Tudo termina aqui! (Prelúdio)

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GUERRA AZUL

PRÓLOGO

"Não sei como será a terceira guerra mundial,

mas a quarta será com paus e pedras".

Albert Einstein

— Tudo termina aqui! – sussurrou Eliseu se arrastando sobre a terra ressequida, mordendo os lábios sujos de areia do imenso deserto paulista. O único sinal de vida em todo aquele lugar era o seu coração batendo cada vez mais fraco, enquanto cansado sentia suas veias secando. Tanto tempo cruzando trilhas sem marcas, seguindo os rastros dos ventos, para sentir que a Morte o tomaria pouco antes de ele concluir sua última missão: encontrar o "Povo da Areia", um grupo de sobreviventes que habitava um lugar há muito tempo chamado de Volume Morto.

O sol sobre sua cabeça o castigava e ele reunia forças para alcançar a única sombra próxima: a carcaça de um barco há décadas abandonado onde um dia já foi coberto pelas águas da represa Cantareira.

Quem informou à cerca do Povo da Areia, foi um homem moribundo que ele encontrou no caminho, amarrado a um poste. De frente aquele infeliz estava uma garrafa de água, o calor excessivo e a sede lancinante.

Eliseu pensou duas vezes se deveria se aproximar. Vivia há tantos anos solitário, que esquecera como era estar com outras pessoas, até mesmo porque naqueles dias ninguém era confiável; todos pareciam sempre dispostos a tudo para roubar um pouco de água: o Ouro Azul.

Aquele homem franzino trazia um olhar derrotado. Com os braços finos amarrados, nem tentava mais se esticar para alcançar a garrafa com água que estava ali para ele ver, sentir sede, e depois agonizar em frente à água.

Agachando, Eliseu imediatamente levou a garrafa de água até a boca do faminto que parecia indiferente. Com um susto, o aflito despertou, recusando-se a beber o líquido quente.

— Você vai morrer – disse Eliseu forçando o velho ao menos umedecer os lábios trêmulos, deixando a água escorrer na barba grisalha, grossa e suja.

— Todos nós vamos morrer! – respondeu o pobre que mal tinha forças para falar. Os olhos opacos, naquele rosto fino e fantasmagórico, encararam Eliseu. – Já estou acabado. Não existe mais salvação para mim.

— Eu posso salvar você – disse Eliseu com as mãos vacilantes, desamarrando as cordas vermelhas que prendiam o homem junto ao poste. Depois de tanto tempo, era sua oportunidade de assumir o papel de Bom Samaritano. — Você tem família? Tem casa? — Eliseu insistiu e conseguiu fazer o homem beber mais um gole de água.

O homem soltou um longo suspiro e deixou seu mais precioso tesouro escorrer dos olhos, pingando sobre a calçada suja.

— Eu tenho uma filha... — o choro impediu o coitado de continuar a frase.

Com a mão suja, coberta de poeira, Eliseu esfregou os próprios olhos evitando as lágrimas que vinham com a triste lembrança de que um dia ele também já havia tido um filho, uma esposa, uma família. Por fim, só lhe restara à esperança de encontrá-los na vida eterna.

— Meus anos já se cumpriram – continuou o homem contendo o choro. — Mas ela ainda é jovem e precisa de proteção.

Eliseu sentiu a mão ressecada, e os dedos enrijecidos do velho, agarrando seu pulso:

— Sei que você é um anjo – a voz rouca quase não saía daquela boca banguela. — Cuide dela pra mim, até ela se casar. Não posso fazer mais nada por ela...

— Deixe disso homem, ainda há vida em você... — Eliseu apoiou a cabeça daquele pobre desamparado que se desequilibrava. — Àquele que vos enviou males, vos dará a salvação.

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