N̶o̶t̶ Crazy (save me)

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Ele é louco. Não, ele não é. Ele matou o pai. Shush, shush... silêncio, lá vem ele. Idiota, idiota. Pare de rir! Não grite! Ele vai gritar. Henry sempre grita quando vê o médico. Henry gosta do médico. Eu não gosto do médico. Ele tenta nos calar. Henry vai gritar. Ele é louco. Shush, shush, ele não é louco. Ele matou o pai.

Os sussurros gritavam na cabeça de Henry. Ele, deitado na cama dura do quarto, que mais parecia uma cela, fitava o teto, os olhos vidrados, a respiração pesada, como se estivesse fisicamente exausto de acompanhar as vozes conversando entre si. Suas pupilas tremiam, enquanto ele enxergava o pai morrer diante de si. Mas não Arthur Fox, o pai de Henry, que morreu no hospital, quando seu corpo desistiu de lutar contra o câncer e sucumbiu ao beijo da morte, Henry não estava lá naquele dia. Ele enxergava acima de sua cabeça, Michael, pai de seu protagonista, Thomas, mergulhado em uma poça de sangue ao redor da cabeça, após ser atingido com um machado.

Thomas era ele. Ou ao menos, era o que ele deveria ser. Ele tinha sua aparência, sua personalidade e sua orientação sexual, contudo, ele também tinha o que Henry jamais teve: amor. Thomas tinha, além do sucesso que ele não tinha, um namorado lindo, de cabelos negros e cacheados, pele bronzeada e olhos cor de caramelo. O escritor sentiu inveja de sua própria criação, e deu a ele um trauma que ele jamais esqueceria: a morte de seu pai. Entretanto, ele se esqueceu que Thomas era ele. Ele era o Thomas. O pai de Thomas era o pai dele. E o pai dele era o pai de Thomas. Ele matou o próprio pai. Ele é louco. Shush! Ele está vendo de novo. Ele vai gritar. Ele vai chorar. 3... 3... 3, 2... 2, 1. Um. Agora. Ele vai chorar. Ele é louco! idiota... Lá vem o médico! Uma risada estridente, e outra mais grave, e outra contida, e outra descontrolada, várias risadas amontoando-se na cabeça de Henry, gritos histéricos, chamando-o de louco. Talvez ele fosse louco. Ele era.

Lágrimas marejaram seus olhos, sua visão turva embaçou o cadáver de Michael e a expressão triste de Thomas no teto, até desaparecerem. Ele levou as mãos à cabeça, agarrando com força seus cabelos e um grito de desespero escapou de sua garganta. Um som gutural, perturbador, exausto. Ele continuou, arqueando as costas, enquanto os prantos molhavam seu rosto vermelho, puxando os cabelos. Ele é louco! Por que ele grita? Ele se debatia, chutando o ar, mexia a cabeça de um lado para o outro no travesseiro, com força e velocidade o suficiente para bater a testa na parede repetidamente. Idiota, idiota. Henry sentia dor, sentia o sangue escorrer e misturar-se com as lágrimas em suas bochechas, porém, ele não parava. Shush, shush, lá vem ele. Não até sentir um toque em sua coxa, tão leve na pele, quanto uma âncora na alma, amarrando as criaturas que riam dele em sua cabeça sob o oceano, até elas se calarem. O silêncio reinou, ele enfim repousou, os olhos fechados, finalmente de modo tranquilo, a respiração profunda e cansada, então pode ouvir uma única voz, do lado de fora de sua mente infeliz.

— Henry! Estou aqui, eu estou aqui... — disse o doutor Alex Claremont-Diaz, sentado ao lado de Henry, no mínimo espaço que sobrava da cama de solteiro do hospital.

Alex levou a mão até a cabeça ferida do louro, que abrira os olhos lentamente, encontrando-se no olhar piedoso do médico. Alex suspirou aliviado ao contemplar a calmaria na alma de Henry, esboçando um breve sorriso reconfortante.

— Venha, Hen, vamos limpar esse machucado, está bem? Darei um medicamento para você se acalmar, então daremos uma volta no jardim. Gosta desse plano?

Henry assentiu.

Alex fazia sentir-se menos louco. Ninguém ria quando ele estava por perto, ninguém sussurrava, ele não via o pai dele. Ou melhor, o pai do Thomas. Mas o Thomas era ele, e ele era o Thomas. Suas pupilas tremiam sempre que ele se lembrava disso, suas mãos suavam e a respiração descompassava, entretanto, o doutor Diaz o distraía do pensamento antes que ele pudesse ver o cadáver de Michael, e a expressão triste de Thomas, com um sorriso caloroso, uma carícia na bochecha. Henry gostava disso.

n̶o̶t̶  crazy (save me)Onde histórias criam vida. Descubra agora