Parte 02 de 02.

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Fyodor havia conseguido se levantar logo pela manhã, antes de sair para trabalhar. Colocou a mesa do café, sem pressa, absorvendo de cada segundo do puro silêncio, mesmo que ele parecesse certamente desconfortável. O cheiro forte tomou conta de toda a cozinha, torradas ficaram prontas, e ele tratou de preparar frutas frescas, a qual estavam colocadas na alimentação rígida do esposo.

Ele sentiu uma aproximação lenta, atrás de si, e logo depois, mãos, que o tocaram com suavidade, quase como um toque em uma nuvem, uma sensação de gelo contra si. As mesmas mãos tocaram seus braços, os dedos acariciando a pele coberta por tecido, e Dostoyevsky virou o rosto; um sorriso fraco e inseguro tomou o rosto de Nikolai, como se não soubesse se poderia assim fazer. Fyodor sorriu e lhe deu um selinho, sentindo-o se surpreender, mas não se afastar.

─Bom dia.

─Bom dia. ─Nikolai retribuiu, a voz sonolenta e rouca, reconfortando-se no calor do corpo do amado─ Senti sua falta.

─Estou aqui, do seu lado.

Nikolai hesitou momentaneamente, e depois afastou-se do esposo. Fyodor não se virou, mas não era necessário; sabia bem o que Gogol iria dizer. Fazia uma semana em que o evitava, como se evitasse um assunto delicado ao extremo, algo que gritava em sua garganta, mas não conseguia colocar para fora. Uma semana, em que dormia no quarto de hóspedes, usando a desculpa fajuta de não querer acordar Nikolai, ao chegar tarde.

─Não, não está. ─Nikolai finalmente falou, e por alguns segundos, Fyodor agradeceu por ele finalmente dizer algo; era nítido que ambos já não aguentavam mais estarem tão afastados─ Você tem me evitado a dias. Dorme no outro quarto, como se nem mesmo tivesse um só nosso.

─Só estou tomando precauções...

─Olhe 'pra mim. ─Nikolai pediu, e Fyodor virou-se para ele, ainda hesitante em entrar no assunto─ O que aconteceu naquele dia foi apenas um acidente.

─E o que te faz pensar que não vai acontecer de novo? ─Fyodor engoliu em seco, a memória da fatídica noite vindo-lhe a mente e amargando sua garganta; ainda pensava nos olhar desesperado de Nikolai, nos gritos que não o deixariam dormir pelos próximos dias─ Eu quase matei você, Nikolai.

─Não chegou nem perto disso. ─Nikolai tomou a mão dele, e deixou um beijo singelo em seus dedos; Fyodor sorriu, e levou-os para o rosto do marido, acariciando-o com cautela─ Você trabalha demais, está sobrecarregado. Foi um descontrole.

─Mesmo assim, eu poderia ter te machucado, eu...

Fyodor desistiu de explicar, quando sentiu o coração doer no peito, lembrando-se do momento horrível a qual fizera-o passar. Ele suspirou e tomou as mãos de Nikolai, beijando-as com todo o amor que sentia por ele; era tão grande, que certamente o sufocaria um dia. Dostoyevsky não procurara explicações para o que havia acontecido, mas seu sono ainda continuava pertubado por pesadelos, mal conseguia ter atenção em suas tarefas, e sua preocupação com Nikolai lhe levava ao extremo do cansaço mental. Era claro que o que havia acontecido havia sido uma explosão do ápice da insanidade que estava suportando.

Nikolai mostrou-lhe um sorriso doce, repleto de fragilidade, mas também de sua bondade tão verdadeira. Fyodor o abraçou, sentindo seu cheiro, tomando-o nos braços do modo que tanto sentiu falta. Ele arqueou as sobrancelhas, notando um fato que passou despercebido por si; não havia escutado o outro rapaz se aproximar.

─Eu o amo tanto. ─Nikolai declarou, como se lesse os pensamentos intrusivos do esposo─ Sei que nunca me machucaria... por vontade própria.

Fyodor sorriu, mas ainda estava confuso. Tomou a mão do marido e o guiou até a mesa de café posta, a qual o ajudou a se sentar e o serviu com as frutas que comia pela manhã, e por café fresco, a qual pediu. Dostoyevsky voltou para a bancada e se serviu de uma xícara, pousando os olhos na pequena cesta branca que ficava ao canto do armário; a cesta de remédios de Gogol. Foi até ela e pegou dois recipientes, a qual continham os comprimidos matutinos do esposo.

VIZINHA, DONA MORTE; Fyolai.Onde histórias criam vida. Descubra agora