Iniciação

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Todos aqueles que aceitam a religião ou são chamados para fazer parte dela precisam de um período de adaptação. Neste tempo se dedicarão e conhecerão alguns preceitos e dogmas que o ajudarão a decidir pela sua permanência ou por seu afastamento. É o seu período de teste, em que também testarão se têm condições de seguir a fundo a religião dos orixás.

Iniciar-se no candomblé é renascer para um novo mundo como uma pessoa mais segura e mais forte, religiosa e psicologicamente. Ressurgindo com plenas condições de buscar melhores momentos e amplas realizações. É ligar a sua vida física, no aiê, com a vida sagrada, no orum, surgindo assim uma nova aliança, uma nova união! Após a iniciação, as pessoas têm a capacidade e a possibilidade de ajudar a conduzir melhor o seu destino. Sentirá que uma transformação acontece em seu redor e deve permitir que seu orixá aja permanentemente no seu dia-a-dia, ajudando na construção de uma vida mais harmoniosa e próspera. Também descobrirá que seus limites se alargarão e que os obstáculos serão mais facilmente transponíveis. E que também não estará mais sozinha, pois terá o eterno acompanhamento de seu guardião!
Depois de iniciada, a pessoa terá novas normas a cumprir na sua vida cotidiana e na sua casa de candomblé, e conhecerá como é uma hierarquia religiosa. O candomblé é uma das poucas religiões em que a obediência à temporalidade ainda é bem arraigada. A dedicação, o amor e o discernimento serão responsáveis pela boa permanência do iniciado dentro do terreiro que a sua divindade escolheu para "morar". Então, o período de abiã deve ser bem aproveitado para servir e aparar pequenas arestas e trazer melhores conhecimentos sobre o que realmente a pessoa deseja para si e para o seu futuro.

O termo "fazer o santo" só ocorreu por interferência da religião cristã, na época da escravidão. Na senzala, o escravo, obedecendo ao senhor branco, tinha que idolatrar os santos da Igreja Católica. Com isto ocorreu o sincretismo, fazendo a ligação das peculiaridades e da personalidade dos orixás com as dos santos católicos. Ao precisar se referir aos seus orixás, os escravos tinham que chamá-los procurando sempre agradar à maioria branca e escravagista, e para isso trocavam o nome iorubá do seu orixá pelo nome do santo cristão, em português. Ao guardar seus assentamentos, colocava-os, camufladamente, junto aos santos católicos, porém invocando sua divindade africana. E o negro habituou-se a sincretizar, amalgamar seus orixás com os "santos" do catolicismo, criando termos que nos dias de hoje já estão perdendo a sua utilidade! Portanto, cremos que já está no momento de mudarmos este termo, "fazer o santo", por "iniciar no candomblé" ou "iniciar para o orixá"!

Para que serve o período de recolhimento na época da iniciação?
O recolhimento é um período que serve para que a pessoa seja testada em sua firmeza religiosa. É tempo de ver dentro de si mesmo, enquanto se prepara para ingressar em um novo mundo, em uma nova realidade! Período delicado, que produz algumas modificações no ritmo de vida do iaô. Mas muito necessário para que a pessoa sintonize-se bem com seus orixás, conheça melhor seus novos parentes e também seu/sua sacerdote/sacerdotisa. Porém, o tempo necessário para o recolhimento é determinado de acordo com o orixá e com cada casa de candomblé.
É um período em que a pessoa fica acomodada em um quarto, chamado de rondêmi ou roncó. Local restrito, afastado do movimento público, completamente limpo, onde reinam a paz e o silêncio. No momento em que se recolhe, o iaô desliga-se de todos os seus problemas e de toda e qualquer coisa que diga respeito às relações exteriores. Sua cabeça precisa estar voltada somente para as ligações espirituais, que ajudarão a produzir uma transformação em sua vida. Haverá momentos tensos, pois o desconhecido assusta a todos, e são muitos os iaôs que entram na religião sem saber sequer o que é o recolhimento. Em compensação, haverá momentos de grandes alegrias e satisfação que, com certeza, nunca serão esquecidos. Porém, o mais importante é que nesse período o iaô obterá ensinamentos úteis que serão usados no seu dia-a-dia. Aprenderá as regras, os dogmas, conhecerá a hierarquia e a diretriz da religião e do seu Axé e penetrará nos meandros do candomblé. O iniciado prestará juramento à sua casa, a Exu, às divindades, a seu/sua babalorixá/iyalorixá, pois ele tem que ser uma "pessoa que não vê, não escuta e não fala"! Segredos e mistérios são inviolá ve is!
O recolhimento serve também para que a pessoa passe pelos preceitos sagrados e secretos que ajudarão na possessão do seu orixá. A sua doutrina será mais apurada, seus conhecimentos se tornarão mais consistentes, aprenderá a base de alguns saberes. Nele, conhecerá pessoas que dedicarão tempo integral a ele e às suas obrigações religiosas. Pessoas que partilharão do seu dia-a-dia, como a "mãe-criadeira" ou o "pai-criador", cuidando dele, transmitindo-lhe ensinamentos primordiais e essenciais para essa fase e para o seu futuro dentro da religião. Ganhará também um "pai-pequeno" e uma "mãe-pequena" particularizados, pessoas que participarão de algumas fases de sua iniciação e do seu aprendizado. Com todos estes o iaô cria laços eternos de parentesco religioso, geralmente advindo daí uma grande amizade. Terá também como companheiros e instrutores seus irmãos mais antigos na religião. A partir do período da iniciação, pertencerá a uma nova família, que tem como principal mestre o/a babalorixá/iy alorixá.
Para muitos, é neste período que ocorre o primeiro contato com a sua divindade. E será por meio desse transe que conhecerá a personalidade mítica da sua divindade: se é calma ou voluntariosa, dócil, violenta ou irrequieta. Nessa fase também aprenderá a qual panteão seu orixá pertence, se ao das divindades vibrantes, de movimentos violentos, espalhafatosos, ou ao grupo conhecido como o dos orixás calmos, ponderados. Nesta fase, conhecerá muitas palavras da língua das divindades, para que possa participar cotidianamente da comunidade e também para crescer dentro da religião. Aprenderá as danças do seu orixá, e também as danças das demais divindades. Aprenderá também cantigas e rezas (oriquís) necessárias no seu dia-a-dia e também para agradar e chamar as divindades. Muitas vezes será testado/a e precisará corresponder plenamente aos anseios de seus superiores e também aos seus próprios. Porém, o não conseguir não deverá lhe perturbar, tirar a calma e o equilíbrio. Deverá procurar fazer com que cada erro seja um aprendizado, uma lição de humildade, de estar vencendo cada etapa com dificuldade, mas também com dignidade, amor e resignação.
A iniciação produz momentos de alegria que poderão ser intercalados com nostalgia e saudade. Isso é natural, pois a pessoa encontra-se reclusa, muitas vezes reunida a pessoas que conhece muito superficialmente. Para esses instantes, a religião possui um ser especial, o Erê, uma divindade infantil e descompromissada, que distrai e acalma o iaô, fazendo-o esquecer a vida mundana. Mas este período passa e o iaô retorna à vida externa, modificado e mais enriquecido no seu interior, mais forte espiritual e fisicamente!

O que é um "barco de iaôs"?
O "barco de iaôs" é um conjunto de abiãs se preparando para a sua iniciação. Na nação fon este agrupamento de iniciandos recebe o nome de ahama ou rama; na nação bantu, chama-se nlungu. Muitas vezes, conforme cada Axé, todos ficarão confinados ao mesmo tempo e no mesmo local e passarão a ser chamados de "irmãos-de-barco". Durante este período de recolhimento os iniciados tornam-se tão ligados fraternalmente que é como se formassem uma nova família, fazendo surgir até mesmo ligações mais profundas do que aquelas que muitos possuem com seus familiares consanguíneos.

Resumo para Introdução ao Candomblé (Alaketu)Onde histórias criam vida. Descubra agora