Entre pinheiros e poções de cura

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É tarde de primavera. O clima na Rússia está ameno, apesar de um pouco frio. Os rododendros ainda estão brotando da terra, crescendo vagarosamente e a floresta está mais animada, com pássaros cantando durante o dia e corujas ululando durante a noite.

Estou sentada na grama úmida da varanda de meu chalé, aos arredores de Moscou. Fecho meus olhos, relaxando um pouco da tarde cansativa que tive arrumando meu jardim. O sol quente me aquece e o aroma da chuva e de terra molhada, deixa-me inebriada. Amo minha casa, meu jardim e floresta, talvez por ser uma bruxa, minha conexão com a natureza é profunda, viva. Eu cresci aqui, cultivando memórias na floresta desde que nasci.

Minha mãe sempre dizia que a natureza era a casa dela, e consequentemente virou a minha também.

Levanto os olhos para o céu. Em breve seria noite, então decido retornar para o chalé. Vou diretamente para a cozinha e estico meu corpo para pegar a chaleira na prateleira. De repente, recebo vibrações pelo corpo. Tinha alguém no meu quintal.

Escuto um caminhar de um cavalo robusto, alto, andando pelo gramado. Meu corpo gela e sinto meu sangue esfriar. Eu conheço muito bem o tipo de gente que tinha posses de cavalos tão belos.

Só poderia ser alguém da realeza, exército, e mais ainda o clero, que estava se tornando cada vez mais agressivo e impiedoso. Pessoas como eu seriam jogadas na fogueira na primeira oportunidade, assim como fizeram com as outras. 

O cavalo era negro e em cima estava uma mulher, com vestes caras demais para ser uma pessoa comum. Escondo-me atrás da cortina, à espreita. Ela vestia um kaftan vermelho com bordados dourados. Pelagens brancas adornavam as mangas, barras e um shapka sobre a cabeça, provavelmente feito de pele de raposas. A mulher estava acompanhada de um homem trajado de farda, e nesse instante, minhas dúvidas são sanadas. 

Ajeito meu vestido surrado, tentando esticar os amassados no algodão. Vou até a varanda e a ansiedade me consome. E se algo acontecesse? E se descobrissem minha identidade? Colocariam-me na fogueira no dia seguinte.

"Olá!? O que fazem no meu quintal?", pergunto, com os braços cruzados.

A mulher não revelou o rosto, mantendo-o escondido sob o capuz da capa que vestia. Ela desceu do animal e ajeitou suas vestes. Endireitou a coluna e finalmente revelou seu rosto.

Engulo seco. Não poderia ser real quem estava diante dos meus olhos. 

"Você está diante de sua majestade!", o guarda advertiu.

Meu coração aperta forte no peito. Não achava que a veria após tanto tempo, principalmente nas circunstâncias atuais da Rússia.

Foi então que a mulher levantou a mão, indicando para que o guarda parasse.

"Vai me dizer que não se lembra de mim, Hinata Hyuuga Shcherbakova?", a voz, doce e mansa, perguntou.

Solto um riso nasalado, abrindo um sorriso.

"Anastasia?", expresso, num tom de voz fraco e então parto em direção à Tsarina. "Você mudou tanto!", digo ao abraçá-la.

"E você não mudou nada, Shcherbakova!", falou saudosa, com memórias da infância preenchendo-a.

A alegria me preenche. Não vejo Anastasia há anos, desde que um incidente aconteceu em minha família, então ver uma figura tão familiar após anos vivendo sozinha me traz um sentimento forte e acalorado.

"Venha, moy Tsarina Romanovna, temos muito o que conversar", indico, guiando-a pela cintura. 

A Tsarina concordou sorrindo e deu ordens para que o guarda esperasse lá fora.

"Quero conversar a sós com você, minha querida Hinata!"

"É claro, moy Tsarina!", respondo cordialmente.

"Moy dorogaya Hinata, não seja tão formal comigo! Somos amigas de longa data", ela pediu.

Sorrio novamente e abro a porta. "Mas nós não nos vemos desde que virou Tsarina da Rússia", explico. "Sente-se, se acomode da forma que preferir, irei preparar um chá!"

Anastasia sentou na cadeira simples de madeira e retirou suas luvas de couro, assim como seu chapéu. "Pode ser primavera, mas, cof cof, a Rússia continua sempre fria."

"Está com gripe, Anastasia?", perguntei, enquanto preparava as ervas.

"Gripe não, mas... um pouco doente, sim", ela respondeu, coçando a garganta. "Lembro-me de quando eu era pequena e vinha até sua casa. Sua mãe sempre fazia xaropes para mim e no próximo dia eu acordava bem!"

"É verdade! Éramos tão pequenas... mal consigo acreditar que hoje você se tornou a Tsarina da Rússia! Ah, minha querida Ana, temos tanto o que conversar!"

Anastasia sorriu fraco. "Ser a Tsarina não é algo tão espetacular assim."

"Impossível!", contestei.

"É verdade! Não há muito o que eu possa fazer além de cuidar dos meus filhos e meu marido, da forma que posso", ela respondeu, tossindo.

Franzo o cenho. Sinto algo no ar, uma vibração ruim e o gosto invade minha boca. Sei que tem algo errado e acredito que esta seria a razão de sua visita.

Assim que a água ferveu, derramei-a no bule.

"Aqui, Ana!", digo, estendendo-lhe uma xícara.

A Tsarina tossiu novamente e deu um gole, sentindo a garganta se aquecer.

"Nossa, estava precisando disso!!"

Sorriu fraco e dou um gole na bebida quentinha. Sinto-me apreensiva. "Você disse que estava doente, Ana. É muito sério?", pergunto, ao sentar na cadeira.

"Ah, sobre isso... , essa é a razão para eu ter vindo." De repente, o semblante de Anastasia tornou-se triste, sério. "Estou muito doente, Hinata. Essa doença vem me consumindo há um bom tempo e nenhum médico consegue me diagnosticar, muito menos me curar. Já tentei de tudo, até mesmo medicina chinesa. Só me restou você..."

"Ana... por que não me procurou antes?", pergunto, com zelo.

"Meu marido é um fanatico religioso, moy dorogaya, ele jamais me perdoaria se soubesse que vim atrás de você!" 

É verdade. O Tsar da Rússia era conhecido por seu fanatismo com santos e sua religião. Pessoas como eu jamais seriam permitidas em sua corte...

Se ele descobrisse que Anastasia está aqui agora, ele teria a minha cabeça e a dela.

"O Tsar sabe sobre mim?", questiono-a.

"Não!", ela responde rapidamente. "Jamais me perdoaria se ele soubesse sobre quem você é, por isso menti e não disse que viria aqui."

Assenti com a cabeça, digerindo a situação toda. São informações demais para mastigar. O semblante de Anastasia gritava que estava doente. Pálida, olheiras enormes debaixo dos olhos e seus olhos azuis estavam apagados, quase sem vida.

"O quão sério é sua doença, Ana?"

A Tsarina não respondeu de imediato. Ela apenas desviou o olhar lacrimejando.

"Estou morrendo, Hinata."

A Bruxa e o Tsar - 𝐧𝐚𝐫𝐮𝐡𝐢𝐧𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora