínimo de barulho possível.
Tal como o corredor atrás de si, o quarto estava imerso nas sombras, exceto por uma vela derretida que mal servia para alguma coisa, mas que bastou para que Alessia pudesse distinguir uma silhueta caída no chão. Ela deu um passo à frente, a sensação de que algo não estava certo a dominando.
Então, a figura se revirou no piso e Alessia viu seu rosto. Era Marco, o menino dos seus sonhos, com os olhos vazios e a boca contorcida em uma expressão de agonia.
Um grito prendeu na garganta quando ela recuou, seu corpo tremendo de terror. Alessia se virou para fugir do quarto, mas algo a segurou pelo tornozelo, prendendo-a no lugar.
Uma mão cadavérica envolveu sua pele, dedos ásperos e finos como galhos secos se fechando com força o suficiente para quebrar um osso. Ela colidiu contra o piso gélido em um baque surdo.
— Não fuja, Alessandra. Por favor. Você tem que me ajudar — disse Marco, com uma voz distorcida e errada. Nada além de um chiado entrecortado escapando entre os dentes, tão rouco e desesperado que ela mal pode entender sua súplica.
O mundo girou ao seu redor quando ela sentiu sua pele murchar tal como a de Marco, os olhos secando dentro das órbitas e lançando-a na escuridão que a consumia. Naquele momento, ela soube que ainda estava sonhando, e seu pesadelo estava longe de acabar.
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Fora do Inferno
Siêu nhiênEm tormento devido a um trauma recente, Alessandra "Alessia" Albero se vê afligida por sonhos perturbadores. Buscando um escape, decide passar as férias na casa de Elisa, sua avó, em Fiera di Primiero, uma pitoresca cidade italiana. É quando se depa...