Capítulo 3

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Cecília

Mãe: Preciso falar com vc.


Após ler essa mensagem estranha, liguei para minha mãe para saber o que ela queria. Porém, não obtive resposta. Isso só serviu pra me deixar ainda mais curiosa.
Desde a morte de meu pai, ela andava muito estranha. Saía o tempo todo, ficava se lamentando, dizendo coisas ruins sobre meu pai ter nos deixado em uma miséria terrível e que ele não pensou em momento algum na gente.
Eu a entendia, compreendia que estava estressada pelas dívidas e cobradores que queriam receber o que foi combinado. Todavia, me deixava incomodada a forma como se referia a uma pessoa que não estava ali para se defender.
— Cecília, acabou de chegar um cãozinho que foi atropelado por um carro. Você pode verificá-lo para mim e realizar um exame de sangue, por favor? Ele já foi pesado — o doutor Ricardo disse, me trazendo de volta para a realidade.
Estava no meio do expediente, poderia pensar nisso tudo mais tarde, quando estivesse sozinha em meu quarto.
Eu amava estagiar na clínica do doutor Ricardo, era um ambiente tranquilo e ele me ensinava muita coisa. Não poderia ter alguém melhor para me auxiliar naquela fase da vida.
Não tinha certeza se depois de formada ele me contrataria, entretanto, estava disposta a implorar, se fosse necessário.
Já conhecia toda a dinâmica do dia a dia da clínica e sabia que ele precisava de toda ajuda que fosse possível. Me contratar era benéfico para ambos.
— Claro, me desculpe, era da minha casa — argumentei, mostrando o telefone.
— Algum problema com dona Suzana?
— Não é nada demais, ela só quer falar comigo. Quando chegar, saberei o que quer — eu disse, me preparando para o procedimento no cachorro.
— Não deve ser nada fácil passar por isso, Cecília. Uma pena o que aconteceu com seu pai, tinha muita estima por ele. — Assenti sem olhá-lo.
Não queria ver o olhar de pena em seu rosto, já não aguentava mais, porque ele não era o único.
Todos na cidade nos olhavam assim, como se fôssemos umas coitadas à beira da miséria. Não deixava de ser verdade, estávamos passando por um momento complicado, porém, eu não precisava da caridade de pessoas que só fingiam estar preocupadas conosco.
— Estamos bem, doutor, vamos superar — comentei firmemente.
Passei por ele sem dizer mais nada e cheguei na sala, onde vi um cachorrinho de pelagem baixa da cor caramelo e porte médio, e uma senhora de mais ou menos uns sessenta anos.
Seus cabelos brancos como a neve estavam presos em um coque com nem um fio fora do lugar e seu semblante estava marcado pela preocupação. Não era para menos, ver um filhinho de quatro patas sentindo dor não era fácil.
Já estava acostumada com esse tipo de situação e, ao longo do estágio, fui aprendendo com o doutor a ter sangue frio para conseguir aguentar firme, mesmo assim, era complicado.
Animais são criaturas celestiais, incapazes de fazer maldade alguma, não deveriam sofrer com dores ou algum outro tipo de mal, nunca.
— Olá, dona...?
— Camélia — a senhora disse com a voz embargada.
— Boa tarde, dona Camélia. O que aconteceu com nosso amiguinho? — questionei, passando a mão por sua cabecinha e fazendo um carinho para ganhar sua confiança.
Ele me olhou e vi em seus olhos que sentia dor. Não se moveu, nem mesmo o rabinho, quando falei com ele e fiz um carinho. Peguei uma ficha e comecei a preencher com os dados básicos do cãozinho e sua dona.
— Ele sempre costuma sair para dar uma volta e hoje não foi diferente. Depois de meia hora que ele tinha saído, uma vizinha veio me avisar que tinha sido atropelado. Estou muito preocupada, doutora, Patrick é muito esperto.
Assenti e larguei a prancheta com a ficha onde estava preenchendo com as informações para que o doutor depois analisasse.
— Fica calma, está bem? Eu vou coletar um pouco de sangue dele. — Eu disse enquanto colocava minhas luvas.
— Ai, meu Deus, então é sério mesmo? — a senhora sussurrou, chorando.
— Fica calma, é um procedimento normal para analisar a situação clínica dele após o trauma que sofreu. Vai servir para indicar a quantidade de sangue perdida e se existe algum tipo de hemorragia ou outras complicações.  — Fiz uma pausa e acrescentei:  — Logo o doutor virá buscar o Patrick para o raio X e ultrassom.
Peguei o tubo, a seringa e a agulha necessárias para a coleta. Cheguei perto do cachorrinho, que por ser dócil, não julguei necessário usar a focinheira.
Pedi que a dona o segurasse e não o deixasse se mover, peguei sua patinha direita e injetei a agulha em sua veia, coletando a quantidade de sangue que o doutor utilizaria para o exame.
— Pronto, Patrick. Bom garoto. — Escrevi o nome dele no tubo de coleta e guardei para que fosse examinado. — O doutor já vem fazer outros procedimentos necessários nele, está bem? Logo, logo, Patrick não sentirá mais dor — acrescentei para a senhora, que assentiu sorrindo.
— Obrigada, querida. — Devolvi o gesto e saí da sala.
Olhei no relógio que o doutor mantinha pregado na parede e vi que já estava na hora de ir embora. Fui até sua sala, bati uma vez e a abri.
— Doutor Ricardo, já estou indo, vai precisar de mim para mais alguma coisa?
O doutor parou o que estava fazendo e levantou a cabeça.
— Não, Cecília, pode ir.
— Já deixei o exame pronto e o cachorrinho lhe aguarda. — Ele se levantou de pronto.
— Obrigado, até amanhã.
Saí de sua sala, peguei minhas coisas e fui direto para o ponto que marquei com Maju para me buscar. Olhei em volta e nem sinal dela. Eu estava adiantada, pois faltava quinze minutos para a hora que marcamos.
Era uma rotina minha irmã vir me buscar. Tinha medo de pegar em um volante, pois eu sempre confundia os pedais, demorava muito para estacionar e os outros motoristas impacientes me deixavam nervosa.
Um perfume maravilhoso preencheu meus sentidos e mãos taparam meus olhos. Sorri ao saber que meu namorado estava ali.
— Advinha quem é? — sussurrou em meu ouvido, me fazendo arrepiar.
Virei e me joguei em seus braços, o beijando com toda a saudade que sentia. Era uma alegria vê-lo à minha frente depois de uma semana sem poder estar perto.
Namorava Bernardo desde o ensino médio. Foi amor à primeira vista e vivíamos o clichê de casal perfeito da escola. Como toda boa romântica que era, sonhava em casar-me com ele e sabia que não iria demorar muito.
Me afastei um pouco, não antes de deixar dois beijos rápidos em sua boca, e passei a mão por seus cabelos negros.  Seus olhos verdes brilhavam apaixonados e deveriam refletir muito dos meus, sendo espelhos de minha alma.
— Não acredito que está realmente aqui — murmurei empolgada, beijando todo seu rosto, arrancando uma risada gostosa dele.
— Meu pai finalmente me deu uma folga. Desculpe mesmo por não ter conseguido ir ao enterro de seu pai, linda. — Meu sorriso se desfez quando meu pai foi mencionado.
— Está tudo bem, Bê. Entendo que a residência também é importante.
Bernardo estava fazendo residência em obstetrícia no hospital em que seu pai é diretor. Eu entendia que a carga horária era puxada, ainda mais que eu tinha conhecimento que o senhor Alessandro Ribeiro era extremamente rigoroso e exigente.
Mesmo Bernardo não estando presente fisicamente na minha vida, ele se comprometia comigo diariamente por mensagens e ligações, então me contava sobre os plantões que fazia, os casos de emergência, ambulatórios, UTIs e os estudos teóricos que tinha que fazer.
Ele nem pôde ir ao enterro por causa de um imprevisto na UTI neonatal. Ficou arrasado, pois amava meu pai, entretanto, me deu apoio e ficou me escutando chorar pelo telefone até que eu caísse no sono.
— Mas agora estou aqui e pronto para ficar com minha namorada linda. — Seus braços apertaram minha cintura e sorri contra seu pescoço, enfim, me sentindo em casa.
— Que maravilha.
— Como foi seu dia? — perguntou, se afastando para me observar.
— Bem tranquilo. Estou esperando a Maju para me levar para casa.
— Não é necessário, posso te levar. Mas antes, podemos passar naquela sorveteria que tanto gosta. — Bernardo pegou em minha mão e já estava me arrastando para seu carro.
— Ei, ei, calma aí, Bê. Infelizmente não posso ir, minha mãe quer conversar comigo.
— Não pode adiantar o assunto pelo telefone?
— Eu tentei, mas ela não me atendeu. — Torci os lábios.
— Poxa, amor, queria tanto passar um tempo contigo. Essa folga é algo raro de acontecer, meu pai está no meu pé — Bernardo argumentou e, para completar o pacote, fez aqueles olhinhos de cachorro sem dono.
— Você é tão fofo — ronronei, apertando sua bochecha.
— E tão carente... — acrescentou.
— Você pode aparecer lá em casa à noite, que tal?  — cedi.
— Que horas?
— Te aviso.
Escutei um barulho de buzina e vi que Maju tinha chegado. Era minha deixa para ir embora. Foi minha rota de fuga, estava ficando difícil ter que dizer não para ele.
— Eu só vou conversar com ela, pois pode ser importante.
— Sei disso, Ceci. Compreendo que estão passando por algo complicado. Eu estou aqui para o que precisar. Logo vamos estar casados e todos esses problemas vão acabar — ele disse, colocando uma mecha atrás da minha orelha e passando o dedo pelo lóbulo.
Meu coração apaixonado disparou pela sua frase. Eu queria mais do que tudo ser esposa dele, era tipo um sonho desde adolescente, ter meu final feliz de contos de fadas.
— Você me deixa toda bobinha falando assim, sabia?
— Eu quero te fazer a mulher mais feliz do mundo.
Sorri e escutei a buzina tocando com mais insistência. Revirei os olhos, me despedi de Bernardo com um selinho e saí correndo para o carro da minha irmã irritante.
Quando entrei, bati a porta com mais força do que o necessário.
— Ei, cuidado com meu bebê — alertou.
— Sabe o quanto é difícil eu ver meu namorado? Custava esperar mais uns minutinhos?
— Eu estava protegendo meu carro, Ceci. — Minhas sobrancelhas se uniram em confusão.
— De quê?
— Quase vomitei com tanta melação de vocês — ela disse, dando a partida e pondo o carro em movimento.
— Eu acho que está com inveja.
— De quê? De não ter um pau para tentar mandar em mim?
— De não ter um amor.
— Eca, Deus me livre disso, Cecília. Já tenho problemas demais.
Dei uma risada com o pensamento de minha irmã. Maria Júlia era uma mulher muito diferente daquelas que são criadas no interior. Ela não deixou que pensamentos arcaicos tomassem conta de sua mente e isso a tornou forte.
Com um gênio difícil, ela deu muito trabalho ao meu pai e aos namoradinhos que teve ao longo da vida.
Maju não se curvava para ninguém, muito menos para homens que tentavam a diminuir só por ser mulher. Ela sabia seu lugar, sabia o que queria para si e era firme com suas opiniões, assustando muitos homens.
Eu não era muito diferente dela, tinha minha própria opinião e não me curvava para ninguém, porém, era mais branda. Queria me casar, ter filhos, formar minha família.
Já para minha irmã, esse parecia ser o último de seus desejos e metas de vida.
— Vai morrer velha e solteira se continuar assim — brinquei bem-humorada, olhando pela janela do carro e vendo a paisagem bela de São Miguel do Araguaia.
— E tem coisa melhor? Pensa bem no quanto vou lucrar sem ter um macho para me azucrinar.
— Você assusta os homens.
— Eles que não tem culhão para aguentar esse mulherão aqui. Mas mudando de assunto, você comeu? — Revirei os olhos.
Começou. Toda vez que Maju me buscava, me fazia dar um relatório diário. Se me alimentei, se injetei a insulina etc.
— Sim, e sim também para a insulina — cortei, antes que perguntasse.
— Muito bem.
— Obrigada, mãe — disse brincando, e recebi um olhar feio.
O restante do percurso foi bem tranquilo. Conversamos amenidades sobre nosso dia e sobre o que nossa mãe queria conversar, já que descobri que a mensagem não foi enviada apenas para mim.
— Acho que é importante — comentei, assim que Maju passou com o carro pelos portões da Fazenda Milênio.
— Ou vai ver é alguma armação para ela fugir e nos deixar ser comidas pelos lobos.
— Maju! — exclamei surpresa. — Não seja maldosa, ela é nossa mãe, não seria capaz.
— Que ela é nossa mãe é correto, agora que não é capaz... tenho minhas dúvidas.
Ela estacionou o carro e saímos, vendo a enorme casa que moramos durante toda a nossa vida. Tinha lembranças maravilhosas daquele lugar, seria desastroso ter que abandonar tudo.
Iria me casar, de qualquer forma, não iria passar minha vida toda na fazenda. Porém, não conseguia visualizar as terras que nasci nas mãos de um estranho.
— Vamos lá, Ceci, vamos descobrir o que nossa mãe quer. — Assenti desanimada, sentindo um arrepio percorrer minha espinha.
Sabia que não era de frio, era um presságio de que um acontecimento importante aconteceria.

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⏰ Última atualização: Apr 14 ⏰

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