𝕻𝖗ó𝖑𝖔𝖌𝖔

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LEONAS CAVALLARO
                   

                     Sempre soube que eu era diferente até mesmo para os padrões do meu mundo, todos tem medo de alguma coisa. Alguns do escuro, outros da morte. Eu não tinha medo de nada.
                     O escuro habita em mim. Eu sou a própria morte. Sou o monstro aos quais os pais alertam seus filhos. Sou aquele que os religiosos imploram a qualquer divindade que os salve da sua ira.

                     Depois da primeira vez que causei dor, primeiro contato com a morte e respirei o cheiro do sangue meu corpo e mente entraram em um estado de vício. Esse termo eu conheço intimamente. Possuo vários para silenciar as vozes e trazer alguma diversão a monotonia da vida.

                    Meu treinamento para me tornar homem de honra começou no ano seguinte, meu pai, o capo da Outfit foi quem assumiu a tarefa de me preparar para ser seu sucessor no futuro. Ele conseguia enxergar o que minha mãe relutava em admitir para si mesma. Que o filho deles era um monstro incapaz de sentir e enxergar a vida como as outras pessoas.

                     Descobri durante o treinamento que meu pai também possuía um monstro, que ele mantinha sob controle até que fosse necessário usá-lo. Eu queria aquilo. Ser capaz de dominar e fazer meu próprio monstro se curva perante a minha vontade.

                     Por algum tempo eu consegui manter a coceira afastada e as vozes baixas até perder o controle.

                     Minha respiração está ofegante apesar das batidas lentas do meu coração, o machado caindo no chão com um baque audível, o cheiro metálico do sangue entupindo meus pulmões, ele escorre pela minha testa borrando minha visão, agora que a adrenalina diminui começo a sentir os efeitos das minhas ações recentes cobrando seu preço.

                     Ouço uma pequena comoção antes de passos apressados seguirem a figura esguia e elegante da minha mãe, ela hesita antes de romper a distância, seus saltos respingando o sangue que encharca o chão.

                    Os braços da minha mãe me envolvem apertado, eu não abraço de volta. Uma parte de mim tem consciência que não posso manchar suas roupas com o sangue em minhas mãos. Não preciso levantar o olhar para saber que meu pai está assistindo a cena.

                     Ela se afasta com relutância procurando os meus olhos. Não sei o que ela enxerga enquanto olha para mim, suas emoções estão espalhadas em conflito e aflição por todo o seu rosto.

— Eu sou um monstro.

                     Não é uma pergunta, mas minha mãe responde mesmo assim:

— Você é o meu garotinho. — Sua voz é suave enquanto segura meu queixo com a ponta de dois dedos.

                     Meu pai corta a distância parando ao lado da mamãe. Sua destra repousando na cintura dela, seu olhar fixando-se no meu, ele permite um vislumbre do monstro que espreita por baixo dos ternos três peças.

— Fez uma bela bagunça. — Não perco a ironia no seu tom.

— Fazer bagunças é a minha especialidade — rebato com uma dose de sarcasmo.

                     Meu pai mantém seu olhar sobre mim, a julgar pela leve contração na veia do seu pescoço que ela está se controlando para não fazer nada que vá deixar a mamãe chateada além do que ela está tentando disfarçar.

                     Um longo momento de silêncio se instala no ambiente, quebrado pelo som da minha voz quando finalmente faço a pergunta que esteve por muito tempo na ponta da minha língua:

— Como você faz isso?

                     Não preciso especificar minha pergunta para meu pai entender.

— Meu treinamento foi muito mais cruel e doloroso que o seu.

                     Mamãe estremeceu visivelmente em seus braços. Meu pai não fala muito sobre si ou sobre o vovô, suspeitava que seu relacionamento era no mínimo tenso, pelo jeito isso era um eufemismo da minha parte.

                     Sei que estou pisando em um terreno perigoso quando abro um sorrisinho, ainda sustentando o olhar afiado e aguçado do meu pai.

— Me treine, me ensine a controlar o monstro e fazer ele se curva perante a minha vontade.
                    
                    O sorriso de resposta do meu pai causou arrepios na minha espinha pela primeira vez na minha vida.

𝐁𝐲 𝐂𝐡𝐚𝐨𝐬 𝐈 𝐏𝐫𝐞𝐯𝐚𝐢𝐥Onde histórias criam vida. Descubra agora