Feijoada

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Era uma tarde comum, para qualquer outra pessoa que não fosse ele. Apesar de querer com muito gosto o comunismo, sentia que tudo sobre si era fora do comum. Sempre tomava a frente nas ações, sempre pulava primeiro na bala. Sentia em seu coração mais raiva do que temor da morte, se fosse imortal, passaria a eternidade atormentando os corporativistas e os fascistas, trocar tiro com os meganhas da delegacia de ordem política mais lhe fervia do que lhe gelava o sangue. Marco Antônio Brás nasceu para lutar contra eles, garantia-se em quase tudo, de tal modo que na última ação, quando cairam as últimas células da UNE e pensaram que haviam pego logo o Marighella, sugeriu sem rodeios uma ofensiva terrorista contra a sede dos fascinoras. Iriam chegar estourando os portões da OBAN. Por sorte o chefe apareceu na última hora, logo antes que pudesse liderar um grupo tático nesta missão suicida.

Era um homem prestes a chegar na sua terceira década de vida, que pegara em armas apenas após o golpe empresarial-militar dos ianques sobre o seu país, mas lhe parecia que aquele instrumento de guerra já fazia parte de seu corpo. Não saia sem. Por todo lado levava uma arma, Marighella reprovava isso por conta de que podia ser prejudicial ao disfarce, mas aí seria prejudicial a segurança como um todo. Tinha que estar preparado para tudo a todo tempo. Por isso que não tirava os olhos de seus arredores. Um predador, notava o mais singelo movimento estranho.

Estava com um frio na barriga, as coisas iam muito bem, ninguém do agrupamento dele tinha caído ainda. Não sabia o porquê isso estava lhe causando calafrios. Seu amigo, o professor João Leonardo pelo menos estava são e salvo, até onde sabia - Desgraçado deve tá dormindo... - murmurava para si mesmo, após informar Itoby Junior sobre a falta do companheiro, esperando a Rede de Apoio em pé na calçada. Fumava seu cigarro observando os arranha-céus da grande São Paulo.

Já há muito havia largado a labuta iniciada as quatro da matina, por mais que recebesse seus dividendos como revolucionário profissional, fazia questão de tonificar o orçamento do agrupamento acordando de madrugada para carregar caixas de frutas e hortaliças nos armazéns do Ceasa. Sempre teve esse cuidado de se manter ligado às massas e tornou isso uma fonte de capital suplementar. Até porque estava um tanto difícil de dormir nos aparelhos da... organização. Pois oficialmente não eram mais um "agrupamento comunista", eram uma "Organização" uma "Aliança Nacional", as medidas de segurança haviam se redobrado. Os demais companheiros o cobravam a devida lida e disciplina perante à "organização", para não mais ser tratada como um mero "agrupamento". Recentemente, haviam conseguido um bom contingente, apoio internacional e um bom arsenal. Então estava buscando interpretar aquilo. Só que, se eram mais que um agrupamento, deveriam estar trabalhando tão deliberadamente ainda com a VPR? Descentralizadamente assim? Parecia errado. Essa falta de oficialização. De partidarismo

É certo que eram todos camaradas, mas pelo menos, se eram mesmo um só, cabia a Lamarca revelar a eles sua localização de alguma forma. A expropriação do 4° regimento de infantaria surtiu bons efeitos, deveria ser copiada, aprimorada. Acreditava que com aquilo muitos outros soldados da pátria seriam estimulados a desertar o exército reacionário.

Com a VPR e a ALN trabalhando juntas, a forças do movimento estavam crescendo exponencialmente, e isso era bom, mas achava descabido certas medidas de segurança que empatavam a comunicação entre as células de uma organização e outra, sentia a necessidade de um polo que fosse realmente comum entre todos, de um centro logicamente adaptado a ilegalidade imposta pela burguesia e militarizado, armado até os dentes, capaz de oferecer uma ampla rede de comunicação digna de uma denominação organizativa contra aqueles bandidos fardados, cães de guarda dos grandes capitalistas, porcos parasitas do povo brasileiro. Sentia muito a falta de um Partido.

Buscou apoiar e se filiar ao PCB, mas nunca fora reconhecido em suas fileiras por conta justamente de sua imperatividade combativa, manchava o nome do partidão um agressor como ele enleio as manifestações. Porém, na situação atual de privação das liberdades e de luta armada, era devidamente reconhecido como um comandante. Um líder comunista.

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