PRÓLOGO

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LILLITH
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"Parado no quintal, vestido como uma criança
A casa é branca e o gramado está morto
O gramado está morto, o gramado está morto."

- Half return, Adrianne Lenke.

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Nove anos atrás
Nova York, 28 de dezembro de 2010
23:45

Ódio.
Era isso que eu conseguia enxergar dos olhos da minha pequena irmã. Nada além de ódio e tristeza.
Eu sabia que algo estava errado, mas mamãe e papai nunca acreditaram. Falavam que era coisa da adolescência e que se eu não parar de importuná-los iriam acabar comigo.

Mas como poderia ser normal uma menina de 12 anos começar a vomitar todos os dias, ter ataques de raiva incontroláveis, sangrar pelos ouvidos, pelos olhos e nariz? Ela continuava tendo tremores todos os dias, manchas surgiam pelo seu corpo do nada, e ela teve uma perda de peso gritante. Mas o que mais me chamou atenção foi no dia em que ela foi tirar sangue. Por um milésimo de segundos vi sua expressão mudar e seus olhos perderem a vida, não parecia mais ela naquele corpo, mas sim outra pessoa.

Desfoco minha visão da foto em família que eu observava e passo a mão na nuca, sentindo o suor encostar na minha palma trêmula.
Me sento na beirada da cama e fico balançando os pés. Sinto minha cabeça zonza e olho para o relógio na minha cômoda.
23:45.
Preciso tomar meu remédio.

Com um impulso fraco salto para fora da cama e sigo até meu armário do banheiro. Minhas pernas tremem e minha respiração acelera. Pego um frasco laranja com o rótulo escrito "Alprazolam", remédio para ansiedade e pânico. Abro o frasco, pego um remédio e com uma água que havia pegado mais cedo eu tomo junto com o medicamento. Sinto ele descer pela minha garganta de um jeito lento e grotesco.

Eu preciso dormir.
É tudo o que se passa na minha mente. Todos já estão na cama, mas não consigo, não após meu pai me bater repetidas vezes e me queimar com seu maço de cigarro apenas por ter perdido meus dois dólares. Dois dólares que achei na rua e que nunca pertenceu a ele.

Ele me considera um erro, uma falha. E sinto que ele não está tão errado assim, afinal, após me ter, ele parou de viver, dedicou sua vida para me cuidar, para me criar. Mas mesmo assim acredito que um pai nunca deveria agir desse jeito.

Saio do banheiro e minha barriga ronca alto, me lembrando de que não comi direito o dia todo. Sigo até meu guarda roupa e o abro, pego um moletom branco, jogando ele por cima da fina camiseta em seguida. Dou uma olhada rápida em volta e saio do quarto, me guiando no escuro pelo corredor até a escada.

Passo pelo quarto da Stella e vejo que a porta está fechada. Ela deve estar dormindo, finalmente. Espero que consiga descansar, pelo menos por hoje. Desço as escadas devagar, pisando com cuidado para não fazer barulho. Sei que o chão range em alguns lugares, então escolho bem onde coloco os pés. Se meu pai acordar, ele vai surtar, e eu definitivamente não quero isso agora.

Chego na sala de estar, iluminada apenas pela luz fraca da rua que atravessa as cortinas. Atravesso em silêncio, cada passo um desafio para não fazer nenhum som. Entro na cozinha, e o ambiente é invadido por um friozinho que me arrepia inteira.

Abro a geladeira com todo o cuidado, sentindo o ar gelado tocar meu rosto. Meus olhos correm pelas prateleiras até que encontro o que procurava: um pedaço pequeno do bolo de chocolate de hoje. Ele parece solitário ali, sobrando em meio às outras coisas.

A PROVA DE BALASOnde histórias criam vida. Descubra agora