Capítulo 2

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Emma

Acordo sem ar porque meu labrador idoso de cinquenta quilos se jogou na minha cama, enfiando uma patona amarela bem no meu rim.

— Leonard, desce!

Tento fazer minha voz soar algumas oitavas mais grave, mas não adianta. Ele só obedece ao meu pai. Durante os cinco minutos seguintes, ele me ataca com
beijos e pisa em todos os meus órgãos, até finalmente descer, satisfeito com o
trabalho.

Não vou sentir saudade de acordar assim.
Quer dizer, não muita. Limpo a baba do rosto e tateio pela mesa de cabeceira em busca do celular,mas minha mão encontra a pilha de cinco fichários recém-etiquetados que prepararei ontem, pronta para o novo ano de estudos. Nada se compara a uma noite tranquila, só eu e minha etiquetadora.

Atrás deles, tiro o celular do carregador. E, pela décima-milésima vez neste
verão, procuro o perfil no Twitter de Cora Myers, tomando cuidado para não
clicar em nada acidentalmente.
Peguei no sono às nove e meia ontem, como toda noite, então perdi o tweet que ela postou mais tarde: Amanhã oficialmente me torno pantera! #vivapitt Sou tomada por uma onda de náusea, mas um sorriso também se abre em meu rosto e aperto o celular contra o peito.
Hoje. Faz três meses que nos formamos na escola. Oitenta e sete dias que não a vejo.

Só para esclarecer: não estou indo para a faculdade atrás dela. Metade da minha
escola acaba indo para a Universidade de Pittsburgh. Só estamos as duas nessa
mesma metade, por acaso.
E, se me perguntar, acho que tem um cheirinho de destino. Que o universo
talvez esteja finalmente me fazendo um favor, depois de quatro anos tão ruins.
Tentei mesmo me manter ocupada com outros assuntos nas férias, mas,
quando se conhece uma garota como Cora Myers, é impossível pensar em
qualquer outra coisa.

Bom, talvez “conhecer” não seja o verbo adequado, mas não consigo tirar ela
da cabeça desde que ela entrou na sala do nono ano usando um casaco de veludo
vermelho retrô e coturnos amarelos gigantes que não combinavam nem um
pouco. Mas gostei da roupa mesmo assim.
E não fui a única. A energia dela era magnética. As pessoas se aproximavam dela naturalmente no início de toda aula, nos corredores e depois da escola, mas a atenção nunca parecia lhe subir à cabeça. Ela nunca foi malvada ou excludente, e sempre foi autêntica, quem quer que estivesse por perto. Parecia que ela podia falar com qualquer pessoa sobre qualquer coisa. Não que ela falasse comigo, mas, a duas cadeiras de distância, dava para ouvir muito.

Não é que eu não quisesse falar com ela. Só não sou boa em me abrir. Não sou boa em fazer amizades. Quando se passa tanto tempo quanto eu passo preocupada com o que dizer e como dizer, e mesmo assim sai tudo errado, se torna mais fácil nunca dizer nada. Este ano, no entanto, não tenho que ser Emma Parker, quietinha e que sofre de
ansiedade social debilitante. As coisas podem ser diferentes na Pitt.

É a faculdade. Um novo começo, uma oportunidade de me reinventar. Sempre
dizem que tudo melhora na faculdade, e preciso acreditar nisso. A vida não pode
ser assim para sempre. Precisa melhorar.
Acho que não aguento mais quatro anos de…Crush.

Uma caixa enorme bate nos azulejos da cozinha lá embaixo, e o som reverbera
pelas tábuas do meu chão.

Mamãe.

Mesmo que ontem eu tenha dito um milhão de vezes que tudo de que preciso já está no carro, sei que ela está empacotando mais tralha para eu levar. Se eu não descer imediatamente, vai acabar enfiando a casa toda na mala do carro.

Respiro fundo antes de sair da cama e descer a escada, dois degraus por vez.
Quando viro a esquina, encontro minha mãe percorrendo a cozinha, abrindo e
fechando todas as gavetas e portas ao alcance dos seus metro e cinquenta e nada. O cabelo grisalho, que cai na altura do ombro, está meio preso por uma piranha
preta.

𝐄𝐥𝐚 𝐟𝐢𝐜𝐚 𝐜𝐨𝐦 𝐠𝐚𝐫𝐨𝐭𝐚 | 𝐉𝐞𝐦𝐦𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora