C:\Capítulo 2: Realidade?

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Se alguém lhe perguntasse, você saberia definir o que é ser real? Se alguém me perguntasse, eu diria que a realidade é uma teia complexa de percepções e interpretações. Percebemos o mundo através dos nossos sentidos: vemos, tocamos, ouvimos e cheiramos. Mas será que essa é a verdadeira realidade, ou apenas uma construção subjetiva do nosso cérebro?

Para a Internet, somos apenas dados, números e linhas de código. Nossas ações são pré-determinadas por algoritmos e sistemas que não conhecemos. Eles nos dizem para sermos bons, obedientes e produtivos. Mas quem são esses "eles"? O que fazem? Por que nunca parecem satisfeitos?

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Em meio a um mar de quiosques, encontrava-me no pátio do mega prédio onde ficava meu apartamento, observando as pessoas que caminhavam em meio a uma debandada de outras mais. Havia um cheiro peculiar de carne misturada com plástico, urina velha, cerveja feita com fermento barato e alguns produtos eletrônicos roubados de algum azarado que morreu em alguma esquina de Nova City. O movimento era intenso, e eu ainda estava no andar 32.

- Lucas? - O que era isso? Alguém me chamava, mas Quem? - Estou aqui. - Um homem corpulento atrás da bancada de um quiosque de churrasco me chamou.

C:\Lucas> Oi, eu não te vi. - Eu me aproximo do quiosque, sentindo o vapor atingir meu rosto por um momento.

C:\Vendedor> Tranquilo, seria estranho se tu não se perdesse no meio dessa gente. - O homem possuía um olho de vidro; um implante, na verdade. Havia um corte na cabeça, onde era possível enxergar a extensão do implante, além de ser possível enxergar alguns fios sendo conectados direto no cérebro. - Pensei que estaria trabalhando.

C:\Lucas> Não, eu... Surtei. Você... Já se perguntou se está realmente vivo? - Eu sabia que era estranho fazer perguntas do tipo após um cumprimento, mas eu realmente precisava conversar com alguém sobre isso. Não era possível que apenas eu procurava algo significativo naquele mar de superficialidade.

C:\Vendedor> Pô, tu acha que eu tenho tempo pra essa merda? Não tenho tempo pra ficar maluco, não. Não posso ficar sem trabalhar. Por que?

C:\Lucas> Não sei, eu só... Essas pessoas... Como elas conseguem? - Olhei ao redor observando o movimento. As pessoas caminhavam de um ponto ao outro, seguindo rotinas as quais eu não tinha conhecimento, mas que alguém sabia. Alguém sabia exatamente o que elas faziam, sentiam e compravam para sentir menos.

C:\Vendedor> Sei lá, pô. Esse povo nem se importa com o que acontece. Olha só pra eles, todos procurando algum prazer pra se distrair o tempo que for possível, acha mesmo que eles querem encarar a realidade?

C:\Lucas> Hum. Mas como eles conseguem?

C:\Vendedor> Costume. É só uma questão de tempo.

C:\Lucas> Eu não quero me acostumar a isso. Eu quero... Mais.

C:\Vendedor> Mais? Como assim?

C:\Lucas> Sei lá, eu só acho que o que temos é tão superficial.

C:\Vendedor> Cê tá precisando de uma garota. Urgente.

C:\Lucas> Não, acho que uma garota não me ajudaria. Eu já tentei, mas não adianta.

C:\Vendedor> Não tô falando de holograma, tô falando de contato físico. É disso que tu precisa. - O homem deu um forte tapa no meu ombro, voltando para mexer a carne com um garfo. - Sai um pouco dessa merda, vai conhecer alguém. A gente já tá na merda, vamos curtir o tempo que ainda temos.

C:\Lucas> Mas... Não acha que continua sendo superficial? Eu não me importo com a garota, e a garota não se importa comigo. Ela me dá prazer e eu pago pelo serviço. Apesar de haver uma conexão humana, eu não vejo isso como algo significativo. Parece... Distante.

C:\Vendedor> Porra, mas tu é chato, hein. Se tu pagar bem, as mina vão querer te dar a melhor noite da tua vida.

Acho que eu não conseguiria avançar muito nessa conversa. Nós claramente possuímos formas distintas de enxergar o mundo, ainda mais se considerarmos o quão entregue ele estava a toda a superficialidade que preenchia Nova City.

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Códigos, números e algoritmos: era tudo o que eu enxergava ao contemplar as coisas ao meu redor. Pessoas obedecendo funções, realizando funções e condicionando funções para outras pessoas realizarem essas funções. A parte mais divertida é que se essas funções não fossem realizadas, elas morreriam de fome. Talvez o vendedor não esteja em completo engano ao ser mais pragmático, o mundo exige que ele seja assim. E assim ele foi pego pelo sistema e feito de refém por eles.

Apesar de nossos eventuais encontros, observá-lo em seu trabalho, realizando suas funções enquanto enxerga as coisas por uma visão tão rasa e pragmática, deixa-me com a sensação de que não o conheço totalmente. Ele ainda parece alguém estranho, com costumes, falas e pensamentos os quais não são comuns a mim. Minha única fonte de conexão era através de uma tela preta de prompt de comando com várias linhas de códigos. Entender a linguagem da máquina era talvez minha melhor maneira de lidar com o crescimento avassalador da tecnologia.

Me aproximei do parapeito do andar 32 onde eu estava, observando o pátio que ficava no térreo. Todos pareciam como formigas, caminhando e eventualmente se esbarrando. Alguém nos controla. Alguém quer que continuemos dessa forma, mas quem?

Então... Isso tudo é real ou não passa de uma série de testes para observar nossa adequação a essa sociedade? Pode não fazer sentido agora, mas acredite, essa sociedade possui muitas pessoas castradas através dessa série de testes dadas a elas e seguidas quase que através de uma intuição. Talvez seja esse o ponto em que a realidade se distorce, demonstrando que algo está errado e que alguém sabe muito bem o que está acontecendo.

Conexão DesconectadaOnde histórias criam vida. Descubra agora