E hoje eu sonhei com você
Parece que não dá pra te esquecer
No sonho eu te beijava até o amanhecer
Até o amanhecer
Quando eu acordei eu me senti sozinho
O meu coração virou quarto vazio
Ai ai ai eu penso em você demais
Do início do dia até o fim
Eu conto as horas pra você olhar pra mim
Ai ai ai e pra você tanto faz
Cê nem chegou e foi embora
Se for voltar só não demora
...
E hoje eu nem escondo mais
Eu quero estar onde cê está
Eu não me canso de esperar
(Diego Martins - música disponível no Instagram dele)
A mão grande de pele preta estava repousada na coxa direita enquanto o polegar ia e voltava numa linha horizontal imaginária sobre a pele branca. Trazendo um contraste de tons, uma espécie de possessividade misturada com afeto, uma espécie de local para descarregar o nervosismo misturada com impulso para dizer palavras não ditas. Os olhos castanho-escuros estavam fixados naquele ato. Os olhos castanho-claros estavam fixados no rosto do homem autor daquele ato.
— A nossa amizade é muito importante pra mim.
Amaury disse para a coxa de Diego.
Os dois estavam sentados lado a lado na beirada da cama do ruivo, a uma distância tênue.
As mãos pequenas antes só apoiadas no colchão, agarraram o lençol. Num ímpeto de quem sabe que algo muito importante está prestes a acontecer.
Você é muito importante pra mim.
O enorme polegar afundou na carne macia bem no momento da ênfase e depois continuou no vai e vem.
Diego engoliu em seco e inspirou, já sentindo as batidas do coração reverberando pelo pescoço e pela cabeça.
Eu tenho uma caneca...
A fala de Amaury foi interrompida por uma gargalhada gostosa do homem ao seu lado, daquelas que causam uma boa pressão na barriga e você inclina seu rosto pro alto como se estivesse oferecendo seu riso para os céus.
Demorou menos de segundos para que os dois estivessem assim.
Dois risonhos em uma sinfonia de gritinhos e de um som que lembrava uma chaleira.
Quando a risada foi se acalmando, os olhos deles se encontraram e aquele clima inicial de "desconforto" voltou a vibrar pelas entranhas e pelo ambiente.
A coxa voltou a ganhar atenção como antes. Aquele vai e vem fazendo uma linha horizontal imaginária, sabe?
— Desculpa. Pensei que fosse algo sério e do nada você veio com um papo de caneca, por isso eu ri.
— Debochado. Mas eu ia falar algo sério mesmo, vou falar algo sério.
As mãos do ruivo voltaram a agarrar o lençol.
Os olhos castanho-claros se concentraram bem na face do homem que tinham algo para lhe dizer.
Amaury começou a falar para a coxa:
Todos os dias eu bebo café com leite na mesma caneca. E eu achava que não usava outras porque essa já ficava na frente do armário, era a mais fácil de pegar.
Diego não estava entendendo nada, mas pensou que isso realmente era natural. Ainda mais na rapidez que a rotina exige. De qualquer forma, havia uma pequena parte de si ganhando espaço e o impulsionando a pensar uma coisa específica sobre essa tal caneca... ele afastou esse pensamento porque precisava se concentrar.
Contudo, o vai e vem parou.
A mão de pele preta só ficou ali, bem paradinha.
— É claro que também gosto dessa caneca porque ela tem a nossa foto e eu sempre soube disso. Mas não conseguia me desapegar da ideia de que ela só parecia muito amigável.
Por algum motivo, os olhos de Diego ficaram marejados. A visão ficou embaçada e a lágrima que caiu devolveu uma vista limpa. No fundo, bem no fundo, ele já sabia o que estava por vir.
O homem alto, de barba enorme responsável por sempre lhe dar uns "apertãozinhos", uns beijos e umas transas, não percebeu. Só continuou falando para a coxa:
— Era confortável porque eu tinha medo de amar muito essa caneca e de repente ver ela quebrando. Por outro lado, me dei conta que sendo um objeto muito conveniente ou um objeto que tenho profundo amor, eu sofreria se ela quebrasse. Porque não importava a ideia que eu estivesse tentando me apegar, o sentimento era de amor. Entendeu?
As mãos deram duas batidinhas na coxa, permaneceram ali e os olhos castanho-escuros encararam, finalmente, o rosto do homem ao lado. Se depararam com uma face úmida.
Perceber que o pequetito estava chorando fez ele chorar também.
O choro dos dois era calmo, daqueles em que as lágrimas escorrem bem rápidas, uma atrás da outra, mas você não emite som. Como se ainda não pudesse fazer isso porque falta algo a ser revelado.
Embora faltasse, Amaury perguntou de novo com a voz embargada:
— Entendeu?
Era muito difícil se declarar, por menos tímido que parecesse ser. As verbalizações caminhavam só até as safadezas, só até as amizades ou só até o amor de ser humano para com ser humano.
Diego só negou meneando a cabeça.
— Eu te amo. E é amor de homem pra homem. E eu quero ficar com você, só com você. E quero que você fique só comigo. Quero ser seu namorado, quero que você seja meu namorado. Entendeu agora?
Amaury já sabia que Diego queria isso, o ruivo já havia revelado pra ele em outro momento. Todavia, ele se privava de olhar para o pequetito daquela forma, não queria ver a caneca quebrada, ou melhor, uma amizade quebrada, um amor quebrado. Sabia muito bem que ele não conseguiria permanecer amigo de um ex, não de um ex que envolvia um amor daqueles que o riso dos dois juntos é oferecido aos céus.
Antes só queria o pequetito para si, sendo seu, sem que de fato fosse.
Obviamente, essa estratégia falhou. Trouxe tristezas, ciúmes e até um esfriamento da amizade. Não sabia lidar com aquele sentimento mascarado. E, apesar de toda essa fase sombria, ela foi necessária para arrancar a máscara.
O mercúrio retrógrado também trouxe uma música composta por Diego e inspirada nesse impasse amoroso. O mercúrio retrógrado também trouxe a resposta de Amaury e vice-versa:
— Sim, meu amor, eu entendi. É tudo que eu sempre quis esse tempo todo, é tudo que eu quero. Eu te amo.
O choro já não era aquele silencioso, sabe?
Secaram as lágrimas um do outro igualzinho aconteceu no primeiro dia em que eles foram no Domingão do Huck. E, por coincidência, destino ou qualquer outra coisa que rege o amor, a foto dos dois estampada na caneca era desse mesmo dia.
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Um Mercúrio nem tão retrógrado assim
Fiksi PenggemarE hoje eu sonhei com você Parece que não dá pra te esquecer No sonho eu te beijava até o amanhecer Até o amanhecer Quando eu acordei eu me senti sozinho O meu coração virou quarto vazio Ai ai ai eu penso em você demais Do início do dia até o fim Eu...