Emily (XXXI)

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  A volta para casa é dolorosa. Eu não falo, porque sei que se o fizer, não vou parar de chorar. A minha mãe não fala, porque não me quer torturar.
- Posso falar com vocês? – pergunto aos meus pais, após a chegada a casa.
- Claro, filha. Tudo o que tu quiseres. – responde a minha mãe.
- Eu quero ficar com o James no hospital até ele sair.
- Isso não vai acontecer, filha. – Responde o meu pai com a sua tranquilidade.
- Por muito que me custe, vou ter de concordar com o teu pai.
- Eu preciso de estar lá quando ele acordar, por favor. – Imploro.
- Amor, mesmo que nós te deixemos ir, não sabes se o hospital permite que fiques lá por tempo indefinido. – Justifica a minha mãe.
- Se eu tratar disso, vocês deixam-me ir?
- E achas que vão mudar o James para um quarto preparado para dormires lá? Estás de férias. Nós deixamos-te ir visitá-lo todos os dias. É só pegares no teu carro.
- Mãe, eu imploro. Sabes que nunca te pedi nada. – É realmente verdade. Não me lembro da última vez que realmente pedi alguma coisa minimamente importante à minha mãe. Acho que estava a guardar todas as cartas para usá-las neste momento.
- Pronto, está bem. Primeiro arranja maneira de conseguires lá ficar e depois tratamos do resto. – Diz ela.
- Obrigado, mãe!
  Vou a correr para o meu quarto para pegar nas chaves do carro que não conduzo há alguns meses.

- Acha que consegue fazer com que eu fale com o diretor do hospital? – pergunto à Betty, em chamada. – Só preciso de cinco minutos.
- Claro que consigo. Vens agora para aqui, outra vez?
- Vou. Tive uma ideia para não deixar o James sozinho.
- Vou confiar. Espero por ti aqui. – Despede-se.

- Bom dia, Sr. diretor. – Cumprimento, dando um aperto de mão.
- Bom dia, Sr.ª Castle. Sente-se, por favor. – Aponta para uma das cadeiras vazias. – Disseram-me que queria falar comigo com alguma urgência.
- Sim. O meu namorado está em estado muito grave e eu queria ficar com ele até ter alta. – Digo, com a voz trémula.
- Com "ficar", refere-se ao quê propriamente?
- Eu queria dormir e passar o dia com ele. Não só não precisariam de ter alguém sempre a ver se ele está bem, como posso estar ao lado dele quando acordar.
- Pode dizer-me o nome do seu namorado, por favor? – pergunta, olhando para o computador.
- James Wilson.
- O filho dos doutores Natasha e Ward Wilson? – pergunta, com alguma admiração. Provavelmente conhece-os de algum processo criminal.
- Correto.
- Vou transferi-lo para um quarto onde você possa ficar confortável.
- Muito obrigada. – Esperava que fosse ser muito mais difícil de conseguir o quarto.


  O diretor mudou o James para um quarto com casa de banho e secretária, feito para aqueles pacientes que passam a maior parte da sua vida no hospital. Naquele dia voltei a casa, peguei no meu material escolar, em livros e em produtos de higiene e mudei-me para o quarto do James. Consegui cumprir com o que tinha prometido. Consegui ficar ao lado do James. As minhas costas doem-me de dormir no cadeirão, mas é algo a que já me habituei. Durante o dia, faço mais ou menos a rotina que fazia em casa. A parte má é que tenho de comer comida sem temperos, mas já me estou a habituar. As enfermeiras vêm trazer-me a comida ao quarto, juntamente com o soro do James. Quando não tenho nada para fazer, estudo um pouco, faço chamada com a minha mãe (que foi a sua única condição dela, se eu quisesse vir para aqui), falo com os meus amigos, mesmo as notícias sendo sempre as mesmas, e vejo alguns programas de televisão.
  Sempre que vêm médicos ver como ele está, a resposta é sempre a mesma: "Resta-nos esperar. Apenas o tempo nos dirá o que fazer a seguir". Admito que é difícil parecer positiva vinte e quatro sobre sete. Digo a toda a gente que ele vai melhorar e que o sinto, até porque é esse o motivo de estar aqui, mas tenho os meus momentos de dúvida. Às vezes sento-me e dou-lhe a mão na esperança que me esteja a ouvir. De noite, até leio em voz alta. Leio alguns romances, que fiquei a saber que ele começou a ler. Conto-lhe também as novidades que recebo durante o dia e falo-lhe da minha vida. Conto histórias de infância que me lembro e momentos embaraçosos pelos quais passei. Muitas vezes apetece-me chorar, mas faço-o na casa de banho, para ele não achar que é o motivo da minha tristeza. É estranho pensar que eu vivia bem sem saber da sua existência, mas agora não consigo imaginar a minha vida sem ele. Cada dia que passa tenho corrido mais vezes para a casa de banho, por pensar nisso. Mas vou fazer de tudo para continuar positiva à frente de toda a gente. Se não o fizer, quem o fará?

  Dia vinte e três de dezembro, quando acordei, percebi que os seus batimentos cardíacos estavam mais próximos do que seria o normal, o que me deu bastantes esperanças. Quando a médica o viu, não me pareceu muito feliz, porque "quase sempre é mau sinal quando se melhora imenso, de repente", mas eu quis acreditar que esta melhora era para ser celebrada.
  Falta pouco tempo para a hora de jantar e eu estou a ver o sol a pôr-se através da grande janela do quarto. Lá fora o tempo parece estar nos seus dias mais calmos e cá dentro não é diferente. Ouço apenas os batimentos cardíacos do James e os meus pensamentos. De repente, começo a ouvir a máquina a apitar descontroladamente. Fico desesperada e corro para ver se o James está bem. Olho para o eletrocardiograma, mas este mostra apenas uma linha no centro da tela.
- James!? – grito, numa tentativa desesperada de o acordar. – James, por favor!
  Lembro-me que ele tem um botão de emergência e aperto-o várias vezes. Enquanto as enfermeiras não aparecem, no que parecem horas, tento fazer compressão no seu peito, rezando para as aulas de suporte básico de vida fazerem efeito. Durante alguns dias, eu aguentei não chorar à frente dele ou de qualquer outra pessoa, mas neste momento não consigo suportar o vazio que sinto e começo a chorar numa quantidade que nem sabia ser possível.
- Afaste-se, por favor. – diz-me uma enfermeira, puxando pelo braço. – Vai ter que sair do quarto.
  Mais três enfermeiros entraram no quarto e cercaram a cama enquanto proferem palavras que não entendo. Esta realidade assusta-me. Penso que, se calhar, a falsa positividade que tinha era só uma tentativa de fuga à realidade.
- Pás... ligar a duzentos joules... afastar. – ouço do outro lado da porta. Caio no chão e fecho os olhos. Sinto as lágrimas caírem-me da face e a única coisa que consigo imaginar são os bons momentos que tive com o James. Todos eles passam-me pela cabeça como se tivesse a ver um filme. Posso dizer com certeza que fui feliz. Tive os pontos mais altos da minha vida com ele, mas como não se pode apenas subir, esta é a maior queda de todas.

- Lamento muito. Tentamos tudo o que podíamos. – diz-me uma médica, abaixando-se e tocando-me no ombro. Já chorei imenso, mas consigo chorar muito mais. O sentimento é indescritível. É como se me apunhalassem no coração e me atirassem num buraco sem fim.
- Doutora? Tenho pulsação! – diz uma voz masculina vinda do quarto.
- Como assim? – pergunta a médica. Limpo imediatamente as lágrimas e levanto-me. Não acredito que o conseguiram salvar.
- Achei que devia tentar mais um pouco e conseguimos ter pulso.
- Muito bem. Preciso de alguma vigilância neste quarto, por favor. – Ordena a médica. – Você tem muita sorte. – diz-me, saíndo do quarto.

  Na véspera de natal, fui obrigada pelos meus pais a jantar com a família, mas voltei sozinha para o hospital, logo após. Os meus pais pediram-me para voltar para casa e os médicos chamaram-me de maluca por passar os dias com ele, mas a verdade é que estava lá quando ele acordou. Prometi-me que iria ficar com ele até acordar e fiquei. Achei que o tinha perdido, sentindo a maior dor da minha vida, mas agora ele está bem. Até agradeço por ter sentido essa dor, porque se havia dúvidas do que sentia por ele, agora é tão claro como a água. Eu amo-o.

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