CAPÍTULO 1: O Diabo que habita em mim

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  — Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, não nos deixei cair em tentação mas livrai-nos do mal. Amém.

  Sinto os olhos das pessoas queimarem minha pele enquanto rezo. Elevo meu olhar e no topo da capela há uma estátua de Jesus Cristo crucificado, olho ao redor e vejos pessoas cochichando enquanto me encaram. Percebo a hipocrisia das pessoas mas, prefiro me abster.

  — Emily, você está indo bem.
  — Para de tentar me agradar, Júlia!— repondo.— Consigo perceber toda essa gente me julgando.
  — Que?! Você está louca não tem ninguém olhando para você.
  — Ah, é?! Pois, então olhe ao redor.

  Júlia discretamente olha ao redor e volta a olhar para mim.

  — Bom, tem uma pessoa ou outra olhando, mas isso não significa que estão te julgando.
  — É óbvio que todos aqui estão me julgando. Quem gostaria de estar perto de uma viciada em cocaína? Eu já roubei igrejas por causa do meu vício!
  — Emily, acho que você está sendo muito cruel consigo mesma, e outra, você está há quase 11 meses limpa.

  Reviro meus olhos enquanto vasculho meu casaco.

  — Pessoas de Nova Friburgo nunca esquecem o que acontece aqui.— respondo me levantando— Vou lá fora fumar.
  — Ok. Daqui a pouco eu vou sair também.— Júlia responde.

  Enquanto caminho para sair da capela, vejo os olhares me fitando. Ao sair da pequena capela percebo que está chovendo bastante, abro o maço de cigarros, pego um, devolvo o maço para o bolso do meu casaco, pego um isqueiro e o acendo. Dou minha primeira tragada e não demora muito para meu corpo relaxar. Sempre gostei de fumar enquanto chove, parece que a nicotina faz efeito mais rápido no meu organismo.
  Enquato fumo, avisto um homem de roupa preta segurando um guarda-chuva do outro lado da rua. Seu rosto é inexpressivel e pálido como uma máscara. Eu desvio o olhar para que ele não perceba que eu o vi. Olho em sua direção de relance  de vez em quando para ver se ele ainda está lá, e ele está. Estático. Parece um manequim, e isso me desconforta. Termino de fumar meu cigarro e me preparo para voltar para dentro da capela, mas Júlia sai bem na hora.

  — Nossa! Está caindo um dilúvio.— Ela esfrega os braços para se aquecer.

  Eu olho para trás e o homem não está mais lá. Então, eu volto a olhar para Júlia.

  — O que aconteceu Emily? Parece que você viu um fantasma.
  — É... Talvez tenha visto.— respondo dando um sorriso amarelo.— Vamos pra casa?
  — Claro!

  Júlia abre o guarda-chuva e caminhamos até nossa casa. No caminho, passamos por algumas vendas de rua para comprar besteiras, ficamos conversando durante todo trajeto.
  Conheci Júlia há mais ou menos um ano e meio. Ela me encontrou desmaiada na rua, tendo uma overdose. Ela me levou até o hospital e depois que eu acordei, ela me convidou para entrar num centro de reabilitação que ela fazia parte. Demorei uns meses para aceitar, mas, ela foi muito compreensiva e respeitosa com o meu tempo. Decidi dar uma chance e cá estou eu, quase 11 meses limpa.
  Os primeiros meses foram muitos difíceis. A abstinência me fazia pensar que iria morrer, tudo que eu queria era cheirar umas sete carreiras de cocaína e ficar doidona por dias. Na primeira semana eu nem conseguia dormir direito. Tinha tremores mesmo sem estar frio, suava demais ao ponto de acordar enxarcada, não conseguia me alimentar direito, colocava tudo para fora, noites e noites chorando, a ansiedade estava me sufocando. Até que, certo dia, tive uma convulsão por causa da abstinência. Esqueci algumas coisas como: onde estava, o que tinha acontecido, esqueci algumas palavras, mas a Júlia me ajudou a recordar de muita coisa. Eu andava por todos os cantos torcendo pra encontrar um mísero pino de cocaína. Em uma dessas minhas "buscas" eu fui abordada por um padre. Ele disse que eu era bem-vinda em sua igreja e que se eu quisesse conversar, Deus estaria lá para me ouvir. Eu fui para a igreja desse padre, que hoje é falecido, e roubei algumas imagens para vender e comprar cocaína. Mas, fui pega antes de conseguir vender. Todos começaram a me olhar como se eu fosse um monstro, porém eu apenas estava desesperada. Novamente, a Júlia ficou do meu lado me dando suporte.
  Passaram-se alguns meses e ela me convidou para sermos colegas de quarto. Obviamente fiquei muito feliz por ela confiar em mim, desde então, moramos juntas.
  Finalmente chegamos em casa e Júlia me entrega a chave.

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