Varanasi

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Rio Tigre - 10.000 A.C.


Sempre achei que o sol não deveria ser tão quente ao meio dia, há um calor excessivo e poucos lugares com sombra. Penso na quantidade de luz solar que irradia sobre os meus caçadores, que devem estar sofrendo por tal, ao providenciarem mais uma noite de banquete regado a carne silvestre para minha corte. É claro que temos criações de animais mais do que suficiente para anos de fartura, mas hoje é o trigésimo aniversário do reino, e como a tradição manda, deve-se comemorar com a melhor carne de caça que se conseguir.

Meu irmão, Esmérdis, ao qual é meu convidado para esta noite, comprometeu-se de trazer o melhor vinho que qualquer um do meu reino já tomara. Está programado dele chegar ao pôr do sol, assim como os meus caçadores. 

Minha primeira esposa, Taslultum, entra na sala do trono para me fazer companhia. Ela veste um vestido leve e azul, e segura nosso filho caçula no colo.

- Passei na cozinha para ver o que estão preparando, vi que já estão adiantando tudo para focarem apenas na carne quando esta chegar. Nem quero ver a correria para tirar a pele do animal e desossá-lo a tempo. - falava ao se sentar em seu trono, ao meu lado. Havia mais seis tranos, além dos que estamos sentados, todos à minha esquerda, nenhum à minha ddireita, este lado está reservado para meu sucessor, que será aquele dentre meus filhos que se provar mais digno e valoroso.

- A única coisa que penso é neste calor infernal, meus súditos estão caçando e meu irmão está na estrada em seu cavalo, todos por mim. Acho que... seria educado interferir. - levantei-me então e me dirigi ao outro lado da sala, onde escorei-me na imensa janela, cujo tinha a visão de todo o reino. Havia poucas pessoas nas ruas, o mercado estava quase todo fechado, todos deveriam estar almoçando no conforto de suas casas. Olhei para cima, o céu azul quase branco de tanta luz, não havia uma nuvem sequer. 

- Então vai dar uma de Deus hoje? - falou minha mulher em tom provocativo, e então percebi que ela havia se levantado e já se aproximava de mim, escorando-se em meus ombros. - Gosto quando você faz esse tipo de demonstração grandiosa, me faz lembrar que casei com uma divindade, e não com qualquer pé rapado metido a especial. O único realmente especial está aqui bem diante dos meus olhos. - ela se deliciava pronunciando tais palavras, como se as bebesse e sentisse seu gosto. 

- Não sou o único. Sabe que aquele que compartilha desta condição comigo estará jantando na mesma mesa que nós hoje.

- Não falaremos do futuro, meu rei, mesmo que ele esteja próximo. Vamos, mostre aquilo que lhe fez rei. Eu nunca, nem em mil vidas, me cansarei de presenciar estes seus atos. - pousava então sua cabeça em meus ombros, enquanto colocava nosso filho, que já andava, no chão. Este então tentava olhar pela janela, em vão, não tinha altura ainda.

Foi tudo silencioso, eu apenas levantei uma das mãos para o céu, e nuvens começaram a se formar. O céu que antes era azul, agora estava completamente cinza, e ventos começaram a dançar fortes sobre toda a região.  

- Acho que é o suficiente. Já está mais fresco.  - refleti em voz alta.

- Queria que fizesse chover, gosto quando faz isso. - sua cabeça continuava em meu ombro e seu tom denunciava sua insatisfação. Infelizmente, tinha que concordar, adorava fazer chover.

- Bem... Não quero fazer meu irmão levar chuva e isso pode atrapalhar a caça, mas... não fará mal se for apenas dentro do reino.

Voltei a levantar minha mão e logo uma tromba d'água caía, apenas perto do palácio e das construções, onde não atrapalharia aqueles que esperávamos.

 Taslultum então sorriu, e pareceu que o salão iluminou-se junto com seu semblante.

- Espero que nosso caçula consiga fazer metade do que você faz. 

- Ele vai ter sua própria grandeza. Meu dom resplandece em todos os meus filhos. - respondi, tentando parecer complacente.

- Nosso primogênito move os metais. O filho da sua terceira esposa consegue viajar a lugares diferentes em um piscar dos olhos, são dons impressionantes, mas... nenhum domina os quatro elementos, controla o clima ao seu bel-prazer... e nenhum deles herdou suas asas, meu anjo. O meu sonho é dar a luz a algum exatamente como você: um deus na terra.

Não gostava quando ela diminuía minha prole, mesmo que essa não fosse sua intenção. Se sentia culpada, mesmo tendo dado a luz a crianças saudáveis e fortes. Taslultum era ambiciosa e mantinha altos padrões com ela e a todos que cercava, por isso se apaixonou por mim, me considerava superior em qualquer parâmetro, primeiramente devido minha anatomia. Eu tinha duas grandes e alvas asas saindo de minhas costas, parecidas com as das aves, cheias de penas, mas elas eram grandes e fortes, suficientes para eu levantar voo sempre que quisesses. Meu irmão Esmérdis também possuía tais troféis, viajávamos com o vento, nada me fazia tão feliz. Sempre quis que um filho meu as herdasse, mas depois de tantas crianças de 7 esposas diferentes, já me parece não ser possível. Nenhum descendente do meu irmão  também herdara tal presente.

- Tenho muitos filhos, todos eles serão reis e rainhas. Tenho certeza de que serão adorados e levarão o mundo para a luz, mas sinto que o sangue mortal de vocês dilui o meu. - ao dizer isso seu rosto baixara, evidenciando sua vergonha. - Não precisa se sentir culpada, meu amor. Eu só digo isso pois é o óbvio. Se fosse para eu ter filhos tão poderosos quanto eu e meu irmão, um de nós seria uma mulher. Não sei exatamente o que somos, mas o nosso destino é claro como um rio sem lama: devemos encher a terra de bons homens e mulheres, independente de quantos membros brotem de seu tronco. Cada filho meu é precioso.







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