Eu apaguei durante o vôo, dormi durante todo o trajeto de carro, era estranhamente calmante, tão... confortável estar sozinha.
- Senhorita? - o motorista me chamou - Chegamos, cabana 103.
Limpei um resquício de baba com a manga do meu suéter e agarrei minha mochila saindo do banco de trás. O primeiro ar que eu respirei ali me arrancou o fôlego, eram montanhas imensas cobertas por florestas densas e estávamos em um vale forrado de grama verde e flores selvagens.
A cabana estava logo ao pé da montanha, um pouco afastada da estrada, eu teria que andar por uma pequena trilha até ela. O senhor deixou minha mala maior ao meu lado e então saiu com o carro. Eu estava sozinha, sozinha em quilômetros de florestas e montanhas, eu, meus pensamentos e meu livro.
Dei o primeiro passo e então fiz o percurso até a cabana. Era pequena, aconchegante e tinha cheiro de pinho e natal, eu não saberia descrever, mas a sensação era a mesma do natal, quase como um cheiro característico ou uma lembrança que foi ativada. De qualquer modo, era perfeito.
Larguei minha mala no único quarto ali abrindo todas as janelas para ter toda a vista para mim, o quarto dava direto para a floresta e a cama era... forrada com o que parecia pele de urso. Certo, nem tudo poderia ser mil maravilhas.
Arranquei aquela pele que torcia para ser falsa e joguei dentro do guarda roupa velho, rústico e resistente, por sorte ainda me sobravam dois edredons grossos e pesados e pelo o que a senhora que cuidava do resort disse, aqui fazia muito frio a noite. Voltei para a cozinha que ficava logo na entrada da casa e comecei a olhar para toda a cabana já que eu conseguia ver ela inteira dali. Não havia sala, mas o quarto tinha sua própria lareira e poltrona fofinha, um banheiro transformava o quarto já perfeito em uma suíte e senti vontade de chorar.
Pela janela da cozinha podia ver um riacho do outro lado do vale, longe, mas não o bastante para que eu não ouvisse o som da água, haviam cavalos selvagens por lá, também fui informado sobre eles, e os ursos e outras criaturas que moram aqui. Criaturas o bastante para que eu tivesse certeza que me trancaria dentro de casa assim que o sol sumisse.
Sra. Heyle, a dona do "resort", abastecia as cabanas toda vez que era nescessário, não havia sinal de celular ali, mas havia um telefone fixo perto da porta e um número gravado logo acima, era do resort e eu poderia usar sempre que tivesse uma pergunta ou que quisesse mais alguma coisa para comer, ou mesmo uma emergência.
Sendo assim, eu logo comecei a agarrar muitas coisas para fazer uma sopa, meu estômago roncava o suficiente para chamar a atenção de qualquer bicho que morasse na floresta ali atrás. Os legumes eram frescos e quase nada era enlatado, eu havia ganhado na loteria por ter Elena como amiga.
Enquanto procurava facas pelas gavetas eu achei uma lotada com elas, quase como um cenário de filme de terror, a risada que eu ia soltar morreu quando reparei que no fundo havia uma arma, provavelmente era só uma pistola e provavelmente estava ali caso fosse uma emergência, nunca desejei tanto não ter emergência nenhuma.
Eu peguei duas e fechei a gaveta me prometendo internamente que jamais abriria ela outra vez. Sacudindo a cabeça eu voltei para a bancada e agarrei uma cenoura pronta para picá-la, provavelmente ainda estava focada na arma, não sou do tipo que se descuida na cozinha mas aquilo mexeu comigo o bastante para que eu cortasse meu dedo.
- Ah, porra! Mais que caralho, é claro que ia fazer merda!
Xinguei, mesmo que não houvesse necessidade eu xinguei, comecei a colocar todo palavrão que já havia guardado para fora ali mesmo, parecia uma louca, agarrando o dedo sangrando com um corte relativamente fundo e xingando toda e qualquer coisa. Quando tentei abrir a torneira ela fez um som rouco, quase como um grito e nenhuma água saiu.
- Sua puta! - e sentia mais uma rodada de palavrões aflorando, era libertador - Inferno!
Enrolei um papel toalha no dedo e comecei a testar as outras duas torneiras da casa e o chuveiro.
Nada.
Respirando profundamente eu comecei a marchar para o riacho, estava frio e isso me deixou triste porque eu queria estar de short e sentir as flores e folhas de grama fazendo cócegas nas minhas coxas, provavelmente era devido ao fato da montanha em minhas costas já ter engolido o sol da tarde, amanhã de manhã eu teria sol e teria meu contato real com a natureza.
Quando cheguei eu ajoelhei sobre as pedrinhas, enfiando a mão dentro da água corrente e congelante, lavando o corte na água cristalina, o sangue tingiu todo o riacho por um breve instante. Os cavalos do outro lado relincharam e eu ergui meus olhos com medo de estar perto demais, e, porra, o que eu estava vendo era mil vezes melhor que a porcaria da montanha.
Havia um garanhão um pouco mais afastado que os demais, negro como a noite, o animal era imenso, mesmo para um cavalo, ele dava medo e eu tenho certeza que precisaria de uma escada se quisesse montar nele, mas o que me chamou a atenção era o que estava acima do cavalo.
Havia um homem de boné e sem camisa, a calça jeans estava suja e ele não estava de sapato, não havia cela no bicho, ele se agarrava na crina igualmente preta, um dos braços com tatuagens espaçadas e uma barba de homem selvagem. Seu corpo, porra, seu corpo era esculpido com músculos, peitos grandes e braços grossos. Michael era um palito se comparado a esse... fodido Deus grego.
Ele não me viu, provavelmente estava escondida graças ao mato alto e eu agradecia isso, porque estava quente. O homem soltou o que pareciam beijinhos e o cavalo começou a andar sendo seguido pelos outros, abençoado seja esse cavalo, conforme andava a cintura do homem balançava para frente a para trás, mole, me prendendo ao movimento e me fazendo imaginar como seria estar sentada ali, na frente dele.
Tirei minha mão da água e joguei um bocado no rosto, eu não deveria pensar nisso, não foi por isso que vim para cá. Levantando depressa eu virei e andei rapidinho de volta para a cabana, agora com o dedo esquecido, sabia que agora ele podia me ver, sabia que com toda certeza ele havia me visto, mas fiquei quente e tímida o bastante para correr de volta para casa antes que o sol sumisse e ele pudesse me chamar.
Quando espiei da janela, nem o homem e nem os cavalos estavam ali e a escuridão já estava tomando o vale. Exitante peguei o telefone e disquei o número ali, a voz rouca de senhorinha o atendeu.
- Sim?
- Boa noite, aqui é a Penélope da cabana 103, é que... a cabana está sem água, não sei se é um problema com o encanamento...
- Ah, me desculpe querida, acho que esqueci de te informar que as cabanas tem abastecimento de água próprio, logo do lado de fora da porta tem um registro no chão, tudo que precisa fazer é virá-lo.
- Certo e será que tem um quite de primeiros socorros? Acabei me cortando.
- No banheiro, querida.
- Sra. Heyle, mais cedo eu vi um homem do lado de fora da cabana com alguns cavalos... ele não me incomodou é só que... fiquei curiosa sobre ele.
- Oh! Nossa, faz tempo que eu não ouço falar dele, não se preocupe meu amor, o nome dele é Arrik, ele mora nas montanhas sozinho. Não vai te incomodar, é um bom rapaz.
- Ah... - duvidava um pouco se eu me importaria de ser incomodada por ele - Obrigada, desculpe ligar tão tarde.
- Não se preocupe, querida, boa noite.
Arrik, um homem sozinho e meio selvagem morando nas montanhas onde eu também estava, parte de mim queria ignorar, parte de mim queria fugir exatamente agora.
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Apalaches
RomansaPenélope achava que uma boa caminhada nas montanhas Apalaches seria o suficiente para livrar sua mente dos terrores de sua vida cotidiana, acreditava fielmente que isso seria mais que o suficiente para espairecer e finalmente terminar seu livro de r...