"Ad ognuno la sua croce." - A cada um a sua cruz.
Marco estava debruçado sobre uma pilha de documentos antigos, as sombras dançando nas paredes de pedra ao seu redor no mesmo ritmo tremeluzente da vela derretida pela metade ao seu lado, criando um contorno dourado ao redor de sua silhueta atarracada. Parecia absorto em sua nova descoberta, sequer levantando o olhar quando Teresa se aninhou em um montinho de cobertores atrás dele.
Na estreita janela do pequeno quartinho nos fundos da igreja, Maria se ajeitava em sua própria cama improvisada, o rosto pequeno transbordando tédio e preguiça.
Normalmente, as freiras não permitiriam que Marco dividisse um quarto com duas garotas, mas ele era apenas um menino, assim como Teresa e Maria eram jovens demais. A falta de acomodações na antiga igreja de pedras fora o bastante para que a Madre Superiora e o Padre Giovanni os permitissem aquela pequena regalia.
— Por que não acende a luz? — Teresa se apoiou nos cotovelos ossudos, tentando enxergar o conteúdo nas mãos de Marco com um interesse sonolento. — Não vai conseguir ler isso com a vela, as palavras estão borradas demais.
— Se deixarmos a luz elétrica acesa, a Madre Emília pode vir nos dar um sermão — Marco argumentou, falando baixinho. — Eles não podem descobrir o que estamos fazendo.
— O que você está fazendo — Maria corrigiu, estalando a língua.
— Vão nos punir igualmente — ele deu de ombros.
— Nesse caso, ao menos nos diga o que está lendo tão secretamente — os olhos curiosos da noviça brilharam na luz tênue da vela.
— São manuscritos antiquíssimos, datados de mais de dois séculos atrás — disse ele, entusiasmado. — Falam sobre uma garota que morreu durante um exorcismo.
— Ela estava possuída? — Teresa estremeceu em seu ninho de cobertores.
Marco começou a ler os papéis amarelados em voz alta.
— Beatrice Vacchiano — ele recitou o nome em um sussurro. — Quatorze anos de idade, pouca coisa mais velha que a gente. Era uma noviça retraída e falava pouco, mas começou a agir de maneira estranha certo dia, sem motivo aparente. Curiosamente, a Madre Superiora da época convocou um padre de fora para efetuar um exorcismo. Não vejo qualquer menção a respeito do padre que deveria ministrar a igreja.
— O que tinha de estranho no comportamento dela? — Maria parecia animada com a promessa de uma história sombria para iniciar a noite.
Teresa não compartilhava do mesmo entusiasmo, no entanto, e afundou um pouco mais nos cobertores.
— Não tenho certeza. — De cenho franzido, Marco avançou algumas páginas em busca da resposta. — Aqui diz que ela começou a falar sozinha e agir de maneira agressiva. Deixe-me procurar alguma informação mais detalhada.
Em silêncio, Teresa observava o contorno das costas de Marco no escuro. Não podia negar que sentia uma pontada de curiosidade sobre o que quer que tenha acontecido com Beatrice Vacchiano, mas não queria decepcionar Deus com um comportamento leviano.
Era certo que Marco deveria compartilhar daquele pensamento. Maria sempre foi a ovelha negra dentre os três, não o garoto que se tornaria padre um dia, mas a curiosidade parecia tê-lo abocanhado inteiro.
Ao lado dele, a vela tremeluziu como se alguém tivesse soprado, e Teresa tentou não pensar sobre isso enquanto o fogo criava um alvoroço de sombras dançantes contra as paredes antes de se apagar por completo, mergulhando-os na escuridão.
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Fora do Inferno
ParanormalEm tormento devido a um trauma recente, Alessandra "Alessia" Albero se vê afligida por sonhos perturbadores. Buscando um escape, decide passar as férias na casa de Elisa, sua avó, em Fiera di Primiero, uma pitoresca cidade italiana. É quando se depa...