3° Gravação

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– Não. Você não ia deixar eu gravar, ia?

Ela riu.

– Claro que não. Você deveria parar de gravar. Você tem o quê? 12 anos?

– Você já deveria saber a minha idade. Você mora comigo já vai fazer uns 4 anos.

Ela deu de ombros.

– Isso é tão infantil. – ela disse.

– Falou a menina que ainda escreve um diário. E só pra constar, eu tenho 14 anos e eu gosto de gravar. – respondeu, de boca cheia.

– Enfim. Você que sabe. Mas ainda vou te atrapalhar.

– Eu sei disso.

Então ele empurrou cadeira pra trás e levantou, entornando o resto do suco de maracujá goela abaixo.

– Melhor comprar algo para sua mãe. – disse Fernando.

– Vou comprar. 

Então se afastou. Pegou o mini gravador do bolso e começou a gravar novamente.

Click.

– Diário de viagem. 4° gravação... Não, 3° gravação... Espera. Eu esqueci em qual gravação parei. – pensou em voz alta. – Enfim, não faz muita importância. São 6:36, as pessoas continuam chegando e o tempo lá fora ficou um pouco mais feio. O céu está completamente cinza.

Seu bolso vibrou novamente, seguindo ao toque de sua música preferida.

Click.

– Alô? Oi pai. Onde você está?

– Estou saindo de casa.

– Ainda. – gritou. – Venha logo. – pediu.

– Está chovendo muito por aqui. Estarei indo o mais rápido que puder. Já está chovendo ai?

– Não. Só está chuviscando por enquanto. – respondeu. – Venha logo, por favor. Estou ficando com frio e meu casaco está dentro do carro.

– Ok. Ok. Já estou dentro do carro, filho. Aguarde só mais um pouco. E Helena, o que ela disse?

– Ela ficou nervosa né. Ainda mais sem saber como você pôde esquecer o dinheiro em casa. O que realmente me interessa em saber. Como você esqueceu o dinheiro em casa?

Tu tu tu tu.

Provavelmente a ligação caíra.

Fernando se esquivava das pessoas que começavam a chegar aos montes arrastando malas de um lado ao outro, ou com os telefones grudados na orelhas tagarelando. Ele se encolheu ao passar por dois brutamontes de sobretudo preto agarrado ao telefone. 

Ele entrou na fila e ficou esperando por seu pai.

Olhou para o gravador em sua mão, o admirou por alguns segundos e apertou novamente o botão de gravar.

Click.

– O que faz na fila? – perguntou uma mulher atrás de si de repente.

– Estou esperando por meu pai. Ele já está chegando. Se chegar minha vez e ele não tiver aqui ainda, pode passar. – disse.

– Uma criança não deveria estar na fila sozinho. Seu pai é um irresponsável. – ela disse, olhando-o por cima. Com o nariz em pé.

– E quem é você? É alguém que devo ter alguma educação? – perguntou.

– Sou mais velha que você. Espera-se respeito... – ela disse, parecia ter se alterado um pouco. – Cadê a sua educação? Seus pais não te deram?

– Deram sim. O que a senhora que saber? Quer passar na frente? – se afastou um passo da fila. – Passe, senhora. – disse com ironia.

Então lembrei que estava gravando. Apertei novamente o botão do gravador."

Click.

– Pelo que disse, percebi que respondeu essa senhora com raiva. Por quê? – perguntou o policial.

– Acho que não era ao certo raiva. Mas acho que era mais uma irritação. Detesto gente que se acha superior, ou que ache que não sou capaz de fazer alguma coisa.

– Ela não te tratou mal, tratou?

– Não. Só achando que eu não poderia estar ali.

– Mas não podia. – ele disse. – Não deveria estar lá sozinho.

...

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