Parte 2

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Alguns anos se passaram desde esse acontecimento. Aya estava maior e mais curiosa do que antes, tanto que um dia apareceu nos jardins do templo em pleno dia. Para sua sorte, apenas o mesmo monge que a havia encontrado anos antes estava lá e logo a reconheceu.

 Para sua sorte, apenas o mesmo monge que a havia encontrado anos antes estava lá e logo a reconheceu

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"Aya.", chamou ele. A menina franziu a testa quando ouviu aquele nome e ele pensou que talvez não a entendesse, pois vivia com animais. "Entendes-me?", perguntou apontando para si mesmo, "Tu és a Aya.", concluiu apontando para ela. "Aya.", respondeu a criança. "Sim, isso mesmo! Tu és Aya.", respondeu o monge entusiasmado por ver que ela tinha dito uma palavra. "Eu entendo-te. Porque é que falas assim, dessa maneira estranha?", perguntou Aya com a testa franzida. O monge soltou o que pareceu ser um riso e um suspiro ao mesmo tempo. Depois reprovou-se a si mesmo por achar que uma filha de demónios fosse incapaz de apanhar a língua humana tão rapidamente. "Não podes estar aqui. Podem ver-te.", respondeu voltando a ficar sério. "Porque não?", perguntou Aya sentando-se como uma raposa, "Esta parte de terra ainda é a minha casa.", respondeu com o olhar semicerrado. E para todos os efeitos, era mesmo. O templo ficava no cume do monte, afastado da aldeia, mas dentro da natureza. "Mas não és como nós. Podem magoar-te por isso. Entendes?", perguntou o monge num ato de demonstrar preocupação. Aya bufou, aborrecida. Aquele lugar estava repleto de sítios onde ainda não tinha ido e coisas que não tinha feito. A sua curiosidade sufocava-a. "Mas talvez eu possa ajudar-te.", completou o monge e fez um gesto para que a seguisse, com cautela, para que ninguém os visse.

 Levou-a até um quarto onde tinha baús antigos, bugigangas e outros artefatos. Vasculhou um pouco até encontrar o que procurava. Uma máscara de Kitsune branca de porcelana com detalhes em vermelho sangue. "Parece uma cara de raposa.", disse Aya percorrendo os olhos no objeto. "E é isso que representa. Dizem as lendas que raposas como tu usavam máscaras assim para esconder a sua aparência demoníaca. Assim podiam andar entre os humanos sem serem descobertas.", explicou o monge. "Há mais raposas como eu?", perguntou ela com um olhar surpreso. "Sim, espalhadas pelo mundo.", respondeu o monge com um sorriso. "E o que acontece se eu puser isto?", perguntou Aya já colocando a máscara. O monge deixou de a ver e começou a olhar à volta, sem sinal dela. Nem a ver, nem podia sentir a sua presença e nesse momento entendeu que além de esconder a criança dos humanos, podia ir mais além disso.

 "Aya. Eu não consigo ver-te. Podes tirar a máscara, por favor?" A criança riu de forma travessa e começou a andar pela sala, afastando os objetos no chão, mas depois disso já era como se ela tivesse deixado a divisão. "Isto é giro", disse por fim com a máscara retirada, atrás do monge, fazendo com que este saltasse de susto, "Posso ficar com ela?", perguntou. "É tua. Mas tens de me prometer que não te metes em sarilhos. Mesmo", disse o monge, quase arrependido de lhe ter dado aquele objeto, depois da travessura dela. "Eu não posso ir mais longe. Só posso ficar na floresta, monge, a Mãe Raposa não deixa sair de lá. Eu sou uma boa raposa, por isso não desobedeço", respondeu Aya a balançar a máscara nas mãos. "É assim mesmo. Devemos obedecer a quem manda. Eu também o faço. Por exemplo, o monge «pai» também disse que se te encontrasse aqui, tinha de te dizer para ficares longe dos humanos. Foi o que fiz...", depois colocou um ar pensativo e sorriu como quem tinha feito algo errado, "...claro que não disse para te dar a máscara..., mas fica o nosso segredo. Pode ser?" Aya acenou com a cabeça.  "Mas só faço promessas com quem sei o nome. Eu sou Aya, tu disseste. E tu? Tens nome, ou és só «monge»?" O jovem sorriu e guardou as mãos nas mangas do seu traje, "O meu nome é Hiroshi. Tu és Aya." A raposinha dirigiu-se para a porta, com a máscara na mão, e respondeu "Eu sou Aya." 

Encontros como aquele repetiram-se e mais anos se passaram

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Encontros como aquele repetiram-se e mais anos se passaram. Hiroshi, quando não estava ocupado com os seus deveres de monge, ensinava a raposa a ler e a escrever, a falar com os espíritos e alguns rituais. Também lhe contava histórias e lendas sobre o Mundo Espiritual que estavam nos pergaminhos do templo. E com tanta convivência, tornaram-se amigos. 

Por sua vez, com as boas energias a pairar sobre aquele lugar no paraíso natural, a aldeia ficara cada vez mais abundante e rica. Viajantes de todas as partes visitavam o monte para comer as belas frutas e o peixe prateado saboroso. Comerciantes, vindos de longe, levavam os produtos para outras terras que, consequentemente, trazia mais pessoas à aldeia. Acabou que, numa pequena extensão de tempo, a aldeia ganhou demasiados habitantes. 

A mata que até então era um lugar de busca pelo sustento, passou a ser fornecedor para negócios e uma nova casa para os habitantes mais desfavorecidos. Estes colhiam, caçavam e pescavam o que ainda podiam para sustentar as suas cabanas, mas pouco mais. Aya observou o acontecimento de perto, por detrás da sua máscara, enquanto passeava pelos trilhos perto do riacho e ficou muito desagradada com aquela situação, e estaria pronta para expulsar todos dali se não tivesse visto algo que a impedisse. Os aldeões pobres não quiseram roubar mais a natureza, como faziam os outros, então das frutas que tinham colhido antes, guardaram as sementes e os caroços para poderem plantar em pequenas hortas ao lado de cada cabana. Começaram a pescar e a caçar uma vez por semana, alternadamente, para prejudicar menos a vida dos animais.

Aya preferiu deixá-los ficar na mata, debaixo de olho. Já os outros, assustava e espantava os que podia, sem revelar a sua presença, com ilusões para que as visitas indesejadas se tornassem menos frequentes.

A Raposa de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora