Não consegui me segurar na borda da mesa, meus pés escorregaram no macarrão no chão e minha testa se chocou com violência contra o armário de madeira da minha cozinha. Fiquei zonza por um instante, a dor alucinante chegou junto com as vozes.
— Me desculpa, Pe! — Michael falou, seus dedos tentaram agarrar meu braço, mas eu o afastei.
Na maioria das vezes ele não tentaria me levantar, apenas murmuraria uma desculpa e iria para o outro cômodo, mas com meus pais em casa ele apenas queria fingir que tudo era um acidente. Eu estava tão cansada de fingir, passei cinco anos da minha vida fingindo estar casada por amor com um homem que minha mãe escolheu.
Depois da primeira briga eu já sabia quem ele era, mas não havia nada em mim que me forçasse a sair daquela situação, sentia como se precisasse aguentar isso, minha mãe aguentava, ela me ensinou isso, homens as vezes machucam, mas eles ainda te amam.
Isso não era amor, não podia ser. O que eu escrevia era apenas um desejo por algo que não existia? O romance que eu estava fantasiando era só isso? Fantasia?
— Estou bem. – menti e levantei devagar tentando superar a tontura.
Meu pai chegou logo depois disso, ele encarou a travessa de macarrão espatifada no chão e então um ponto específico da minha testa.
— Você está bem? – ele perguntou para mim.
— Sim, eu só torci o pé e derrubei a travessa, acabei escorregando, acontece. Vou no banheiro um instante.
— É o salto – Michael complementou –, ela sempre foi meio ruim com eles.
Nunca havia tropeçado de salto, eu andava todo dia para o trabalho, saltos não eram meus inimigos, Michael era.
Nosso pequeno espelho mostrava para mim a imagem deprimente do que eu me tornei, alguém que deveria ser a sombra de outra pessoa, o que havia demais no meu emprego na editora? Michael era um CEO de uma empresa multimilionária. Um robi de escritora? Michael jogava tênis, praticava Sky surf e fazia mergulho com tubarões.
Eu era tão… patética.
Eu havia me tornado minha mãe. Eu odeio minha mãe.
— O que aconteceu com a sua testa? – Elena me perguntou, eu havia tentado esconder o corte e o galo o máximo possível até que eu simplesmente desisti e apenas coloquei um curativo em cima.
— Eu cai. – menti, não gostava de mentir para Elena, ela era minha única amiga no trabalho.
Os olhos azuis piscina me estudaram profundamente e um suspiro saiu da sua boca, querendo eu ou não, Elena sabia.
— Foi o salto? – não era sobre sapatos, concordei – Às vezes precisamos trocar de sapato.
— Há essa altura? Prefiro ficar descalço.
— Como vai o seu livro?
— Não consigo mais trabalhar nele. Como posso escrever tendo tantos… acidentes com meu salto?
Eu admirava Elena, com tudo que ela era. Uma garota de 22 anos, mãe e que conseguiu… se livrar do salto dela, ela sempre deixou claro que nunca deixaria a filha passar por algo assim. Queria que minha mãe pensasse desse jeito, queria que eu pensasse desse jeito.
— Sabe Pe, as vezes tudo que você precisa é de alguns dias sozinha, descalça, pra se dar conta de que não precisa do salto pra viver. Eu meio que comprei uma viagem para os Apalaches pra essa semana, só que a Sophie ficou doente, eu não queria desperdiçar sabe? Não é reembolsável.
— Você… quer que eu fuja?
— Está mais para umas férias curtas de tudo e todos. Apenas as montanhas, você e seu livro. Pode ser isso que você precisa, saber que há um mundo sem Michael.
Elena era mais nova que eu, mas de longe, era a mãe que sempre desejei ter.
— E como eu faço isso? – perguntei me segurando muito para não chorar.
— Enquanto Michael estiver no trabalho você arruma suas malas, pego você antes que ele volte… eu te prometo, ele nunca vai descobrir onde você está.
— Eu vou te pagar de volta.
Elena me deu aquele sorriso, aquele de quem jamais aceitaria o dinheiro. Ela tomou a frente e mudou tudo para mim, me deu todas as dicas, as semanas que ela passou estudando para ir para lá foram passadas para mim em um dia, até mesmo nosso chefe foi convencido de que eu merecia uma semana de folga. Elena era um anjo, era a melhor pessoa do mundo, não havia forças em mim para fazer nada sozinha, mas ela teve e agora estava me ajudando a ter pelo menos um pouco.
Apalaches, solidão e um livro. Toda mulher deveria ter isso.
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Apalaches
RomancePenélope achava que uma boa caminhada nas montanhas Apalaches seria o suficiente para livrar sua mente dos terrores de sua vida cotidiana, acreditava fielmente que isso seria mais que o suficiente para espairecer e finalmente terminar seu livro de r...