Já faz um tempo que não falo com você, mas eu tenho meus motivos e você sabe disso. Eu só... Eu mudei de corpo recentemente, sinto-me estranho. Esse corpo não é meu, mas minha alma está sob a pele sintética dessa coisa. Só... Queria saber se você já consegue responder o que é ser real, porque... Eu quero entender como deixar de sentir que sou artificial, eu... Não quero sentir como se isso tudo fosse uma mentira.
Quem sou eu? Se antes eu não sabia, agora eu simplesmente nunca conseguirei responder. Se antes eu me sentia desconectado de mim mesmo, agora essa sensação se tornou real. Queria apenas saber o que devo fazer.
Isso me faz pensar... É verdade que quando conseguimos entender a nós mesmos, somos capazes de compreender o mundo ao nosso redor, ou simplesmente começamos a lidar com o fato de que a realidade percebida sempre fez e sempre fará parte da forma como interagimos com esse mundo? Entender a si mesmo seria o mesmo que questionar a forma como notamos a realidade? Estar vivo, mesmo em outro corpo, seria o mesmo que crescer e notar as mudanças em si mesmo? Talvez eu apenas esteja tentando minimizar a situação.
Eles fizeram alguns testes para observar minha adaptação a esse novo corpo. Tive alguma dificuldade para caminhar no início, mas então meu cérebro começou a se acostumar com esse novo corpo depois que a Ingrid injetou um medicamento que, em poucas palavras, faz o cérebro acreditar que aquele o corpo que uso sempre fez parte de mim, ou sei lá. Então eu literalmente tenho que tomar esse remédio para o meu BrainOS não rejeitar o corpo sintético.
O que você acha disso? Já pensou em depender de remédios para o seu cérebro não rejeitar o corpo o qual você não escolheu ser colocado? Aposto que não, sorte a sua.
Meu corpo, ou... O corpo que agora eu possuía, estava deitado sobre uma superfície macia, mas que rangia todas as vezes que me movia. Havia alguns tubos de ar pendurados na parede por onde passava o líquido que refirgerava os computadores da base. Apesar de não saber exatamente onde estava, aquele lugar parecia um quarto, com as paredes e o chão feitos de concreto.
- Se sente melhor. - Uma mulher surge na porta, chamando minha atenção ao bater na porta que já estava aberta.
C:\Lucas> Não sei se "bem" seja a palavra que defina esse meu estado, mas eu pelo menos eu não morri.
C:\Ingrid> Bom... É o tipo de coisa que a gente pensa quando mora numa cidade como essa. - Ela se aproximou de mim, se sentado ao meu lado na cama. - Só fato de estarmos vivos em meio a esse caos já é uma vitória, ou sorte, depende do seu humor.
C:\Lucas> O que é isso? - Notei que havia algo no bolso da calça da Ingrid. Pelo volume, aquela coisa parecia muito maior do que a calça conseguiria suportar. Ela retirou, revelando ser o mesmo remédio que devo começar a tomar.
C:\Ingrid> Seu cérebro não é o único que precisa desse treco pra não rejeitar o corpo sintético.
C:\Lucas> Como você consegue viver assim?
C:\Ingrid> Eu já falei, nós simplesmente paramos de nos perguntar.
C:\Lucas> Eu pensei que não tinha nada a perder quando vim pra cá, mas... Acho que sempre temos algo pra ser tirado de nós, inclusive nós mesmos.
C:\Ingrid> Todos pensam assim, não é a toa que os habitante de Nova City estão sempre tentando se destrair. Ninguém quer aceitar que estão perdidos de si mesmos. - Ela fez uma pausa, olhando para um ponto físico na parede a sua frente.
C:\Lucas> O que foi?
C:\Ingrid> Nada, só estava verificando meu BrainOS. Me acostumei a verificar o status da compatibilidade entre o corpo sintético e o meu cérebro, e... Até agora parece estar normal.
C:\Lucas> Hum. Que... Merda.
C:\Ingrid> Depois que você descobre as possíveis atualizações que pode fazer no seu corpo, passa a ser menos complicado.
C:\Lucas> Mas e quanto a mim? Eu vou deixar de ser quem eu sou?
C:\Ingrid> Enquanto você estava conversando com o chefe dos Cavaleiros, precisamos fazer o transolante do seu cérebro para esse seu bico corpo sintético, o que significa que apenas os seus dados estavam na rede.
C:\Lucas> Mas como assim? Eu me lembro de estar lá, eu estava lá.
C:\Ingrid> Esse é o ponto, você não perdeu a consciência de si, pois apenas o fato de pensarmos nossa própria existência já indica que existimos.
C:\Lucas> Então... Significa que nos tornamos imortais?
C:\Ingrid> Podemos dizer que sim.
C:\Lucas> Mas a que preço? O que acha melhor, vi er eternamente dependendo de um remédio pro seu próprio cérebro não destruir seu corpo, ou viver sabendo que sua vida terá um fim?
C:\Ingrid> Eu... Sinceramente não sei.
Minhas mãos começaram a se mover pela superfície macia do colchão, causando algumas dobras no tecido que o cobria por inteiro. A textura lembrava um algodão, mas talvez fosse apenas impressão minha. Era estranho sentir aquela textura através do corpo sintético.
C:\Ingrid> Intrigante, não é mesmo? Apesar do corpo sintético, as sinapses ainda respondem ao estímulo.
C:\Lucas> Hum. - Talvez seja verdade. A realidade percebida sempre fará parte de nós, mesmo através de um corpo sintético, ainda podemos sentir o mundo, mas... Por que ainda me sinto sob um corpo falso?
C:\Ingrid> O que foi?
C:\Lucas> Nada... Não é nada. Então... Por que o seu chefe queria me mostrar a manipulação da realidade percebida na prática?
C:\Ingrid> Ele faz isso com todos que entram para os Cavaleiros. Ele diz que, ao mostrar como a realidade pode ser moldada, nos faz sentir mais compelidos a lutar contra esse sistema falido.
C:\Lucas> E você se sente assim?
C:\Ingrid> Às vezes eu duvido, outras eu acredito ainda mais nessa ideia... Acho que sempre estarei questionando se isso é o que eu quero, mas desde que eu consiga dar alguma resposta plausível, acho que não devo me preocupar tanto.
Não existem heróis, não existem vilões. O que realmente existe é a vontade da maioria oprimida contra a ganância da minoria opressora, mas mesmo diante desse cenário, existe uma linha tênue entre revolução e terrorismo. Eu não quero me tornar alguém temido, mas também não quero me tornar um covarde e deixar as pessoas à própria sorte. Não importa o que eu escolha, as consequências serão terríveis de qualquer forma.
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Conexão Desconectada
Science FictionEm um futuro distópico, Lucas, um homem atormentado por dúvidas existenciais, se vê preso entre a realidade física e a virtualidade. Uma cápsula avermelhada, mensagens anônimas e uma mulher loira misteriosa o conduzem por um labirinto de segredos. A...