I see in your eyes

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Anthony queria sumir.

Desaparecer do pós-morte, morrer de novo ou algo do gênero. Era maçante continuar vivo, acordar dia após dia e sentir o peso sobre seu pescoço, a lembrança de que ele não pertencia a si.

Todos no hotel sabem o quão explosivo, autodestrutivo e machucado a aranha era. Todos possuíam noção dos atos impensados cometidos pelo branco, que apenas tratava seus dias miseráveis como uma peça teatral, um espetáculo dramático. Quem não quer dormir com Angel Dust? Quem seria louco o suficiente para resistir ao astro pornô? Passava noites fora do hotel sob as luzes psicodélicas, carreiras de pó e sexo desenfreado.

De maneira quase natural, ele aprendeu a gostar disso. Houve um período que o aracnídeo sentia prazer em ser desejado, perder-se no mar de drogas e festas imundas. Ele pensava 'então, isso é ser amado?'. Todos amavam Angel Dust. Todos o idolatravam. E, acima de todos, ele.

Valentino.

O nome da mariposa já foi mel em sua boca. Angel deliciava-se com o veneno nas veias e o par de asas sobre si. Adorava se sentir significante e adorado. Todos querem ser amados por Valentino, o que não ama ninguém. Val tem a ele. E ele tem a Val.

Uma grande balela.

Uma piada tosca repetida mentalmente milhares de vezes quando está em um estúdio ou sendo obrigado a transar com incontáveis homens.

Ele sabe que isso é mentira. Há tempos, ele sabe.

E se arrepende amargamente de ter assinado aquele contrato cego por amor.

Agora, martiriza a própria alma, condena si a um inferno eterno. Sai do seu 'emprego' e se tranca no quarto, grita, quebra o espelho que foi trocado semana passada, rasga os lençóis. Ele odiava dar trabalho para Charlie, mas era inevitável surtar.

Destruía tudo, pois ele já havia se destruído.

Se ele apodrecer mais, Valentino o libertará. Cansará do brinquedinho favorito e procurará outro. Anthony rezava para que aparecesse um garoto ingênuo com necessidade de afeto tão bonito quanto ele.

Entretanto, não aparece. E ele continua nesse limbo.

Encolhe-se em meio à bagunça, tem uma meia calça que serve como travesseiro. Chora.

As lágrimas quentes derretem o delineado em seus olhos. Maquiou-se para a apresentação, usava um belo vestido decotado vermelho cetim e luvas pretas. Dust iria cantar no clube de Val. Era só isso. Não era o trabalho dele cantar, no entanto, o artista contratado faltou e a mariposa o empurrou para o palco.

Diziam para Anthony, em vida, que ele possuía um vocal bonito e costumavam chamá-lo para se apresentar. Esqueceu-se do frio na barriga, a sensação de expor sua voz melódica para uma plateia. Ele flutuava conforme as notas, a canção trazia um conforto indescritível em sua alma calejada. Pela primeira vez, desde que firmou o pacto, gostou verdadeiramente do que fazia.

Quase esqueceu que era infeliz.

Infelizmente, foi lembrado depois da terceira música.

Um pecador fétido, nojento, asqueroso. Coberto por escamas no pescoço, cara de peixe e um odor podre. Esse homem estranho e horrível gritou:

"Tira a roupa!"

O berro era o suficiente para os demais recordarem quem estava ali. Angel Dust, o ator pornô. Não um rapaz com a voz de anjo. Uma onda de súplicas e comentários atingiu o clube, sedentos por vê-lo desnudo, por uma migalha da estrela. Naquela confusão, orbes vermelhos se destacavam. A fumaça cobria sua feição, mas a íris revelava o dever de Angel.

Reflections || HuskerdustOnde histórias criam vida. Descubra agora