Bom dia, expresso

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Gentil e com cordialidade abriu a porta da cafeteria, tocando um sininho que alertava toda vez que a porta era aberta. Procurou pela mesa mais isolada, próxima às grandes janelas com vista para os carros passando pelas ruas naquela segunda-feira sem graça.
     Um céu nublado sem graça, pessoas sem graça indo para seus trabalhos sem graça em uma manhã sem graça. Ele não era tão diferente, era igualmente monótono. Depois de tomar seu rotineiro café das seis — que, até então, era a única coisa que ele não achava sem graça — iria para o seu trabalho maçante.
     Viu seu relógio de pulso preto com os ponteiros dourados, antigo mas limpo e bem preservado. Claro que isso era por conta de sua mania de limpeza. Eram seis da manhã em ponto. Uma moça, que nunca tinha visto naquele local, apareceu com o uniforme de garçonete, aguardando o pedido do cliente.
     Aqueles lábios finos e olhos um quê de puxados chamaram a atenção dele. O que uma mulher tão elegante e bela faria aqui, trabalhando nesse estabelecimento simplório e humilde? Com aquela aparência era mais do que digna de sentar em um trono no Monte Olimpo enquanto lindas ninfas realizam seus mais podres desejos de deusa.

     — Bom dia, expresso. — disparou antes mesmo que ela perguntasse pelo pedido.

     A jovem garçonete encarou os olhos intensos e negros de Levi antes de ir buscar o café. Ela respondeu com um “claro, senhor” curto e sem emoção. Aquela falta de sorriso falso, presente em todas as outras garçonetes, o encantou. Enfim encontrara alguém que não forçava sorrisos e demonstrava falsos sentimentos, isso é raro.
     Ela voltou com a bebida quente em uma bandeja e entregou na mesa dele, fitando-o bem nos olhos, mais uma vez. Aquele clima era estranho, porém curiosamente confortável. Levi repreendeu-se por estar tendo uma pequena atração passageira por uma garota que aparentava ser dez anos mais nova que ele.

     “Tô agindo como uma criança.”

     Checou o horário em seu relógio, seis em ponto. Como sempre pontual, mesmo em algo corriqueiro como seu café matinal. Estava esperando, ansioso, pela jovem atendente. Pensou nela o dia e a noite toda. Mesmo com apenas alguns segundos de contato, ficou encantado por ela.
     Animou-se, porém não demonstrou isso, quando notou a garota vindo em sua direção. Dessa vez, ela estava com um crachá pendurado no peito do uniforme de garçonete. Deu uma boa olhada de cima a baixo na garota antes que ela percebesse a presença do homem ali.

     — Bom dia, expresso.

     “Senhorita Mikasa, então…”

     Abriu a porta do estabelecimento com mais força que o habitual, não tão sutil como sempre. Estava ansioso para ver a senhorita Mikasa. Procurou pela mesa mais isolada e esperou, irrequieto, pela moça. Como esperado, ela chegou com sua feição inexpressiva de sempre.
     Dessa vez ele resolveu esperar pela pergunta da garota sobre o seu pedido. Talvez ela já sabia que seria o de sempre, expresso, mas ele queria ouvir a doce voz dela de novo.
    
     — Bom dia, o que deseja?

     Aquele tom suave, um canto perfeito e harmonioso com a aparência. Um canto perfeito que casava com sua beleza extraordinária e atemporal. Ela passou a língua sobre os lábios ressecados e aquele ato tão simples deixou o homem louco.

     — Bom dia, expresso.

     “Você é tão sexy.”

     Levi estava preparado para o momento mais não-sem-graça de seu dia, pronto para ver a única pessoa não-sem-graça que conhecia. Na verdade, não conhecia. Ou conhecia? Definitivamente não conhecia.
     Ela chegou, saindo pela porta da cozinha, com uma bandeja e entregou para uma cliente que estava em uma mesa longe da de Levi. Avistou o homem e logo dirigiu-se à mesa dele, com seu olhar de sempre.
     Aquilo era tudo de especial nela. Um olhar frio e incógnito, dizia pouco mas dizia tanto ao mesmo tempo. Entregava sua personalidade, seu jeito, sua sinceridade. Ao mesmo tempo, tornava-se fechado. Quem realmente seria Mikasa?
     Não teria coragem de conhecê-la de verdade. É apenas uma garçonete, controle-se.

     — Bom dia. — despertou-o de seus devaneios sobre o futuro dos dois juntos, ele estava indo longe demais com aquela paixão incompreendida. — Expresso?

     — Bom dia, expresso.

     “Eu preciso falar com ela!”

     Agora, com um perfume novo que comprou especialmente para atrair a garçonete e um penteado impecável digno de galã de novela, sentou-se em sua mesa de sempre. A cafeteria estava mais vazia hoje, por sua sorte.
     Lá veio ela, com toda a sua elegância e jeito tão atraente. Seu andar gracioso e seguro lembrava o de uma modelo. Seu olhar sereno era chamativo apenas para os bons observadores. Quem quer que tenha esculpido aquele corpo, aqueles traços, e até mesmo a sua voz, mereceria um Prêmio Nobel.
     Ela é a oitava maravilha do mundo, e ele tinha o luxo de vê-la em todas as manhãs.

     — Bom dia, expresso.

     Ela foi buscar o pedido, e voltou com ele na bandeja. Levi notou que dessa vez a garota estava maquiada. Será que ela estava se embelezando para ele? Será que compartilhava com ele aqueles intensos sentimentos com base nas simples palavras “Bom dia, expresso”?
      Ao tentar colocar a bandeja na mesa, Mikasa e o homem acabaram se tocando, criando um momento de tensão. A pele dela era suave, exatamente como ele imaginava, com mãos bem cuidadas e unhas pintadas de preto. O clima embaraçoso se desfez quando ela deixou a bandeja na mesa e virou-se de costas.

     “Tá me provocando…”

     Pela primeira vez, ele decidiu visitar a cafeteria no final de semana. Levantou-se antes das seis da manhã, arrumou-se com capricho, tudo para impressionar uma mulher com quem nunca trocara uma palavra. “Até onde você está disposto a ir?”, perguntou ao seu reflexo no espelho, com um leve franzir de sobrancelhas e mandíbula apertada.
     Esperou pela aparição de sua garçonete predileta. Ele já tinha aceitado que estava apaixonado e só pensava em Mikasa, vinte e quatro horas por dia. Viu seu relógio e já eram seis e cinco, mas ela não havia chegado. Contudo, decide continuar aguardando com determinação.
     Se animou quando viu uma mulher vestida de garçonete sair pela porta da cozinha, mas não era ela, definitivamente não era ela.

     — Bom dia, onde está a Mikasa? — perguntou sem ter papas na língua.

     — Bom dia! — disse com um sorriso hiperforçado no rosto, sem graça. — A Mikasa não vem nos fins de semana! Qual seu pedido?

     — Expresso. — disse em tom irritadiço.

     “Não me faça esperar, Mikasa!”

     Passou o final de semana aflito esperando pelo encontro com Mikasa na segunda-feira, e finalmente tinha chegado a hora. Seis em ponto, na mesa mais isolada, perfumado, cabelo penteado para trás, relógio ajustado no pulso, e gravata alinhada.
     Saiu pela porta da cozinha, deslumbrante como sempre, tão graciosa!

     — Bom dia, qual seu pedido? — disse em tom frio, do jeito que ele gostava.

     — Bom dia, expresso.

     Quando ela virou-se não deu para ignorar a visão perfeita que tinha dela andando por trás, aquelas coxas, aquela cintura, que pernas! Levi estava sedento por Mikasa e não negaria isso a ninguém. Ela voltou com a bandeja e seu café expresso.

     — Soube que perguntou por mim.

     Levi deu um leve sorriso de canto, pelo menos era um sorriso. Ela fez o mesmo. Dois sorrisos sinceros, nada sem graça.

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