Em alto mar

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Barulhos de chuva se alastravam por todo o mar. Os sons causavam agonia por onde passavam, na parte inferior de um navio de carga, se avista um casal. Uma jovem mulher de cor, com um cavalheiro não tão jovem, um tanto mais velho. A mulher aparentava estar sentindo uma dor inexplicável, ela gritava pedindo socorro, mas seus pedidos eram abafados pelo som das ondas junto a tempestade.

- Estou sem forças, não irei aguentar...- disse a bela mulher, logo se deitando em um chão de madeira, molhado por conta da chuva, ela acariciava sua própria barriga, que estava bem grande, que vinha do fato de estar gerando uma criança, uma mulher de cor.. nem se escutassem iriam ajudá-la.

O homem que a acompanhava, se abaixou junto a mulher, segurando sua mão com força.

- Querida, vai ficar tudo bem, tenha forças, nosso filho irá nascer bem, forte e saudável, e se Deus quiser, com a pele clara para não sofrer o que estamos passando. - O homem diz, sentido com a situação de sua esposa. Enquanto seu ódio percorre suas veias ao escutar os senhores da parte exterior do navio, rindo e se divertindo, sobre as circunstâncias em que eles, pessoas de pele escura, enfrentavam lá em baixo.

Uma senhora, parecia estar lá há muito tempo, subiu à parte exterior do navio, e voltou com uma bacia repleta de água, com alguns mulambos, não tão limpos, mas eficientes. Abriu as pernas da jovem grávida.

-Quero todos os rapazes olhando para o lado oposto do parto, apenas o pai da criança observando. Sejam respeitosos sobre a situação em que estamos! - A senhora diz enquanto despeja a água nas partes da mulher.

Ao longe, depois de horas de tortura, se escuta um choro de bebê, porém, aquele navio, onde antes se levavam muitas pessoas em seu inferior, agora levava uma a menos, um peso morto.

Um garoto, de pele tão escura quanto brotos de café, um cabelo encaracolado, tal qual molas enferrujadas de óleo, este é, Sebastian. Enquanto seu pai lhe olhava em seu colo, lembrava de sua esposa, que agora, estava sem vida ao seu lado, por pura ganância branca.

- Que lindo, será um rapaz maravilhoso, e eu irei protegê-lo de tudo e qualquer coisa, sinto por ele ter nascido com uma pele tão escura, mas mesmo assim, ele é perfeito - o pai, José, falou enquanto admirava o seu querido filho, que agora, crescerá sem afeto materno.

Após minutos de gritos e choros, Sebastian adormeceu, e seu pai, sem saber o que fazer, esperou a primeira embarcação parar, deu a última olhada para sua esposa, gelada no chão gelado, retirou um cordão que ela carregava em seu pescoço para todo lugar, como algum tipo de recordação. E então, se esgueirou para fora, sem mais nem menos, ele fugiu, ou talvez, se libertou. Ele andou por muito tempo com seu filho nos braços, no entando, encontra rapidamente algumas caixas de papelão, e um restante de madeira.

-Pode não ser perfeito, mas será nossa casa, meu querido, Sebastian.. não pensei em um sobrenome para você, sua mãe adorava Bash, eu sempre preferi o meu, Palmas.. isso! Será isso, Sebastian Palmas Bash.- José soluça em meio suas lágrimas, acariciando o rosto de Sebastian.

Em frente, sua moradia, totalmente desgastada, imunda, seria um crime morar ali! Mas é ali em que os dois se alojaram, por muitos anos, até Sebastian completar seus 18 anos. Ele se encontrava em sua casa, raios de luz atravessavam as frestas da madeira desgastada, gotas pingavam do teto, ou melhor, claraboia, havia um grande buraco, Sebastian acorda naquela situação, e promete a si mesmo que iria embora, assim que pudesse, ele não aguentava mais.

Ele se levanta, se espreguiça, e coloca suas vestes, onde antes havia um bebê, agora havia um jovem adulto, com 1,80, ombros largos, um corpo machucado, porém definido, seu peitoral e abdomen davam inveja a todos os garotos de sua idade na vila. Ele logo coloca sua camisa feita de retalhos, com uma velha bermuda, rasgada em suas coxas, não havia sapatos, nem para ele e nem para seu pai, ele calça seus chinelos e logo sai.

Ele se segura em um pedaço de madeira, e sorri para todos verem, um sorriso charmoso, brilhava em todos os cantos da vila. Ele corre para um velho campo, onde estavam seus amigos, Kaio, Jhone, e Jonas.

-E aí gente! - Ele se aproxima, enquanto comprimenta todos que estavam lá.

Seus amigos perguntam do porquê dessa felicidade, e ele responde à eles que logo iria embora, e que estava ansioso pelo momento.

- Você é louco? Essa vila é seu lar, ninguém te aceitaria lá fora, principalmente você, que não tem papas na língua. E afinal, seu pai? Ele ja sabe disto? Aposto que ele sentiria sua falta, então meu caro, lhe pergunto, por quê? - Essa fala de Jonas deixa Sebastian confuso.

- Meu pai ficará bem, ele é um homem forte, ele me ensinou a ser assim, um belo homem- Diz Sebastian, que logo foi retrucado.

- Um homem que sente atração por homens Bash! Acorde, ninguém vai gostar de você na cidade - Kaio falou, interrompendo a conversa.

- Como se aqui me aceitassem, só de eu andar com vocês, olhares me perseguem, me condenam, não posso trabalhar com outros homens por puro preconceito! - Sebastian.

Esta conversa constrangedora fez Sebastian refletir sobre si mesmo, ele sempre fugia do assunto quando seu pai perguntava. Esquivando-se de seus problemas, ele sabe que a conversa seria difícil, mas não estava preparado. Seria uma conversa desconfortável, de extremas emoções, Sebastian pensava nisso enquanto caminhava para sua casa, seu querido cortiço, ele senta-se em um resto de madeira ao lado de fora, esperando ansiosamente seu pai, ele precisava falar antes de ir embora.

Logo, um homem com roupas sujas de lama, com botas emprestadas de seus vizinhos, se aproxima e senta ao lado de seu filho.

- Olá Bash, já fez suas tarefas? - José, pai de Sebastian pergunta.

- Eu acabei esquecendo, mas podemos conversar antes disto? - O garoto pergunta, um tanto ansioso.

- Bash, se for sobre comprar sapatos, eu já falei que não temos condições...- O Homem é interrompido antes de poder terminar sua frase

- Eu gosto de rapazes! Sei que não é o que o senhor esperava, mas não posso te esconder isso, vou embora logo pela manhã. - Ele diz, com os olhos marejados, e decidido.

Seu pai no entando, não diz nada, apenas se levanta e entra em sua casa, sem nem olhar na cara do seu filho, não demonstrou se quer alguma reação, apenas com a cara fechada, como sempre. Por um pulo de tempo, aquele final de tarde, foi estranho, Sebastian, que antes mostrava um sorriso de orelha a orelha, que iluminava todos ao seu redor, estava triste, seu pai, o homem que ele mais admirava, claramente não queria saber mais dele.

Sebastian, enquanto arrumava sua mala, que não portava muita coisa, apenas alguns mulambos para não andar despido, ele fecha uma trouxa de roupas, e espera o amanhecer. Ao primeiro raiar do sol, ele abre a porta, que acidentalmente, faz um barulho alto, acordando seu pai.

- Bash, já está indo?- José pergunta, com uma voz cansada e chorosa.

- Não quero discutir antes de ir embora pai, eu te amo mais do que tudo na vida. -Bash diz, já com os olhos marejados.

- Eu também te amo filho, e prometi á sua mãe que te amaria incondicionalmente, independente de qualquer situação. E não, eu realmente não imaginava que gostasse de garotos, mas eu nunca desejei seu mal, eu só quero que seja feliz. E se for longe do seu velho pai, vá sem olhar para trás, apenas seja feliz- Ele coloca-se perto de Sebastian, segurando sua mão, e depositando um cordão em suas mãos- Ele era da sua mãe, o sonho dela era te dar do bom e do melhor, mesmo com toda as nossas dificuldades, então, por favor, vá sem olhar para o passado, sempre carregue eu e sua mãe, dentro do seu coração.

Sebastian, que antes tinha seus olhos marejados, estava desolado, lágrimas escorriam por todo seu rosto, ele saiu fechando a porta com força e indo em direção a saída da vila, antes disso, deu um abraço em todos os seus amigos, se despedindo de todos. Ele entra na primeira embarcação clandestina que achou, ele se vira, mudando seu olhar para a sua velha vila.

-Esse não é o meu lugar, adeus pequena casa!

Nosso Sebastian, ou melhor, Bash, fala em tom de satisfação, enquanto seu barco era jogado ao mar.

Sintomas de amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora